Estante do Persona – Novembro de 2021

Na segunda edição da Estante do Persona, o Clube do Livro discutiu a obra Jamais o fogo nunca, da escritora chilena Diamela Eltit (Foto: Reprodução/Arte: Vitória Vulcano/Texto de Abertura: Bruno Andrade)

“Imaginava o Paraíso tendo uma biblioteca por modelo.”

– Jorge Luis Borges

Mais um mês de 2021 chega ao fim, e, como de costume, junto dele as coberturas mensais do Persona. Para iniciar os nossos registros de novembro,  damos sequência a uma novidade que nasceu quase nos últimos momentos do ano: o Estante do Persona

Em outubro, criamos o nosso Clube do Livro, formado por membros da Editoria, que tem o intuito de promover a leitura compartilhada e encontros para discussão de obras escolhidas através de sugestões. Ao final do mês, o Clube reúne-se para montar uma lista de indicações literárias e preencher a sua Estante aqui no site, além de criar uma playlist com canções que remetem à obra em questão. 

Assim, em novembro realizamos a segunda leitura do Clube do Livro: Jamais o fogo nunca (2007), da chilena Diamela Eltit, que, no fim do mês, recebeu o prêmio da Feira Internacional do Livro de Guadalajara (FIL). O livro é narrado por uma mulher, cujo principal dado biográfico é ter sido sobrevivente da Ditadura chilena, vivendo, mesmo após o fim do regime, sob o aspecto claustrofóbico da clandestinidade. 

Os últimos dias ainda marcaram a entrega do Prêmio Jabuti, o mais importante da Literatura brasileira. No mês que traz o Dia da Consciência Negra, a premiação consagrou Jeferson Tenório, concedendo a ele o troféu na categoria Romance Literário — um dos mais prestigiosos da premiação — pelo excelente O Avesso da Pele. A obra, publicada pela Companhia das Letras, aborda questões de racismo através dos olhos de um jovem negro ao reimaginar a vida do pai, um professor morto devido à violência policial. O romance desbancou Solução de Dois Estados, de Michel Laub, visto como um dos favoritos ao prêmio.

Na categoria Livro do Ano, quem ficou com o Jabuti foi Sagatrissuinorana, livro infantojuvenil de João Luiz Guimarães e Nelson Cruz, publicado pela editora independente ÔZé. O enredo adapta a história clássica dos Três Porquinhos em uma linguagem que lembra Grande Sertão: Veredas, do mineiro João Guimarães Rosa, e gera um conto para falar sobre as tragédias que ocorreram em Mariana e Brumadinho, ambos desastres ocasionados pelo rompimento de Barragens em Minas Gerais.

Em Não Ficção, o livro-reportagem A República das Milícias, do jornalista Bruno Paes Manso, foi laureado na categoria Biografia, Documentário e Reportagem. A obra traça um paralelo entre a ascensão das milícias no Rio de Janeiro e a consolidação da família Bolsonaro na política, fazendo um recorte temporal que vai dos anos 1960 — com o surgimento dos esquadrões da morte no Rio — até o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, em 2018. 

Na categoria Ciências, a bióloga Natalia Pasternak e o jornalista Carlos Orsi saíram vitoriosos com o livro Ciência no cotidiano: Viva a razão. Abaixo a ignorância!, obra de divulgação científica que, entre outros temas, aborda e desmistifica a falácia de que vacinas causam autismo. A Personalidade Literária de 2021 — honraria entregue desde a criação da premiação — foi Ignácio de Loyola Brandão, escritor araraquarense cinco vezes vencedor do Prêmio Jabuti, e autor de obras de destaque, como Zero (1974) e Não Verás País Nenhum (1981). Em janeiro deste ano, Brandão recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Unesp

E se você procura por mais indicações literárias está no lugar certo. Além de acompanhar o ambiente literário neste mês de novembro, a Editoria do Persona também selecionou algumas outras obras para acompanhar Diamela Eltit e Jamais o fogo nunca na segunda edição do Estante do Persona. Tudo isso você pode conferir logo abaixo.  

