PéPequeno: imaginário ou realidade?

PéPequeno tem direção de Karey Kirkpatrick, diretor/roteirista de “James e o Pêssego Gigante” e “As crônicas de Spiderwick” (créditos: reprodução)

Júlia Paes de Arruda

Yeti ou Abominável Homens das Neves é o nome dado a criatura que vive na região do Himalaia. Segundo a lenda, eles seriam descendentes de um rei macaco que se casou com uma ogra. Mas e se eles fossem reais? Essa é a ideia central da nova animação da Warner Bros, PéPequeno, que chegou aos cinemas no dia 27 de setembro e já ultrapassou “A Freira”, ficando em primeiro lugar na bilheteria.

O filme conta a história de Migo (Channing Tatum), um yeti que vive com seu pai numa vila (tão racional quanto a nossa) no topo do Himalaia. A vila é regida pelas pedras, as quais ditam as normas e a história do grupo – bem semelhante aos dez mandamentos citados na Bíblia. Nas pedras, ainda, há o mito de uma espécie chamada de pé pequeno, uma criatura desconhecida e amedrontada por todas  as gerações de yetis (que somos nós, é claro). Pode-se ver que o filme tira a perspectiva de “abominável” dessas criaturas, famosas em tantos outros filmes como “Scooby-Doo e o Abominável Homens das Neves”, e as torna parte dos seres humanos.

Outros filmes abordam os yetis como uma criatura maligna (créditos: reprodução)

Migo vê seu mundo desabar quando se depara com um acidente de avião – e consequentemente com o piloto – no topo da montanha. Apavorado com a situação, o yeti chega na vila para contar o que viu. Resultado: ninguém acredita nele, já que isso significaria ir contras as pedras e ir contra as pedras, por sua vez, significaria ser banido do grupo. Seguindo seus princípios, Migo não contraria o que viu e, infelizmente, é expulso da vila.

Apesar disso, Migo se depara com um grupo de yetis, tendo como líder Meechee (Zendaya), filha do guardião das pedras, que acredita na história dele. O grupo então tenta de diversas maneiras provar que o pé pequeno existe, trazendo novas perspectivas e também novas verdades para a vila.

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Comparando com a realidade atual, o filme é reflexo da situação política em que vivemos. Muitas pessoas se vêem à mercê de um líder que difunde um discurso falso da realidade, baseado no preconceito e no medo. E quem se opõe a esse discurso é acusado de ser mentiroso e contrário ao bem estar da nação. Mesmo com as provas em mãos, Migo encontra com uma sociedade manipulada pela voz do guardião, que se nega a enxergar a verdade; ele é obrigado a afirmar a mentira dita desde os primórdios da sociedade em nome da proteção de seu pai, de seus amigos e de todos os yetis. Uma história bem familiar, não é mesmo?

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Um filme que dialoga muito com essa situação é “A Vila”, de M. Night Shyamalan, lançado em 2004. Ele deu ao compositor James Newton Howard sua quarta indicação ao Oscar de melhor trilha sonora. O enredo se passa em 1897 na Pensilvânia e conta a história de um grupo de pessoas que, tentando manter seus filhos longe da violência urbana, fundam uma vila em torno de um bosque. Contudo, existe a história de que perigosas criaturas vivem naquele bosque, os chamados “aqueles que não mencionamos”. Isso faz que os administradores da vila, Edward Walker (Willian Hurt) e Alice Hunt (Sigourney Weaver), mantenham todos isolados de qualquer sinal de civilização.

A situação muda quando Lucius Hunt (Joaquin Phoenix) sofre um acidente causado por Noah Percy (Adrien Brody, de “O Pianista”), um rapaz desequilibrado e apaixonado por Ivy Walker (Bryce Dallas Howard), a paixão de Lucius. Ivy, cega e totalmente indefesa, enfrenta o bosque em busca de medicamentos. Com essa viagem, Ivy descobre o antigo pacto de seus antepassados que, através de uma fantasia, criaram a lenda de um animal aterrorizante em nome da proteção e da segurança da vila.

“A Vila tem direção de M. Night Shyamalan, o mesmo diretor de “O Sexto Sentido” e “Fragmentado” (créditos: reprodução)

Ambos os filmes mostram que a figura do líder, tanto o guardião das pedras quanto os administradores da vila, agiram por uma boa intenção: tentar proteger e manter a segurança dos moradores. Entretanto, fizeram isso por meio da mentira e da manipulação, tornando o medo como combustível dos indivíduos não contrariarem essas regras ao invés de mostrar a verdade.

O filme PéPequeno deixa, de maneira simples para as crianças, que o preconceito só existe por causa da visão limitada do outro. Nada adianta viver no topo sem ter que admirar o horizonte. É necessário olhar para o lado e ver o mundo de uma perspectiva diferente, sem ser alimentado pelo medo ou pelo ódio. Entretanto, não é isso que a conjuntura atual nos mostra.

As eleições deste ano são a melhor forma de demonstrar essa situação. De um lado, encontramos um discurso conservador diretamente ligado ao fascismo, baseado no medo e na aversão ao diferente em nome da proteção à família e à nação. Do outro, um discurso baseado em todo o contexto histórico-social que o mundo viveu, rejeitando o ódio e o preconceito disseminado pelo discurso oposto. Não se trata de divergências de partidarismo, mas de divergências morais. O ser humano deixou de ver pelo coletivo e passou a enxergar apenas o individual, ainda mais depois da dispersão de fake news e da sua manipulação por meio das mídias sociais.

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O filme acaba com o final feliz. A vila se abre às novas perspectivas e deixa de viver sob o domínio da mentira. Esperamos que essa situação também seja vista na vida real.

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