Nota Musical – Abril de 2022

Arte retangular na cor verde musgo. Do lado direito está a caixa de um CD, este decorado por uma foto de quatro artistas: Harry Styles, Fontaines D.C., Orville Peck e Anitta. Já ao lado esquerdo, está escrito, em branco, na área superior, “nota musical”. Ao centro, o logo do persona, um olho com a íris na mesma cor do fundo. Logo abaixo, o texto em preto “abril de 2022”.
Destaques de Abril de 2022: Harry Styles, Anitta, Orville Peck e Fontaines D.C. (Foto: Reprodução/Arte: Nathália Mendes)

O quarto mês de 2022 nos trouxe muitos motivos para comemorar junto de um carnaval fora de época. Como de costume para o amplo espectro da Redação do Persona, estivemos seguindo os lançamentos, eventos, notícias e celebrações do mundo da Música, dentro e fora do Brasil, durante os últimos 30 dias. Então, acompanhados de uma Rita Lee curada, Anitta internacionalizada e Harry Styles emplacado, sonhamos com uma São Paulo primaveril e apresentamos o Nota Musical de Abril

E tem coisa melhor do que começar o balanço do mês com notícia boa? Porque Abril trouxe uma das melhores: Rita Lee está totalmente curada do câncer que tinha em seu pulmão esquerdo. Diagnosticada com a enfermidade em maio de 2021, a Rainha do Rock Brasileiro precisou passar por sessões de imunoterapia, radioterapia e quimioterapia até finalmente receber a confirmação de remissão da doença.  Celebrando a lenda viva da MPB, o Persona canta, com muita alegria e respeito “quero mais saúde!”, e se despede do tumor nomeado de “Jair” como uma profecia para outubro de 2022.

Para melhorar a celebração pela cura de Rita Lee, foi divulgado que a artista está escrevendo um livro sobre o período em que conviveu com a doença (Foto: Rita Lee)

Na avenida de um ano atípico que celebrou o Carnaval depois da Páscoa, algumas das referências musicais não poderiam passar despercebidas. O trono vazio da Mocidade Independente de Padre Miguel foi uma forma de homenagear a eterna Elza Soares no lugar onde a cantora desfilou pela última vez, em 2020. Aquele assento simbólico nos trouxe duas grandes certezas: a Voz do Milênio é insubstituível e estará sempre presente em todos os ramos da Cultura nacional. 

Ao lado de Elza no hall das imortais brasileiras, não podemos deixar de mencionar o centenário de Dona Ivone Lara. Aqui, a comemoração ao legado da primeira mulher a compor um samba-enredo no Brasil conseguiu ser ainda mais especial: por desejo assertivo do destino, a celebração da memória da sambista revolucionária nascida em 13 de abril de 1922 foi, mais uma vez, sucedida pela magnitude do carnaval

Lá, o nome de Dalva de Oliveira brilhou. Homenageando Arlindo Rodrigues, carnavalesco responsável por levar a escola ao primeiro de seus oito campeonatos, a Imperatriz abriu os desfiles do Grupo Especial do Rio sob o samba-enredo Meninos, Eu Vivi… Onde Canta O Sabiá, Onde Cantam Dalva E Lamartine, do compositor Gabriel Mello. Além de estar vivíssima nos versos “sonhei com Dalva e fui morar com Deus”, a artista também marcou presença na interpretação da atriz paranaense Lana Rhodes, honrada em representar a Rainha da Voz em plena comissão de frente. 

“Sonhei com Dalva e fui morar com Deus” (Foto: Nelson Malfacini)

Fora do Brasil, também rolou o equivalente ao nosso ‘bolo e guaraná’, com a celebração do trabalho de Laurie Anderson através dos 40 anos de Big Science. De forma a transcender a si mesma, a Música de uma das musas e mães do Alternativo parece situar-se em um tempo e espaço nunca vivido, se não até mesmo extraterrestre às concepções que temos de humanidade e arte como um todo. Em abril de 1982, a proposta da artista, que até então se dedicava à pintura e à performance (junto de sua amiga de longa data Marina Abramovic), abriu-se na música O Superman, atingindo o topo das paradas britânicas com uma maneira própria de fazer música pop

Construindo suas canções a partir do ato de contar histórias, suas composições assemelham-se a fusões de contos de fadas com um misticismo quase xamânico. Suas performances, que envolvem a corporalidade e as constantes dicotomias do biológico e tecnológico, reafirmaram o espaço do artista enquanto um generalista da expressão, numa constante contemporaneidade que se mostra até em suas reinvenções atuais, como no remix feito por Arca em janeiro de 2022.

As boas notícias também se colocaram no presente com direção ao futuro. Em 2022, a cidade de São Paulo vai receber a primeira edição do Primavera Sound, que preparou um line up dos sonhos para a sua grandiosa estreia em solo brasileiro. Se quiser conferir os shows de Björk, Arctic Monkeys, Beach House, Gal Gosta, Interpol, Mitski, Lorde, Travis Scott, Arca, Charli XCX, Phoebe Bridgers, Caroline Polachek, MC Dricka e muito – mas muito – mais entre os dias 31 de outubro e 6 de novembro, se prepare para o investimento e corra para garantir os seus ingressos, disponíveis com um preço não tão amigo para o Brasil de Bolsonaro e esgotando desde o dia 26 de abril. 

Nesse cenário complexo para a manifestação e promoção da nossa própria Arte e Cultura, os artistas brasileiros têm almejado e conquistado os palcos internacionais, com destaque para o maior festival de Música do mundo. No Coachella 2022, Anitta brilhou com um dos melhores shows da edição, com direito a palco principal, cenografia da Disneylândia, MPB e convidados como Snoop Dogg e Saweetie. Esse ano, o deserto californiano recebeu como os nomes principais de seus dois finais de semana Harry Styles, Billie Eilish, The Weeknd e Swedish House Mafia. Mas entre 15 e 24 de abril, nossa Pabllo Vittar fez história como a primeira drag queen a se apresentar no festival, consagrando seu lugar dentre as melhores performances do ano ao lado de Rina Sawayama, Wallows, Phoebe Bridgers, Conan Gray, girl in red e Emo Nite, só para citar alguns destaques além dos headliners.