Livro do Mês

Capa do livro Jamais o Fogo Nunca, de Diamela Eltit. Na imagem, há um fundo branco com letras que formam a frase Jamais o fogo nunca embaralhadas e espalhadas de maneira disforme. Essas letras são de cor roxa. Na parte lateral direita, está escrito Jamais o fogo nunca, em fonte de cor roxa. À esquerda, está escrito diamela eltit, também em fonte de cor roxa. Abaixo de diamela eltit, está escrito tradução e prefácio de Julián Fuks, em fonte de cor roxa.
Jamais o fogo nunca é o primeiro livro da chilena Diamela Eltit traduzido no Brasil (Foto: Relicário)

Diamela Eltit – Jamais o fogo nunca (172 páginas, Relicário)

Sendo uma das principais autoras da Literatura chilena contemporânea, Diamela Eltit demonstra em suas obras uma enorme força social, e revela, por meio de sua voz poética, paradoxos da militância política. Em Jamais o fogo nunca, seu primeiro livro publicado no Brasil, em 2017 — um atraso de mais de 30 anos desde sua estreia literária, em 1983 —, lemos esboços de conversas e momentos entre uma mulher e o marido, militantes ávidos contra a Ditadura de Pinochet, enclausurados dentro de um quarto onde relembram e colocam em xeque tudo o que foi vivido durante o período. Narrado pela mulher, o livro apresenta o passado como uma assombração, em um espaço claustrofóbico que só é quebrado com a invasão da morte. 

O título do livro vem do poema Os nove monstros, do poeta peruano César Vallejo, no qual lemos: “Jamais o fogo nunca/fez melhor seu papel de morto frio”. Esse trecho é também a epígrafe da obra, e serve como um ponto de partida para entendê-la. Há na produção um forte apreço pelos corpos — característica que perpassa toda a carreira de Eltit, visto com ênfase em Forças especiais (2021), seu mais recente livro publicado por aqui —, às vezes chamados de “células” durante o romance. A recusa — e a proibição do marido — em sair de casa evidencia a desistência da utopia, motivo pelo qual ambos lutavam juntos nos anos de repressão política. Além disso, o caráter revelatório do romance aponta para as contradições escancaradas nas atitudes do próprio, um homem que lutava pela liberdade política mas era um repressor violento dentro da casa — a melhor simbologia da totalidade assombrosa da Ditadura, evidente até mesmo nos que seriam suas portas de saída.

Jamais o fogo nunca também aponta para um dado emblemático: a Democracia não se lembra daqueles que lutaram por ela. Essa é uma das características que parecem servir de mote a diversas cenas do romance, visto que a ideia de anular o individual para o bem coletivo foi invertida nas sociedades contemporâneas. O livro funciona como uma distopia do século XXI, na qual nós, latino-americanos, estamos sempre assombrados pelo passado da Ditadura Militar, ao passo que somos carregados por um “fogo morto frio”. No Brasil, Diamela Eltit possui quatro obras publicadas: Jamais o fogo nunca e Forças especiais, com tradução do também escritor Julián Fuks, lançadas pela editora Relicário; A máquina Pinochet e outros ensaios (2017), disponível somente em e-book através da editora e-Galáxia, com tradução de Pedro Meira Monteiro; e O Infarto da alma (2020), feito em parceria com a fotógrafa Paz Errázuriz e publicado pela editora IMS, sob tradução de Livia Deorsola. “Apoio minha mão adormecida na parede e não sinto nada. Já não sinto absolutamente nada.”

Dicas do Mês

A capa é bege e mostra o desenho de um monstro em forma de minhoca saindo do deserto. A parte de cima do seu corpo tem um buraco, sua boca, com dentes pontiagudos. Abaixo dele, vemos montes de areia e várias silhuetas pretas olhando o monstro. Na parte de cima da capa, em letras brancas, lemos o nome do autor, Frank Herbert. No meio da capa, logo na cara do monstro, também em fonte branca, lemos Duna
Que calor, que sede! (Foto: Aleph)

Frank Herbert – Duna (680 páginas, Aleph)

Definir a complexidade e o alcance de Duna em apenas um par de parágrafos é uma tarefa que nem o Barão Harkonnen merece enfrentar. A obra de Frank Herbert foi publicada em 1965, quando a ficção científica de Isaac Asimov olhava para um futuro robótico e metálico, enquanto o desértico planeta Arrakis, por outro lado, buscava uma visão menos computadorizada do amanhã. Os dróides dão espaço para a ecologia, a religião e a política. Na trama, primeiro livro de uma longeva coleção, o jovem Paul Atreides vê seu mundo virar de ponta-cabeça quando o pai, o Duque Leto, é ordenado a comandar Duna, um planeta que em nada se assemelha com a terra natal da família real.

