Lady Like: porque força e feminilidade andam juntas 

Capa do álbum Lady Like. A imagem mostra Ingrid Andress com um blazer de listras brancas e douradas abertas. Ela usa um colar de pérolas e tem os cabelos loiros, ondulados e soltos. Ela está em uma espécie de janela e em volta há diversas plantas, todas verdes.
“Polêmico, tão franco/Disseram-me que não sou elegante” (Foto: Warner Music Nashville)

Ana Laura Ferreira

O Grammy nos proporciona a possibilidade de explorar diferentes gêneros musicais, selecionando, em teoria, o melhor de cada ramo. A lista de indicações nunca é harmônica e pode gerar mais ou menos discórdia dependendo dos esnobados da vez. Ainda assim, alguns nomes são unanimidade e, neste ano, entre eles está Ingrid Andress e sua poesia country intitulada Lady Like. O disco concorre como Melhor Álbum Country na premiação de 2021 e também rende a cantora a indicação de Artista Revelação.

A expressão em inglês lady like  surgiu nos anos cinquenta como o nome dado ao estilo de roupas que propunha trazer feminilidade e luxo à moda de forma mais acessível para uso. Popularizado por nomes como Audrey Hepburn e Grace Kelly, o design incentivado por Christian Dior ganhou novas versões no decorrer dos anos. Mas que relação tem isso com o álbum de Andress? Muito além do nome, a moda se mistura à sonoridade trazida pela cantora ao implementar um estilo pomposo e feminino em seu ritmo e subverter os padrões sociais da década de 50 em suas letras.

É entre a dualidade de passado e presente que a cantora constrói sua identidade em meio a tantas inspirações. A mistura, um tanto maluca, de sons e estéticas funciona criando um álbum coeso, tranquilo e ao mesmo tempo forte. Em meio a essa ambiguidade surge Bad Advice como exemplo, trazendo uma letra arrojada em contraste com a batida leve que poderia facilmente fazer parte da trilha sonora de Feitiço Haviano (1961). O impacto e a dualidade percorrem toda a coletânea com bifurcações que levam ao mesmo caminho, entre elas a poderosa Both, uma estonteante assinatura de Andress em meio a tantas influências.

A imagem mostra Ingrid Andress de pé em frente a uma parede de madeira escura. Ela tem os cabelos loiros soltos e usa uma blusa com estampa branca e preta. Ingrid usa uma calça jeans e tem as duas mãos para trás do corpo.
Ingrid Andress é responsável por compor músicas para grandes artistas como Boys de Charli XCX e Girl in the mirror de Bebe Rexha (Foto: Hannah Burton)

Assim como feito por outras artistas antes, Ingrid experimenta todas as possibilidades da mescla entre o country mais tradicional e o pop mainstream. Essa mistura que desmistifica o gênero como algo de nicho, expande as perspectivas e atinge um público que dificilmente chegaria até o disco naturalmente. A quebra de barreiras pode ser a grande explicação para que ela, logo em seu primeiro álbum, tenha sido indicada para três diferentes categorias no Grammy 2021, entre elas Melhor Música Country com More Hearts Than Mine.

Apesar de todos os gêneros que inspiram Lady Like, a coletânea mantém seu pé fincado no solo da música americana para que os demais estilos não a façam se perder. A criação de ambiguidade entre velho e novo, clássico e contemporâneo, country e pop trazem frescor a obra que ganha jovialidade e perspectiva. Essa pegada aparentemente teen, que se encaixaria fácil nos moldes da Disney de anos atrás – alla Hannah Montana – é apenas mais uma ambivalência na produção que suaviza suas letras poderosas e maduras com a delicadeza das melodias. 

Entretanto, o reflexo de trazer um álbum recheado de referências e dualidades é cair nas armadilhas de suas próprias construções. Apesar de atual, Lady Like pode soar como algo que já escutamos, como uma grande reprodução de estilos que já vimos funcionar em outras vozes. É quase impossível escutar We’re Not Friends sem pensar como a música se encaixaria perfeitamente em antigos trabalhos de Taylor Swift, como Fearless. A ilustração de grandes nomes do gênero, como Shania Twain, conversam com as letras e melodias mais do que deveriam fazendo com que, a cada reprodução, seja mais difícil de encontrar Ingrid em suas próprias composições.

Ainda assim, o disco traz suspiros de originalidade, e entre eles a canção que dá nome ao álbum. Forte como nenhuma outra, a melodia ímpar é complementada por uma letra significativa que não abandona a ideia de ambiguidade abordada em toda a coletânea. Apesar de parecer singela e até tranquila em alguns trechos, Lady Like é, na verdade, um grande hino a ser entoado expressando todo o poder feminino. O contraste com a moda cinquentista feita para mulheres “recatadas e do lar” é subvertido em liberdade de escolha.

Apesar de nem sempre concordamos com as indicações de grandes premiações, nomes como o de Ingrid Andress entram entre as unanimidades. Talentosa como compositora e dona de uma voz extravagante, ela traz um álbum completo que se constrói entre as diferentes nuances que explora. Essa talvez tenha sido a oportunidade perfeita para entrarmos em contato com a vocação e competência da cantora celebradas em Lady Like.

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