Positions: Ariana Grande se vira do avesso

Ela não para: Positions chegou antes mesmo de thank u, next completar dois anos de vida (Foto: Dave Meyers)

Vitor Evangelista

Os trabalhos recentes de Ariana Grande ajudaram a consolidá-la como uma titã do ramo musical, tudo que ela toca vira ouro. Se não ouro, suas canções explodem, e garantir o lugar no topo das paradas virou rotina na vida da canceriana de 27 anos. A quantidade de lançamentos, porém, nem sempre se alinha à qualidade deles. Em 2020, Ariana assume o teor sexual de Positions, vendendo-o como uma libertação da imagem fragilizada do bem-sucedido thank u, next. O que Ariana não assumiu, todavia, foi que seu sexto álbum de estúdio era recheado de repetições do passado, o que não costuma ser bom sinal.

Anunciado duas semanas antes de seu lançamento, Positions chegou aliado à uma expectativa exorbitante. Foi também precedido pelo vídeo do single homônimo. No clipe, assistimos uma imponente Grande, exercendo cargos de alto calibre e cantando sobre as posições que ela cogita trocar, tudo por seu novo amor. A música, que sem dúvidas é um chiclete saboroso, falha na hora de tornear a narrativa que a cantora daria vida com a chegada do trabalho completo. 

Pelo menos ela não está mais de cabeça para baixo (Foto: Reprodução)

Jogando seguro, Ariana acaba num labirinto que já explorou diversas vezes no passado. Se a metáfora do título fosse levada ao pé da letra, a cantora poderia insinuar safadezas de primeira, como trocar as clássicas posições de passividade da relação que mantém com o namorado. Se, novamente no campo das suposições, ela logo de cara desse as cartas de um visão dominatrix e pulso firme, talvez o que embalasse o restante de Positions se assegurasse em terrenos distintos, mas tão desafiadores quanto os de Dangerous Woman, de 2016, e até mesmo as parcerias que Ariana coleciona, como Rain on Me.

Por mais que o irmão mais velho, thank u, next, mal tenha completado dois anos, Grande é uma máquina de fazer músicas e raramente dorme no serviço. Seu eu lírico é poderoso e sempre dominante, e mesmo as ‘fraquezas e rachaduras’ do álbum de 2019 colocavam a cantora numa posição de poder. Algo que o TUN fez com primor foi consolidar a figura de Ariana Grande como uma personagem dentro de suas próprias canções. O alto rabo de cavalo, os moletons três números maiores que seu tamanho e a meiguice que transpira a dicotomia fofa-e-sexy, foram todos traços desenhados pela cantora, e muito bem, diga-se de passagem.

Dessa vez, ela tinha todas as ferramentas para consolidar suas diversas influências, que mixam o pop com o R&B, e construir um disco que finalmente amadurecesse a Ariana de hoje, sem a sombra de relacionamentos fracassados ou orelhas de coelho. Aparentemente, a pressa, além de inimiga da perfeição, foi também inimiga da cantora. Dói constatar o forte fator genérico, ou melhor dizendo, menos inspirado das composições de Positions. É claro que o sexo, como conceito, não se limita à características prontas ou checklist de apetrechos e termos. 

O que pega no calo de Positions é que a canceriana de 1,53 sempre se prestou a usar do comum, tuná-lo com sua presença e carisma, constantemente rompendo com o clichê. Seja ele visual, nos clipes oníricos e sensoriais (lembremos de God is a woman), ou textual, escrevendo letras carregadas de sentimentos, veracidade e o glamour que só Grande maneja. No sexto álbum, não esperávamos o sexo usado como artifício chulo ou degradante, pelo contrário, o que a cantora cultivou no passado foi o ato de explorar as nuances do óbvio. Se, em 2019, ela reviveu a narrativa do coração partido sem soar boba ou infantil, em 2020, ela tratou do sexo sem um terço desse vigor.