A partir dessa fina premissa, as quase setecentas páginas se enroscam em reviravoltas políticas, amores capciosos e uma execução e visão de mundo avançadas para a mente de um norte-americano nos anos sessenta. Ágil, empoeirado, extremamente envolvente e envelopado por um glossário que deixa os cabelos em pé, Duna se beneficia do caráter disruptivo de sua narrativa linear, mas não presa ao cotidiano. Entre um capítulo e outro, Herbert faz questão de viajar anos pelo tempo, sem ao menos avisar o leitor que o protagonista até então magrinho e confiante agora era um homem resiliente e altivo. Acompanhado da cuidadosa e apaixonada adaptação cinematográfica de Denis Villeneuve, o Duna de Frank Herbert (traduzido para cá por Maria do Carmo Zanini) tem tudo para continuar sua jornada atemporal de sucesso e aclamação. Mas esteja avisado: Duna é tão seco, que dá sede. – Vitor Evangelista


Capa do livro Os Sete Maridos de Evelyn Hugo. A imagem tem uma foto com um filtro verde água de uma mulher usando um vestido longo brilhante , com um colar de pérolas e pulseiras no braço direito. É possível ver apenas sua silhueta e a parte da boca para cima do seu rosto. Sob seu corpo, está escrito Os sete maridos de Evelyn Hugo em letra cursiva na cor rosa.
Taylor Jenkins Reid também é autora de Daisy Jones & The Six e Amor(es) Verdadeiro(s) [Foto: Paralela]
Taylor Jenkins Reid – Os Sete Maridos de Evelyn Hugo (360 páginas, Paralela)

Pode soar um pouco batido ser mais uma das milhares de pessoas a falar de Os Sete Maridos de Evelyn Hugo, que todo dia tem uma porção considerável de tweets com comentários dedicados ao livro (e o famoso vestido verde da protagonista). Mas a obra de Taylor Jenkins Reid merece mesmo todos os holofotes que tem ganhado nos últimos meses. A autora, que já se mostrou craque em criar celebridades inexistentes, trouxe um romance viciante do início ao fim, percorrendo os bastidores mais perversos da vida do show business.

Evelyn Hugo é um dos nomes mais marcantes de Hollywood. Prestes a completar 80 anos de idade, a atriz Oscarizada decide que quer lançar uma biografia sobre sua vida e carreira, e curiosamente escolhe a jornalista Monique Grant para ser a autora da obra. A partir dessa premissa, o livro revisita a história da super estrela desde seus primórdios, percorrendo todos os percalços necessários para se tornar uma figura renomada, em paralelo com cada um de seus casamentos. Entre esses obstáculos, a repressão de suas origens latinas, sua fisionomia e até mesmo sua sexualidade para deixar seu nome cravado na calçada da fama. Em uma escrita que estampa um caráter quase documental, Os Sete Maridos de Evelyn Hugo é uma das ficções mais verdadeiras que poderíamos ter. – Vitória Silva


Capa do livro Erguei bem alto a viga, carpinteiros & Seymour — Uma introdução. Na imagem, há um fundo verde com uma borda de cor branca. Ao centro, há uma letra S de cor preta com detalhes em cor branca e cinza. Acima da letra S, está escrito Erguei bem alto a viga, carpinteiros & Seymour — Uma introdução, em fonte de cor preta. Abaixo do S, está escrito J. D. Salinger, também em fonte de cor preta.
Com tradução de Caetano Galindo, Erguei bem alto a viga, carpinteiros & Seymour: Uma introdução fecha a cortina da carreira literária de Salinger, sendo esse seu último livro publicado em vida, e, até os dias atuais, sua última obra inédita (Foto: Todavia)

J.D. Salinger – Erguei bem alto a viga, carpinteiros & Seymour: Uma introdução (184 páginas, Todavia)

No final dos anos 1940, precisamente em 1948, o nome de um ex-veterano da Segunda Guerra, um dos poucos sobreviventes norte-americanos do Desembarque da Normandia, apareceu pela primeira vez na renomada revista The New Yorker. O texto que dava início a uma das carreiras literárias mais brilhantes de todos os tempos – apesar de sua curta extensão, considerando que o autor publicou apenas um romance (mas foi “o” romance), e sagrou-se através de novelas e contos – se chamava Um dia perfeito para peixes banana. O nome do autor? Jerome David Salinger, ou, como ficou conhecido, J. D. Salinger.