Depois de entregar tudo no palco e terminar seu show completamente ovacionada e emocionada, ela arrancou elogios até de Mama Ru, que se manifestou em favor de Pabllo depois de polêmicas rivalizando as drags nas redes sociais (Foto: Coachella)

O assunto festival também rendeu para Miley Cyrus, que aproveitou o buzz da sua turnê pela América Latina para anunciar um disco ao vivo logo no fim de seu show no Lollapalooza São Paulo. ATTENTION: MILEY LIVE foi majoritariamente gravado durante o Super Bowl Fest Concert, trazendo uma setlist feita para agradar os fãs da artista, com duas faixas inéditas e uma série de covers e medleys que já se tornaram clássicos em seu timbre rebelde.

Assim como sua colega, Anitta usou a repercussão do festival ao seu favor. Depois de dominar o Autódromo de Interlagos com Cyrus no dia 26 de março e atrair a atenção do Coachella nos dias 15 e 22 de abril, ela emplacou o lançamento de Versions of Me. Como o aguardado oitavo trabalho da carreira da estrela pop brasileira, o disco definitivamente  estabelece seu vínculo com o cenário internacional

Em 15 faixas que misturam influências do pop, R&B e funk com letras em português, inglês e espanhol, Anitta traz uma mistura das suas fases já exploradas. Chencho Corleone, Khalid e YG são algumas das participações presentes no disco, que como o esperado, soa mais uma playlist. Mas o triunfo de Versions of Me é outro: com sua ousadia e pioneirismo, Anitta transforma a indústria em um jogo e faz de suas músicas uma grande comemoração de vitória.

Agora, a brasileira se aloca nos lançamentos do pop internacional, onde esse mês esteve acompanhando os discos de Labrinth, Let’s Eat Grandma, Alec Benjamin e Camila Cabello. Começando pelo álbum dedicado à trilha sonora original da segunda temporada de Euphoria, se a condução de Sam Levinson no novo ano da série da HBO tem suas dúvidas, a liderança de Labrinth no âmbito musical segue inerrante. Em 24 faixas que permeiam o pop, o rap, a eletrônica e o gospel, com a presença de Zendaya, Dominic Fike e Angus Cloud, o CD entrega o complemento sensível na atmosfera caótica de Euphoria, sem deixar de acompanhar o desenvolvimento dramático dos personagens.

Ao lado da trilha do drama adolescente que conquistou a nata da TV, Alec Benjamin se coloca também para falar sobre amadurecimento. (Un)Commentary é o terceiro álbum da carreira do artista estadunidense, sendo o segundo gravado em estúdio. Nas composições, são encontradas parcerias com o vencedor do Grammy Dan Wilson, e com Charlie Puth, e nas avaliações, surgem muitos elogios da crítica. Poético entre esperança e desilusão, Alec Benjamin estabelece sua marca em canções suaves e cativantes, cuja coletânea foi definida pelo cantor como: “uma versão mais madura de si mesmo.

Para as pistas de dança, quem trouxe material foi Let’s Eat Grandma. O duo de synth-pop do Reino Unido retorna com um disco enxuto que brinda o público com a chance de se extravasar, não importam as dores carregadas nas costas. Em Two Ribbons, a dupla retrata as fissuras de sua amizade, pela primeira vez escrevendo e compondo as canções de forma individual.

No meio termo entre a celebração externa e a reflexão interna, está Familia de Camila Cabello. Em seu terceiro álbum de estúdio solo, a cantora arrancou elogios da crítica se entregando às suas origens e apresentando fortes influências de ritmos do pop latino. São 12 canções em que a cubana explora uma mistura de espanhol e inglês com marcas clássicas do pop estadunidense – talvez mérito de suas colaborações com Willow Smith, Ed Sheeran e a cantora argentina Maria Becerra.

E não tem como falar de pista de dança sem ela: Kylie Minogue chegou em abril com Infine Disco, o registro ao vivo de alguns shows realizados com o seu décimo quinto álbum, Disco (Foto: Kylie Minogue)

O cenário do pop, como de costume, foi mais agitado nos singles, sendo o maior destaque da vez para a dupla Harry Styles e Lizzo. Iniciando sua terceira era, o mais bem-sucedido ex-One Direction lançou o single As It Was no primeiro dia do mês. Para começar a promoção do álbum seguinte a Fine Line, Styles apostou alto em um ritmo viciante e uma letra levemente melancólica, que encontra vazão no clipe dirigido pela ucraniana Tanu Muino e coreografado pelo francês Yoann Bourgeois.  

Como primeiro ato do disco intitulado Harry’s House, o cantor apresentou uma estética mais alternativa, embora ainda pop, e conseguiu novamente conquistar o público: As It Was bateu o recorde de maior número de streams em 24 horas para um artista masculino, e ficou três semanas na lista da Hot 100 (ocupando o primeiro lugar em duas delas). Mas do outro lado, a bff de Harry – com direito até a participação especial no seu segundo show no Coachella – não atingiu as mesmas expectativas comerciais com o lançamento da vez.

Três anos após o devidamente louvado Cuz I Love You, finalmente temos nome e data de nascimento prevista para o novo álbum de Lizzo. Special deve chegar aos nossos ouvidos no dia 15 de julho, agora oficialmente apresentado através de About Damn Time. Enquanto reafirma o discurso de auto aceitação frequentemente explorado pela artista, o single chegou prometendo novos sucessos carregados de influências do soul, desta vez com experimentações mais ousadas – o que não agrada muito as paradas que ela conheceu em 2018.

De maneira similar, Chlöe chegou em seu novo single. Desde que finalizou sua era bem-sucedida ao lado de sua irmã e dupla musical, Halle Bailey, com Ungodly Hour, a cantora vem investindo em sua carreira solo. A bola da vez é Treat Me, que sucede Have Mercy mantendo a estética sensual e poderosa e discursando sobre amor próprio – elementos que constituem sua assinatura oficial e definitiva. A canção é, provavelmente, parte de seu primeiro álbum, anunciando como já foi finalizado mas ainda sem data de lançamento. 