Positions sofre com o efeito do streaming na duração das canções, muito mais curtas do que seriam anos atrás, antes do advento do Spotify (Foto: Dave Meyers)

Ariana Grande é a dona da própria história. E o disco em momento algum nega isso, mas o que poderia ser um mar de canções fortes e avassaladoras, se transformou numa experiência menos emocionante que o esperado. Das 14 músicas que compõe o CD, a maioria soa aguada. Conceito esse que casa com a capa de Positions, que fotografa uma Ariana desbotada e blasé, sem o sabor e a forte sustância que levaram-na a vencer um Grammy com o Sweetener e, na sequência, lançar o juggernaut thank u, next. A capa do single de positions, sem mostrar o rosto da mulher posando deslumbrante na paleta de cores desbotada, acaba transmitindo de forma mais clara a ideia pomposa de uma Grande no comando.

Positions se sustenta pelas memórias de uma Ariana mais incisiva e criativa. shut up, a abertura do trabalho, é mais uma nota de rodapé cômica do que uma canção que dite o ritmo do CD. Vender o conceito do álbum com um forte erotismo também frustra, quando as letras e batidas nunca vivem à altura do poder de Ariana Grande que, em anos anteriores, serviu muito mais sensualidade sem prometer nada. Nem é preciso ir tão longe, é só lembrar de make up (que por si só era a balada do término relâmpago) ou Touch It

As músicas que vivem para contar bem as histórias à quatro paredes são também aquelas que mais destacam o fator de metamorfose da cantora. nasty, simples de tudo, cumpre bem o trabalho de excitar sem partir para o óbvio. E mesmo quando Ariana simplifica seu lirismo na faixa 34+35, a soma sexual mais escrachada do mundo, ela se diverte com a bobeira. ‘Aula de matemática, nunca fui boa’, ela gargalha ao fim da canção, e nós rimos junto.

A cantora acumulou o terceiro topo das paradas em 2020, com o single positions que se juntou aos sucessos Stuck with U e Rain on Me (Foto: Dave Meyers)

Depois de abdicar das parcerias em TUN, a cantora reatou a velha e deliciosa colaboração com The Weeknd, na tola off the table. Que está longe de ser desagradável mas, para quem deu luz à Love Me Harder, entregar agora um trabalho que se limita ao senso comum do amor machucado é uma bela broxada. A canção, por sinal a mais longa do CD, engrena quando Abel admite que ‘era assombrado pelas colinas’, piscando uma referência à The Hills, sua canção mais famosa. Contudo, a criatividade dos dois acaba ali, quando off the table volta a soar descuidada.

Quando falamos de motive, o dueto com Doja Cat, Ariana se inspira num jogo de palavras em um vai-e-vem interessante com a voz de Say So. As duas parecem peitar uma à outra, mas com o riso amistoso atrás das palavras de ordem, ‘me diz aí qual o seu motivo?’. safety net, ao lado de Ty Dolla $ign, é a melhor colaboração de Positions, justamente por embalar o melhor dos dois mundos, o sexy e o bruto. Essa sim deveria ser a letra entregue à Ariana e Weeknd, não apenas consciente da narrativa que sustenta, mas igualmente deliciosa de ser ouvida em repetição.

Quando perguntada sobre sua próxima turnê, Ariana revelou que provavelmente não voltará aos palcos antes de 2022, quando toda a situação da pandemia ficar para trás (Foto: Reprodução)

Para um álbum que abraça a temática do sexo, Positions acaba como o pior tipo de bola azul: uma experiência apreciável, é claro, mas muito distante do esperado. É frustrante dar de cara, ou ouvidos, com um retrocesso na curva criativa de Ariana, mas lidaremos com isso. A sequência de conclusão do CD redime um pouco o desempenho meia bomba até então. obvious abraça os carentes da mulher perigosa e pov é um acalento da cantora para seus fãs. Na melhor composição e arranjo de Positions (e minha favorita de sua carreira), Ariana admite que adoraria se ver pelos olhos de alguém que a ama tanto. E nós a amamos.

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