O conto apresenta Seymour Glass, irmão mais velho de uma família de mentes geniais; é uma figura icônica, misteriosa e profundamente comprometida em entender o mundo. Ao longo da carreira de Salinger, a disfuncional família Glass foi sendo traçada, e, à tangente, Seymour (morto desde sua aparição) transformou-se em um guru, a referência silenciosa para os irmãos – ele era “o imbatível”, segundo Buddy Glass. Não ironicamente, a carreira de Salinger foi se solidificando junto a consolidação do nome de Seymour, sendo esse um de seus personagens mais geniais. A última obra publicada por Jerome – antes de cessar suas publicações e iniciar a reclusão que durou até o fim de sua vida, em 2010 – foi Erguei bem alto a viga, carpinteiros & Seymour: Uma introdução (1963). 

É engraçado enxergar que, desde o surgimento de Seymour, tentamos entender sua mente e o que levou a fazer o que fez, mas, somente 15 anos depois, Salinger apresentará um livro para contar, propriamente, a história do personagem, mesmo que narrada pelo irmão. Em Erguei bem alto a viga, carpinteiros & Seymour: Uma introdução temos duas novelas, ambas narradas por Buddy, o escritor da família e alter ego de Jerome Salinger. Na primeira, acompanhamos a cerimônia de casamento frustrada entre Seymour e Muriel, na qual Buddy Glass se vê enroscado com a família da noiva, enquanto a segunda apresenta um esforço genuíno em reconstruir a mente desse personagem ausente, através de memórias e fragmentos que ele deixou para trás. O livro todo é o clímax da história da família, considerando, ainda, que essa cerimônia inusitada de casamento foi pincelada em Um dia perfeito para peixes banana. A obra encerra com maestria – e de forma cíclica – a carreira literária de Salinger, e representa o fracasso que pode ser a reconstrução do passado, à medida que a tentativa, mesmo no escuro, já demonstra uma vitória. Bruno Andrade


Capa do livro The Love Hypothesis, da autora Ali Hazelwood. Na alto da capa, centralizado em letras rosas, o título do livro, sob fundo azul, com “The Love” em letras cursivas e “Hypothesis” em uma fonte formal. Abaixo dele, uma ilustração de Olive (à direita) agarrando o jaleco de Adam (à esquerda) e puxando-o para um beijo. Olive é uma mulher caucasiana de cabelos castanhos presos num coque bagunçado, usando um jaleco branco com um crachá visível na gola esquerda. Adam é um homem caucasiano, mais alto que Olive, tem cabelos pretos até os ombros e usa um jaleco azul bebê por cima de uma camiseta rosa. Enquanto Olive está de olhos fechados, Adam está com os dele arregalados de surpresa. Atrás deles, uma série de frascos e vidros de laboratório com líquidos rosa sob uma bancada de trabalho azul, com o nome da autora no canto inferior direito em letras azuis-escuras e maiúsculas.
Os melhores clichês do gênero, organizados da maneira mais refrescante possível (Foto: Berkley)

Ali Hazelwood – The Love Hypothesis (383 páginas, Berkley)

Uma coisa fica clara assim que começamos a ler The Love Hypothesis: Ali Hazelwood não se envergonha nem um pouco das origens de seu livro. O fato da obra ter nascido como uma fanfic de Star Wars é celebrado desde sua capa (ilustrada pela paraguaia @lilithsaur), que evoca a semelhança dos atores dos filmes, até os agradecimentos, em que a autora ressalta a importância do apoio da comunidade para que a obra se tornasse um livro publicado. Na trama, a candidata a PhD Olive busca convencer sua melhor amiga de que está em uma relação romântica, e acaba tascando um belo de um beijo no Dr. Adam Carlsen, um professor linha-dura odiado pela maioria dos estudantes do campus.

O romance de estreia da autora não é nada menos do que um triunfo, tanto em gênero como em prosa. A caracterização romântica de suas personagens principais proposta dentro de um relacionamento falso (um dos clichês mais deliciosos do gênero) é primorosa, e não desperdiça nenhum momento entre as duas, forçando-as em situações cada vez mais comprometedoras, mas sem nunca tomar por garantido nenhuma das personagens secundárias ou a importância delas para a trama principal. Com a promessa de ser publicado pela Arqueiro no Brasil em 2022, The Love Hypothesis é um romance de peso e conteúdo que vai muito além de suas humildes origens. – Gabriel Oliveira F. Arruda