Em outras duas menções de nomes queridinhos do pop, Shawn Mendes usou o hall dos lançamentos musicais de abril para desabafar sobre as dores de um término em When You’re Gone e 5 Seconds Of Summer reflete – dois dias antes de embarcar em turnê – sobre as mudanças da vida e da banda com o eu-lírico de Take My Hand. Já nem tão querida assim, Noah Cyrus apresentou I Burned LA Down, a primeira música de seu álbum de estreia, The Hardest Part, que será lançado em julho. 

De acordo com a cantora, a composição foi escrita durante os incêndios florestais que tomaram a Califórnia em 2021, estabelecendo um vínculo entre as emoções de um término de relacionamento e a força das mudanças climáticas. Precedido pelas polêmicas que envolvem a caçula dos Cyrus, o lançamento cria expectativas de que o álbum traga uma era dramática e explosiva.

Destaque absoluto do pop atual, o indicado ao Grammy de Artista Revelação The Kid LAROI apareceu em abril com Thousand Miles, música formada pronta para bombar na rede social das dancinhas com direito a shade para o seu ex-empresário, o polêmico Scooter Braun (Foto: The Kid LAROI)

A maior novidade do pop, no entanto, é que o gênero recebe uma migração. Do punk para cá, WILLOW prova mais uma vez que sabe trabalhar em equipe como ninguém e aparece em duas parcerias do mês. Primeiro, PURGE aproveita as influências do rock e do metal radicalmente aplicadas em lately I feel EVERYTHING para uma colaboração com Siickbrain, agora apresentando a estética da artista com faces futuristas que compõem uma atmosfera noturna e distopicamente fascinante.

Já ao lado de PinkPantheress, a caçula dos Smith é movida pela ambição de construção de uma nova nostalgia – tá feliz, Dua Lipa? –.  Em Where you are, a dupla extravasa uma emoção coletiva e extratemporal, convergindo os perfis musicais das artistas, baseados na reinvenção de gêneros como o garage, o punk rock e o pop, com a produção mestra de Skrillex e Mura Masa. Os vocais sempre delicados da musa do TikTok são logo cortados pelas entoações quase que guturais da nova diva do rock, estabelecendo um contraste que, surpreendentemente, consegue ser um espaço de conforto e emoção.

Mas foi essa mesma referência ao passado que vitimou mxmtoon. Para preparar o lançamento de seu novo disco, Rising, a artista viajou pelas narrativas de amadurecimento no single victim of nostalgia, onde ela suplica por tempo e sabedoria. As lembranças também perturbaram Conan Gray em Memories, o lead single do próximo álbum do artista, intitulado Superache. Na canção, ele abraça as ruínas de um relacionamento, revelando o seu amadurecimento sem deixar para trás o que há de marcante em sua Música, que promete uma identidade ainda mais visceral do que a apresentada em Kid Krow.

Vem fazer música com a WILLOW você também, vem! (Foto: Christine Kim)

Entre os tantos desejos do pop em abril, também houve espaço para Justin Bieber vislumbrar seu próximo conceito a ser perseguido na era pós-Justice. Pelo visto, a palavra da vez é honestidade, como sugere seu novo single do hitmaker feito em parceria com Don Oliver. Já do lado mais alternativo, Florence + the Machine pediram por liberdade às vésperas do lançamento de seu novo disco, Fever Dream. Dessa vez, o ator Bill Nighy foi convidado para dar vida à personificação da ansiedade da frontwoman em Free, enfim aceitando-a no belo clipe dirigido por Autumn de Wilde.

Por outro lado, o mundinho alt pop esbanja energia. A principal representante disso é Ava Max, que se joga em batidas oitentistas e dá nítidos sinais de amadurecimento artístico em Maybe You’re The Problem. Ela até flerta com o universo gamer no vídeo assinado por Joseph Kahn – nome por trás de clipes clássicos do pop como Toxic, de Britney Spears, e Look What You Made Me Do, de Taylor Swift. A protegida de Charli XCX por sua vez, traz instrumentações construídas na influência do melhor que o synthpop pode trazer para revelar uma declaração de amor. Ela acontece nos moldes de uma paixão típica da música pop que, sem pretensões de sucesso interestelar, é movida apenas pelo sentimento de descontração e liberdade da emoção de ELIO.

Para o bem e para o mal, o amor também sempre está relacionado com o trabalho de Troye Sivan. Agora, o príncipe australiano lançou a versão acústica do single Angel Baby, provável carro-chefe do vindouro terceiro registro de estúdio. Já Trixie Mattel vai por outra direção em C’mon Loretta. Em antecipação para seu novo álbum de estúdio, a drag queen apresenta uma canção que mescla country e pop e se inspira na vida da estrela Loretta Lynn, referência do gênero e uma das musas da vencedora de Drag Race.

Nos clipes do mês, o pop alternativo seguiu dando o seu nome. A começar por Charli XCX, que trouxe mais uma das experimentações da era CRASH para o visual de Used to Know Me. Com inúmeros looks e cenários, a direção de Alex Lill, que já esteve também presente em vídeos de The Weeknd e BTS, é tudo o que a britânica necessita para compor seu universo açucarado de pop star comercial ao mesmo tempo em que confirma: realmente, é impossível prever seus próximos passos. 

A sua conterrânea FKA twigs também segue com a proposta de CAPRISONGS na hora de criar os produtos audiovisuais da era, acompanhando integralmente o sentimento das canções da mixtape. Assim, os chamados ‘caprivids’ não passam de rápidos lapsos da visão de twigs sobre amor, sexo, vida urbana e, principalmente, sobre o estar e sentir-se bem. E assim é papi bones: intercalado por vertigens do ballroom, o clipe mostra twigs e Shygirl transitando em uma Londres presa entre a sensualidade e a espontaneidade que anuncia as referências da dance music presentes na canção.