Capa do livro Gaviã Arqueira: Vingadora da Costa Oeste. A capa tem o fundo branco. No canto superior esquerdo, vemos a frase “Gavião Arqueiro do Matt Fraction é seu melhor trabalho até agora - PopMatters.com” em preto. Abaixo, vemos o logo da série de quadrinhos “gaviã arqueira”, que consiste nas duas palavras escritas em uma fonte preta, com setas nas extremidades das letras “g”, “v” e “i”, e um ponto vermelho, como se fosse um alvo, dentro do primeiro “a”. Na parte superior direita e em toda a extensão da capa, vemos ilustrações em tons de laranja. À esquerda, vemos a silhueta alaranjada de uma mulher com uma máscara e segurando uma arma. Ao lado dela, vemos a silhueta alaranjada de uma outra mulher, usando óculos que refletem palmeiras. À direita, vemos a silhueta alaranjada de um homem usando um casaco e uma gravata preta. Na parte inferior da capa, vemos as silhuetas brancas de palmeiras. Espalhados por toda a capa, vemos círculos imitando alvos, em tons de amarelo, laranja e em branco.
Gaviã Arqueira: Vingadora do Oeste acompanha a personagem Kate Bishop antes de ela entrar para o Jovens Vingadores (Foto: Panini)

Annie Wu, David Aja, Javier Pulido e Matt Fraction – Gaviã Arqueira: Vingadora da Costa Oeste (120 páginas, Panini)

Hawkeye chegou ao Disney+! A série inspirada nos quadrinhos do Gavião Arqueiro foi a responsável por introduzir Kate Bishop ao MCU, mas, antes de chegar ao streaming, a Gaviã Arqueira já viveu outras aventuras. No livro Gaviã Arqueira: Vingadora da Costa Oeste, a personagem não só já está devidamente aclimatada ao mundo heroico da Marvel, como também está familiarizada – e de saco cheio – de Clint Barton. E é procurando tirar férias dele e das turbulências da vida em Nova York que a arqueira, seu cachorro e seu arco e flecha viajam para Los Angeles… só que nem lá ela vai conseguir escapar dos problemas de ser uma heroína. 

Escrito por Matt Fraction, com as capas feitas por Javier Pulido e David Aja, o livro em quadrinhos reúne as edições 14, 16, 18 e 20 da série Hawkeye. Logo de cara, as ilustrações de Annie Wu são um atrativo por si só: cheias de cores, com desenhos bem dispostos, repletos de detalhes e perspectivas, e um design moderno, que combina com a protagonista, o visual de Gaviã Arqueira é deslumbrante. Mas as ilustrações não são tudo e, graças a Kate Bishop, a narrativa também dá certo: seguindo as aventuras da heroína, nos aproximamos dela e conhecemos mais da sua personalidade generosa e corajosa, e também engraçada, despojada, irreverente e rebelde. Seja ajudando o casal vizinho a conseguir flores para um casamento, seja protegendo Los Angeles da Madame Máscara, a divertida Gaviã Arqueira mostra porque, muito antes de ter de se encaixar ao universo cinematográfico da Marvel, já se considerava “praticamente uma Vingadora”. – Vitória Lopes Gomez


Capa do livro Dias na Birmânia uma mulher no centro em branco e preto de costas levemente abaixada, com uma lança na mão direita, vestindo uma camiseta branca, um shorts e um chapéu. Na parte inferior há uma figura que lembra um barco. O fundo da cena é uma estampa distorcida de um céu azul com uma nuvem. No ponto superior está escrito George Orwell em branco e no canto esquerdo está escrito na diagonal Dias na Birmânia em vermelho. Todos esses elementos na capa remetem a uma colagem.
George Orwell disseca o racismo estrutural em Dias na Birmânia (Foto: Companhia das Letras)

George Orwell – Dias na Birmânia (360 páginas, Companhia das Letras)

O mundo é repleto de culturas bem diferente da nossa e a Literatura nos permite viajar para conhecer essas civilizações tão discrepantes do nosso cotidiano. Com Dias na Birmânia, o primeiro romance de George Orwell, publicado em 1934, o leitor é transportado para um país asiático longínquo em meados do século XX. Nesse universo somos apresentados a John Flory, um inglês que reside na Birmânia em um período em que o país era uma colônia britânica. Orwell escancara o racismo nefasto do ambiente com os privilégios de Flory por não ser nativo do lugar, porém é mal visto por outros estrangeiros devido a sua amizade com os birmaneses. Os dias na Birmânia eram inóspitos até a chegada de Elizabeth, uma jovem superficial que despertou a comunidade local de sua rotina.