E não tem como falar de alt pop sem citar a princesa dele, ROSALÍA. O clipe da faixa homônima do mais novo álbum da espanhola consegue ser o produto que mais sintetiza as pretensões de MOTOMAMI – sendo também o vídeo mais esperado pelo público, principalmente por ter sido usado como teaser para o anúncio do disco. Utilizando-se do simbolismo das borboletas, presente em quase todo o projeto, e do contraste dos takes e colorações, o clipe é resultado das inúmeras tensões que cercam o mundo da artista – exatamente como ela disse que MOTOMAMI seria.

Para completar, a mais nova dupla do pop alternativo completou sua colaboração – e não, não estamos falando delas juntinhas no palco do Coachella. No vídeo de Follow Me, Pabllo Vittar e Rina Sawayama assumem a passarela como as divas que são. E para somar ao time dos meninos, The Weeknd lançou o clipe de Out of Time, que dá continuidade à busca de Abel pela sua tão desejada luz no fim do túnel. Apesar de ainda ser fiel a narrativa criada para o álbum Dawn FM, o vídeo que acompanha essa balada é bem menos turbulento do que os outros dessa nova era.

O pop nacional agora divide Anitta com o resto do mundo, mas isso não quer dizer que o gênero esteja menos frequentado. O que não falta, na verdade, são nomes promissores, a exemplo de Jade Baraldo. Depois de passear pelos versos icônicos do hit internacional Believe, da deusa-veterana do pop, Cher, a semifinalista do The Voice Brasil ressurgiu extremamente sincera e intensa na sonoridade viciante de Desapaixonar. Atualizada nas tendências, a faixa ainda veio acompanhada de um lo-fi remix, além de um visualizer sensual e intimista. 

Os veteranos não ficaram para trás. Rody Martinez, recorrente parceiro de Gretchen, embarca em mais uma jornada solo com o single – e quase EP, já que possui duas vinhetasFlashback. Misturando sons das décadas de 1980 e 1990 com os da atualidade, o artista finalmente disponibilizou o material criado “no auge da pandemia, que recebe outras dimensões com um videoclipe muito interessante. Já o duo OUTROEU prepara o seu novo álbum com ninguém mais ninguém menos que Lulu Santos através do single Praia. E Chico César, sempre uma parceria requisitada nas produções nacionais, esteve com Felipe Cordeiro para unir os sons das regiões Norte e Nordeste do Brasil na eletrizante De Amor, Amor.

Para o campo dos discos, o destaque foi Canicule Sauvage, sétimo registro de estúdio de Otto que finalmente está entre nós. O novo álbum do pernambucano é influenciado pela obra de Serge Gainsbourg, nome influente da música popular francesa, e aposta na experimentação, reunindo participações de nomes como Tulipa Ruiz, Nina Miranda e Ana Cañas. O toque final do novo disco vem de uma lembrança do início da carreira de Otto, que traz de volta a assinatura de Apollo Nove, seu primeiro produtor.

Sempre entre o passado e o presente, a MPB tem, mais uma vez, a compreensão única de Rodrigo Alarcon. Para lançar um de seus trabalhos mais consistentes até o momento, o artista flerta com as criações mais tradicionais do gênero ao mesmo tempo em que brinca com os sons atualíssimos que vêm surgindo no Brasil. Assim, nasce Rivo III e a Fé, que além de conter os seus singles mais recentes (Rivotril e a Fé e Garota da Linha Azul), pode ser classificado como um álbum visual, já que os clipes de todas as faixas formam, juntos, um filme dividido em 10 capítulos. Elaborado de maneira muito talentosa, Rivo III e a Fé nos deixa com a forte sensação de que Alarcon ainda contribuirá bastante com as novas vertentes da Música brasileira.

Novidade é o que não falta, entretanto, algumas são mais surpreendentes que outras. É o caso de Alexandre Nero, que agora sai das telinhas para se aventurar pelo universo musical com seu primeiro disco, Quarto, Suítes, Alguns Cômodos e Outros Nem Tanto. O trabalho é surpreendente desde o princípio, já que a faixa de abertura, Virulência, tem Aldir Blanc envolvido nos bastidores – e a canção esteve presente no disco Aldir Blanc Inédito, lançado em Setembro de 2021. Assim, a nova obra do ator deve chamar a atenção principalmente por conta das participações nas interpretações. Cantando ao lado de Milton Nascimento e Elza Soares, Nero conquista um privilégio que se destaca logo de cara, antes mesmo de termos contato com essas duas colaborações sonoras.

Dentre os materiais novos, também há de se destacar Grito, de Manuela Rodrigues. Assumindo a função de instrumentista, relembrando o período em que foi vítima da Paralisia de Bell e reunindo cinco composições autorais, a cantora e compositora baiana retorna ao mercado fonográfico com um EP instigante. Fruto, em grande parte, de um mestrado profissional em música feito entre 2017 e 2018, o novo trabalho de Rodrigues se distancia de sua persona costumeiramente solar e alegre para revelar o “outro lado” que existe em todos nós. 

A mesma impressão promissora se aplica a Leila Maria – destaque da primeira edição do The Voice+, transmitida nacionalmente em 2021 –, que se evidencia entre os lançamentos de álbuns de MPB do mês de abril. Disponibilizado na última sexta-feira do mês, Ubuntu traz novas nuances para as composições de Djavan, mergulhando também em elementos fascinantes de culturas africanas. Colaborando com artistas desse continente tão diverso e artisticamente rico – como o maestro maliano Ahmed Fofana, que já trabalhou com nomes como Björk -, Leila constrói caminhos encantadores e instantaneamente admiráveis. Além disso, em pleno desfecho do álbum, a cantora ainda firma laços com ninguém menos que Maria Bethânia.  

Para quem se interessa por documentos históricos da MPB – mais especificamente, do Pessoal do Ceará –, o disco Sarau Vox 72, de Ednardo, é uma imersão obrigatória. Compilando raridades da Música brasileira, originalmente registradas em fita cassete, a obra foi gravada em uma sala comercial do Edifício Parente, localizada acima da loja de discos Vox, no centro de Fortaleza (CE). E se o assunto é história, Rico Ayade aparece certeiro com sua versão de Negue, canção imortalizada na voz de Maria Bethânia que ganha dimensões LGBTQIA+ na repaginação do multiartista baiano. Essa nova perspectiva aparece principalmente no videoclipe, que foi elaborado em plano-sequência e exibe cenas de tirar o fôlego, gravadas entre o próprio Ayade e Barroso.

Ainda no retrospecto da Música Popular Brasileira, Fafá de Belém celebrou os 81 anos de Roberto Carlos com um single duplo, formado por duas composições da bem-sucedida dupla Roberto e Erasmo: O Portão e Ilegal, Imortal ou Engorda. Acompanhada pelo piano de Jonas Dantas, Fafá consegue reforçar – mais uma vez – a admiração que nutre pelo amigo e parceiro musical de longa data, que ainda recebe o popular título de Rei no cenário heterogêneo da Música brasileira. 

A veterana Claudya não ficou de fora da onda de regravações de abril. Preparando território para o álbum A Nossa Bossa Sempre Jovem, a mãe de Graziela Medori lançou o single Aquele Beijo Que Te Dei, composição de Edson Ribeiro que ficou conhecida nacionalmente na voz de Roberto Carlos. Acompanhada de um videoclipe simples, em preto e branco, a canção é a primeira amostra do trabalho que pretendetransformar em bossa as canções da Jovem Guarda

Por falar em bossa, Diogo Nogueira e Hamilton de Holanda resgataram o projeto Bossa Negra (2014) por meio do single Fim do Horizonte, cuja composição é dos próprios intérpretes junto de Marcos Portinari e Seu Jorge. Enquanto isso, Carlinhos Brown registra em sua voz pela primeira vez a canção Na Estrada, composição que divide com Marisa Monte e Nando Reis, popularizada pela cantora em 1994. Apresentada em versão inédita, agora em espanhol, a faixa é dividida com a cantora, compositora e atriz colombiana Juliana.

Para acalmar a espera pelo seu novo álbum, Madu traz uma regravação de Céu de Santo Amaro, música de Flávio Venturini que também resgata o compositor clássico Johann Sebastian Bach, além de já ter sido cantada por nomes como Maria Bethânia e Caetano Veloso (Foto: Madu)

Seguindo o movimento atual da MPB, Hyldon também olhou para trás a fim de vislumbrar o que existe na sua frente. Celebrando colaborações importantes feitas ao longo da carreira, principalmente no ramo da composição, o cantor e compositor baiano pode até não trazer muitas gravações e regravações inéditas em Parceiros, tendo em vista que quase todo o repertório do disco foi disponibilizado por meio de singles nos últimos tempos. No entanto, a reunião de nomes como Tim Maia, Mano Brown, Caetano Veloso, Arnaldo Antunes e Céu em uma mesma tracklist certamente comprova a relevância desse novo trabalho. Seja como for, a parceria firmada com Nando Reis, Chuva e Saliva, é o grande material inédito do álbum, para a alegria de quem é ávido por novidades.

Esses também serão satisfeitos por Alceu Valença. Dando sequência aos trabalhos gerados durante a pandemia, o veterano da Música Popular Brasileira lançou o disco Alceu Valença e Paulo Rafael, que sucede a trilogia Sem Pensar No Amanhã, Saudade e Senhora Estrada, lançada inteiramente em 2021. Além de trazer na capa uma xilogravura até então inédita do artista pernambucano J. Borges, o novo álbum de Valença reúne regravações de músicas já conhecidas – tais como Girassol e o hino Anunciação -, dando também espaço para uma canção inédita, a encantadora Fada Lusitana. Mas o maior destaque do disco se encontra, com toda certeza, na presença eterna de Paulo Rafael, parceiro musical de longa data do cantor pernambucano que faleceu no ano passado.

Os baús de Tom Zé também foram remexidos. De lá, surgiu Os Clarins da Coragem, canção finalizada há cerca de quatro anos que seria lançada em outro disco, mas mudou de percurso e chega finalmente ao mercado fonográfico como primeira amostra do álbum Língua Brasileira. Misturando português com expressões do tupi-guarani e termos relacionados à Inconfidência Mineira, o single foi disponibilizado nas plataformas de streaming exatamente na data que marca a chegada das embarcações portuguesas ao Brasil. Assim, a faixa ainda provoca a curiosidade acerca do novo disco, previsto para o primeiro semestre de 2022 com a promessa de discutir o conceito de brasilidade e a formação das identidades nacionais.

E para quem busca algo ainda mais inovador nos ares da música nacional, o trabalho dos Devotos: em Punk Reggae, o trio explora a tranquilidade do novo gênero sem abandonar a rebeldia do estilo que marcou a sua carreira, trazendo colaborações com Criolo, Isaar e Chico César (Foto: Neilton)

Inventiva que só, Iara Rennó começou a apresentação de um projeto fonográfico que está em preparação há 13 anos, cujo lançamento será dividido entre 2022 e 2023, por meio de dois discos. O marco inicial é a canção Babá Ori, que para oficializar a primeira amostra do álbum Oriki, ultrapassa seis minutos de duração e traz a colaboração com a cantora e atriz Thalma de Freitas. Para encerrar o mês, a multiartista ainda saudou o orixá Oxóssi ao lado do seu grande parceiro musical, Curumin. Sendo o segundo single do álbum em questão, Uma Flecha (Òkè Aró) também opta por uma longa duração – tendo pouco mais de cinco minutos – e apresenta uma composição igualmente baseada em textos preexistentes.

Também em dose dupla, o abril de Chico Lobo primeiro deu sequência aos lançamentos do álbum ainda inédito O Tempo é Seu Irmão. Primeiro, homenageando o povo nordestino, ela afirma Indagorinha é uma letra que o artista compartilha com o compositor e poeta Carlos Di Jaguarão. A interpretação, por sua vez, é dividida com Sérgio Andrade, membro da Banda de Pau e Corda – veterana criada em 1972. Não deixando o público sem material inédito, Lobo ainda dividiu o single Lua e Sol com a cantora Tetê Espíndola, de quem é fã confesso. Transitando entre as nuances do dia e da noite, a dupla dá vida a um trabalho que é pura poesia. 