A premissa de Dias na Birmânia já acorda o leitor para uma visão crítica sobre o colonialismo e o racismo estrutural. Orwell apresenta, logo em sua primeira obra literária, a sua análise majestosa sobre regimes autoritários, que futuramente o levou a escrever 1984. A narrativa do primeiro romance do autor segue um ritmo angustiante com a autodesvalorização dos birmaneses cada vez mais acentuada e a depreciação de John Flory aumentando conforme o desenrolar da trama. A história contada por Orwell mostra um passado de um povo oprimido que reside em um país hoje conhecido como Myanmar. O mais revoltante de se debruçar sobre a história de Dias na Birmânia é pensar que a realidade dessa civilização ainda é a opressão. – Gabriel Gatti


Capa do livro Leite Derramado. A imagem tem fundo laranja. No canto superior direito, está escrito o nome do autor em cor preta e fonte em caixa alta. Ao centro, alinhado à esquerda, está escrito o nome do livro em fonte de caixa alta branca. Embaixo do título do livro, ocupando o quadrante inferior esquerdo da capa, existe um trecho do livro escrito em fonte serifada, também em branco, num tamanho menor, comum da parte interior dos livros.
Lançado em março de 2009, Leite Derramado expõe a capacidade analítica de Chico Buarque numa saga familiar decadente (Foto: Companhia das Letras)

Chico Buarque – Leite Derramado (195 páginas, Companhia das Letras)

O mês de novembro foi para acompanhar a premiação mais importante da Literatura Brasileira e apreciar a obra político-histórica de Diamela Eltit em Jamais o fogo nunca. Então, nada melhor do que relembrar também o Livro do Ano eleito pelo Prêmio Jabuti em 2010, que se encarrega de retratar a história do Brasil durante os nossos últimos dois séculos pelas palavras sublimes de Chico Buarque.

Em Leite Derramado, o autor tece uma narrativa ampla sobre a formação da sociedade e da política brasileira a partir das memórias de Eulálio, que está em seu leito de morte, desatando um monólogo nada confiável para quem quiser ouvir. O protagonista, membro de uma decadente família tradicional carioca, dedica seus últimos dias ao registro oral de sua linhagem, que se inicia com ancestrais portugueses, continua com barões do Império e senadores da Primeira República, e se encerra com agentes criminosos do Rio de Janeiro atual.

Assim como a consagrada escritora chilena, o aclamado letrista brasileiro faz uso de uma linguagem exímia do romance moderno, repleta de digressões livres e fechada na expressão da primeira pessoa. No entanto, ao contrário da carga dramática e psicológica da Literatura de Diamela Eltit, Chico Buarque é curto e grosso em suas análises, criadas a partir da perspectiva de um de seus exímios malandros. E este, por sua vez, nunca chora o tal do leite derramado. – Raquel Dutra 


“Escrevo o que me falam, o que capto de muitas vivências: escrevivências” (Foto: Malê)

Conceição Evaristo – Histórias de leves enganos e parecenças (112 páginas, Malê)

Conceição Evaristo é uma das maiores escritoras que esse país tem a honra de possuir. Mineira, poetisa, romancista e contista, Conceição venceu o Prêmio Jabuti em 2015, por uma de suas obras mais famosas: Olhos d’água. E foi homenageada pelo mesmo em 2019, como Personalidade Literária do Ano. Negra e de origem pobre, seus fortes versos ressoam a dura realidade vivenciada por ela, denunciando a marginalização social e opressões de gênero. Seus livros transmitem aquilo que Conceição carrega em seu interior: arte, cultura, sabedoria e beleza.

Histórias de leves enganos e parecenças, sexta obra da autora, reúne doze contos e uma novela que dão voz a meninas, mulheres, mães e avós. Aqui, a prática de escrevivências, mais uma vez, domina o lirismo poético de Conceição Evaristo, que transcreve histórias vindas de pessoas que têm a fala sufocada pela sociedade racista e intolerante. A moça de vestido amarelo, um dos grandes destaques do livro, fala sobre o sagrado afrodescente de maneira sutil e ao mesmo tempo potente, carregando muita graça e sabedoria. Com o sagrado em voga, contos como Nossa Senhora das luminescências e Fios de ouro impulsionam a oralidade feminina e a tradição de matriz africana. Retratando o cotidiano pela voz do oprimido, Conceição Evaristo faz Arte. – Ana Júlia Trevisan

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