Para quem está de coração partido, Alaíde Costa serve Tristonho, canção realizada em colaboração com Nando Reis que traz excelentes primeiros passos rumo ao ainda inédito álbum O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim (Foto: Samba Rock Discos)

Uma das maiores responsabilidades do mês ficou aos cuidados do talentoso Nobat. Ao lado do carioca BNegão, o cantor e compositor mineiro foi quem resgatou o canto imortal de Elza Soares ao lançar o single Me Deixa Sambar, parceria inédita entre os três artistas. Preparando território para o vindouro álbum MESTIÇO, Nobat assina letra e música do lançamento, e também presenteia o mundo com os versos “A vida aconteceu/e a gente nem se conheceu” – trecho que, na voz da Mulher do Fim do Mundo, chega a ser até mesmo doloroso, devido à recente morte da cantora.

A sua presença, no entanto, ainda é sentida em meio a música nacional – exatamente como deve ser pelo tempo em que nossas canções ecoarem pelo nosso país. Em sua terceira aparição dentre os lançamentos de abril, o nome da Rainha aparece aqui pela última vez com Meu Guri. Canção já apresentada nos álbuns Trajetória, Beba-Me Ao Vivo e Elza Soares & João de Aquino, agora retorna à discografia da Voz do Milênio em gravação feita no Salão Nobre do Theatro Municipal de São Paulo, apenas dois dias antes da sua morte. Com toda a sua habilidade em adaptar-se à realidade artística de cada momento, Elza consegue atribuir novas nuances à composição de Chico Buarque ao lado do pianista Fábio Leandro, utilizando os sentimentos para desviar magistralmente de possíveis limitações técnicas da idade numa interpretação que é, sobretudo, revestida de emoção.

Para animar um pouco os ares, Gigante César e Maria Alcina se encontram com os foliões apaixonados por Carnaval em Língua Lôka. A canção é extremamente calorosa e atenta aos sons da atualidade: basta perceber – e aproveitar – a animada mistura de instrumentos tradicionais com uma sonoridade explicitamente eletrônica em pouco mais de quatro minutos de faixa. “Ela chupa fruta, lambe picolé/É trans, bicha, homem e mulher”, canta Maria Alcina, reafirmando a deliciosa irreverência que permeia sua carreira acompanhada do imperdível videoclipe da canção.

Falando em folia, Emílio Dantas se uniu a Helton Alves para comemorar os 40 anos de Barão Vermelho com uma uma regravação de Bete Balanço, sucesso da banda brasileira. Transportando a música de 1984 para o atual universo carnavalesco, e acrescentando nela alguns toques de funk, o single de 2022 dá continuidade a uma recente tradição do grupo festivo: transformar as canções de Cazuza em obras com abordagens foliãs.

O nome da estrela do rock nacional foi lembrado em mais um lançamento de abril. Afinal, mais de 30 anos se passaram desde o lançamento do álbum O Tempo Não Para – Cazuza Ao Vivo, e agora, finalmente podemos ouvir na íntegra o show gravado por Caju no Canecão, Rio de Janeiro, em 1988. Disponibilizado nas plataformas de streaming no dia 4 de abril, data em que Cazuza completaria 64 anos, O Tempo Não Para – O Show Completo (Ao Vivo) resgata as sete faixas que, por critério artístico e falta de espaço no LP, ficaram de fora da primeira versão do disco. 

Além das canções extra, a nova edição do trabalho ao vivo de Agenor traz takes alternativos de músicas já apresentadas no lançamento original, acompanhados de pequenos discursos do cantor e compositor brasileiro – fora a nova mixagem dos áudios, feita por Walter Costa, e uma remasterização assinada por Ricardo Garcia. Na ordem exata do repertório apresentado no show, o destaque é a faixa Blues Da Piedade, que recebeu um videoclipe oficial construído principalmente com fotografias de Cazuza se apresentando ao vivo. 

Pois é, Caju… o tempo não para (Foto: Universal Music Ltda)

Então, é hora de amplificar as guitarras: o Red Hot Chili Peppers ressurgiu com Unlimited Love, álbum que marca o retorno triunfal de John Frusciante. Com 17 músicas distribuídas em 73 minutos de duração, o disco deixa claro, através dos solos de guitarra, que este álbum pertence a Frusciante, misturando elementos eletrônicos com sons orgânicos. Um dia antes do lançamento do disco, a banda recebeu uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood

E falando em veteranos do gênero, lendas do grunge se juntaram para dar vida ao projeto 3rd Secret, cujo disco homônimo marca a estreia do grupo, composto por Krist Novoselic, ex-baixista do Nirvana, Matt Cameron (baterista do Pearl Jam e do Soundgarden), Kim Thayil (guitarrista do Soundgarden), Jon “Bubba” Dupree, Jennifer Johnson e Jillian Raye (vocalista do Giants In The Trees, projeto que compõe junto a Novoselic). 

Todavia, diferente do que se possa imaginar, o disco não é uma tentativa dos veteranos de alcançar o topo novamente – isso se reflete na ausência de qualquer publicidade acerca do disco, reivindicando os ideais que nortearam as origens do grunge como movimento –, mas sim um reflexo de uma roda de conversa entre amigos, relembrando os velhos tempos de estrada. As canções refletem sobre o amor, perdas e vingança, e o resultado é um disco moderado, bem longe daquilo que o grunge sempre foi: barulhento, em todos os sentidos.

Sob o aspecto de sons moderados e explosivos na medida certa, os irlandeses da Fontaines D.C. chegaram com Skinty Fia, terceiro álbum da carreira. No novo trabalho do grupo pós-punk, há o detalhamento da sensação de viver em uma terra semelhante à de origem, mas cujas dificuldades residem nos detalhes, prevalecendo divagações sobre a condição de expatriados irlandeses, falando a mesma língua da cultura dominante da Inglaterra – os integrantes da banda se mudaram para Londres em 2019 –, porém sendo instantaneamente identificados e subjugados a categoria de “estrangeiros” no momento em que seus sotaques são revelados.

O título da obra deriva de um insulto irlandês arcano, que se traduz como “condenação do cervo” – que, para os propósitos de Fontaines, funciona como uma metáfora vívida de mutação e degradação cultural. Skinty Fia é um disco sobre ambientar um lugar que se transveste de lar, mas que no fundo reafirma sua distância. Esse sentimento de indefinição perpassa o álbum, e permite que o quinteto explore diferentes formatos nas canções, se reinventando faixa a faixa.

Em Skinty Fia, Fontaines D.C. apresenta seu álbum mais ambicioso e polifônico até aqui (Foto: Filmawi)

Como reflexo, os paralelos entre Dublin – cidade em que a banda se formou em 2017 – e Londres transcorrem todo o CD, refletindo em uma cidade de origem idealizada e num destino assombrado. A canção Bloomsday, por exemplo, faz referência ao homônimo feriado irlandês no qual se comemora o livro Ulysses, de James Joyce, cujo nome faz referência ao personagem Leopold Bloom. Na canção final do disco, Nabokov, as referências são menos claras, mas ainda assim presentes: o escritor Vladimir Nabokov foi um russo que fez carreira nos Estados Unidos, escrevendo magistralmente em inglês. É, portanto, dono de uma obra composta por um expatriado, tal qual Fontaines D.C. faz em Skinty Fia.

Abrindo a porta do “gizzverso”, os hiper-prolíficos King Gizzard & The Lizard Wizard divulgaram Omnium Gatherum, seu 20º disco de estúdio e o primeiro álbum duplo. Ao longo de 80 minutos, o disco expansivo mistura as influências do grupo, como o garage rock, o rock psicodélico e o rock progressivo. O trabalho funciona como a trilha sonora de um sonho, e por essa razão há diversas extrapolações dentro do Rock, pois um único gênero não poderia abarcar toda a complexidade e fragmentação onírica, dando origem a diversas experimentações musicais, do heavy metal ao indie mais melódico.

Já com Wet Leg, grupo britânico de indie rock liderado por Rhian Teasdale e Hester Chambers – que estreiam com seu álbum autointitulado –, não há limitação em referenciar todo pedaço de Arte da terra da Rainha de maneira arbitrária e pontiaguda. Na verdade, as cantoras buscam subterfúgio em suas inspirações, mas triunfam na confecção de um microverso muito autoral e muito próprio. 

O deboche vira regra na composição, ao passo que o escrutínio e o ar despojado dominam os vocais. Elas cantam sobre sexo, sobre amor, sobre namorados ruins e pais caretas, sem espaço para frear entre temas cabeludos e bem-humorados. Em tempos de reconstrução de ambientes sonoros e de criação de mundos diversos, as novatas do Wet Leg manipulam sua realidade, dando luz e espaço para o caos arquitetado e carismático do fim do mundo na idade dos vinte e poucos anos.

Com seu disco de estreia, Wet Leg apontou para os novos caminhos que o indie rock pode seguir (Foto: Domino Recording)

Thom Yorke, incapaz de parar de trabalhar – como ele próprio revelou em entrevista –, chegou em dose dupla (ou tripla) em abril: assinou três canções autorais, sendo duas com seu novo projeto The Smile, o qual compõe com Jonny Greenwood e Tom Skinner. That’s How Horses Are, canção de 2 minutos e 23 segundos, que faz parte da trilha sonora composta pelo britânico para a nova temporada de Peaky Blinders, é uma faixa instrumental, cujo piano e os sintetizadores se cruzam para criar uma atmosfera melancólica, trazendo referências de Sigur Rós e Brian Eno. Já Free In The Knowledge e Pana-vision – que também deve entrar na trilha do seriado inglês – foram as duas novas canções divulgadas para promover A Light For Attracting Attention, disco novo do trio o qual Yorke faz parte, lançado no dia 13 de Maio.

Na energia emanada pelo Primavera Sound, Interpol lançou duas novas canções, Toni e Something Changed, que possuem clipes complementares (parte 1 e parte 2), dirigidos por Van Alpert. Os estadunidenses anunciaram um novo álbum para o dia 15 de julho, The Other Side of Make-Believe, e acompanharão os Arctic Monkeys nos shows avulsos no Brasil, inclusive integrando o line up do Festival que ocorre no Brasil entre o fim de Outubro e começo de Novembro.

Por fim, outro nome que apareceu no anúncio do festival espanhol em solo brasileiro e no meio dos lançamentos de abril foi Father John Misty, de carona em seu quinto disco – o primeiro projeto completo do artista desde God’s Favorite Customer (2018). Com Chloë and the Next 20th Century, o título artístico que existe para apresentar a música de Josh Tillman se aloca confortavelmente no seu rock suave e clássico que traz um toque de folk, criando contos referenciados pela sua cinematografia de sempre.

A paixão pelo rock foi o sentimento que conquistou a crítica em favor do novo disco de Jack White, que chega sob o título de Fear of the Dawn como a primeira parte de um projeto duplo a ser concluído ainda em 2022 (Foto: Third Man Records)

As paisagens aconchegantes formadas por uma musicalidade imaginativa e sentimental são as mesmas qualidades de Lizzy McAlpine, destaque indie desde 2020 pelo seu disco de estreia, Give Me A Minute. Agora, ela vislumbra um acesso mais amplo com five seconds flat, seu segundo disco que traz participações dos indicados ao Grammy Jacob Collier e FINNEAS para vislumbrar diferentes aspectos de um coração quebrado – e não estamos falando apenas de um término de relacionamento. 

Quando o assunto é a sinestesia visual, não tem como não citar a roteirista musical Phoebe Bridgers. Incansável em seus lançamentos mês a mês em 2021, ela descansou até o abril de 2022 para começar seus trabalhos inéditos com Sidelines. A canção é parte da trilha original composta para Conversas entre Amigos, minissérie do Hulu baseada no livro homônimo de Sally Rooney, e parece ser o único material inédito que ouviremos da artista esse ano. 

A linguagem cinematográfica também é a forma de expressão do novo trabalho de Faye Webster. Em sessões acompanhadas de uma orquestra liderada por Trey Pollard, ela produziu um EP de regravações – com exceção da faixa título e de músicas dos outros dois álbuns da artista, que no passado enveredou-se justamente pelo country e pelo folk. Quando une sua típica expressividade ao meio orquestral mágico, a artista fala de suas inseguranças e fragilidades num som que quase parece o tema de um conto de fadas.

Mas nem tudo foi um mar de rosas para o indie de abril de 2022. Mais próximo do fervor do rock, a banda estadunidense Built To Spill trouxe Gonna Lose para anunciar seu novo álbum, When the Wind Forgets Your Name, a ser lançado no dia 9 de setembro. O disco será o primeiro álbum de músicas autorais desde 2015, quando o grupo lançou Untethered Moon

Soccer Mommy também rompe com a sua atmosfera delicada para trazer algo como um nightmare pop no segundo single de seu futuro segundo álbum, Sometimes, Forever. Contando com a produção de Oneohtrix Point Never, que produziu, esse ano, músicas para The Weeknd e Charli XCX, ela não abandona completamente seus toques oníricos, mas investe em um instrumental agressivo para acompanhar sua composição sombria.

O movimento mais recente de MUNA foi na mesma direção, embora um pouco menos surpreendente visto a estética comum da banda. Investindo numa narrativa de empoderamento e amor próprio, o trio indie rock de Los Angeles adiciona Kind Of Girl à seleção de seu futuro terceiro disco autointitulado, que recentemente apresentou Silk Chiffon (uma colaboração eletrizante com a madrinha Phoebe Bridgers).

O álbum novo de BANKS foi lançado e só se falou em outra coisa (Foto: Her Name is Banks, Inc)

Agora para os lançamentos mais barulhentos, o principal destaque foi a rotineira ousadia de 10000 gecs em Doritos & Fritos, o segundo single do seu futuro álbum autointitulado. Ainda construindo uma identidade sonora acerca de um instinto maníaco e questionador das convenções de bom gosto e estética, o duo aventura-se em uma sonoridade muito mais puxada ao nonsense, com riffs de guitarras pós-produzidos eletronicamente. Nessa mesma ambição de superar os padrões do hyperpop, gênero em que 100 gecs fora tão encaixado, reside a escolha de Laura Les de não distorcer seus vocais. Antes fortemente baseados na aguda entonação do autotune, agora a artista reinventa a si mesma ao aceitar sua própria voz, ainda mais sendo uma pessoa trans.

E o que seria da música alternativa sem a voz de Arca? Com o som mágico que é ecoado pelas suas cordas vocais remanescentes de self titled, a multiartista apresenta uma estreante das inúmeras sessões de livestreaming pandêmicas: Cayó. Aproveitando da colaboração de Tim Hecker para a construção de uma sonoridade ambient, a canção partilha de um quê cinematográfico, vinda direto de um filme de mistério ou terror. Finalmente integrada dentro do universo dos kicks, série de álbuns lançada anteriormente pela cantora, a canção também é acompanhada de um vídeo, formado por resquícios de gravações de clipes não lançados e do anúncio do set de vinis do projeto.

Agora, se o assunto é polêmica, o Brasil, mais uma vez, pode se destacar. Abril foi o mês de Valéria Almeida, a impersonator de Selena Gomez viral da internet brasileira, expandir seu público. É que a partir de peças de spoken word sobrepostas a instrumentais que promovem desencontros harmônicos com os vocais, os seguidores da personalidade produziram um disco intitulado Secrets. Sabe-se lá como, a gringa se interessou pelo trabalho e o disco debutou no top 5 da rede social Rate Your Music. O final da história não foi tão promissor quanto o esperado, mas é fato que o projeto de Valéria Almeida conseguiu colocá-la além do estatuto de meme para firmá-la no território do som alternativo brasileiro.

Nas lembranças da instrumentação agressiva de SOPHIE, Vince Staples retorna para seu quinto álbum.Em RAMONA PARK BROKE MY HEART, o rapper se debruça sobre as experiências contrastantes de violência e amor, sob óticas do futuro e passado, criando um mosaico de emoções acerca da sua vida e criação. Na mesma abordagem de self titled, lançado ano passado, ele envolve-se em trajetórias mais íntimas e, musicalmente, minimalistas. As faixas exploram instrumentais muito mais delicados e surreais, próximos a uma atmosfera quase que onírica que é o voltar-se ao passado, mesmo nas canções que se identificam pela sua curta duração, como AYE! (FREE THE HOMIES).

Já no mainstream, o nome segue sendo o de Megan Thee Stallion. Depois de performar Plan B de maneira inédita no Coachella, a rapper lançou oficialmente essa que é uma de suas canções mais ousadas, explícitas e robustas. A faixa é uma diss track que descasca um antigo amante – boatos de que seria o cara que atirou no pé dela e rendeu a poderosa Shots Fired, abertura do disco Good News

Um tanto mais romântico, Jack Harlow dominou as paradas do gênero com seu novo single, First Class, que traz samples de Glamorous, hit de Fergie em 2006 e a participação de Anitta no clipe. No topo da Billboard pela primeira vez como artista solo – já que anteriormente havia alcançado o posto ao lado de Lil Nas X por INDUSTRY BABY, o rapper emplacou o lançamento de seu segundo disco, Come Home the Kids Miss You, previsto para maio de 2022, como ele mesmo cantou: “E eu posso colocar você na primeira classe, lá no céu…”.

Se o que você precisa é um consolo pós-termino, a Rainha dos Fluxos pode te ajudar: Linda Duas Vezes, novo single de Mc Dricka, encara um fim de relacionamento com muita autoestima ao lado da suavidade do trapfunk produzido pelo DJ Perera (Foto: GR6 Explode)

No Brasil, a cena do rap também foi movimentada no último mês. O principal destaque é o trabalho de Rap Plus Size, que aparece com muito vigor nos quase 20 minutos de Revoada. Depois de participar do reality Sobe Junto e marcar presença no Lollapalooza 2022, o duo transita entre rap, trap, brega funk e mandelão para brilhar a presença de nomes como BADSISTA, Mc Xuxú e Doralyce. Liricamente, o EP também vai bem, ecoando mensagens essenciais à diversidade humana, tais como o direito que todo corpo dissidente tem de existir e viver a vida livremente.

O veterano Emicida usou o mês para revisitar seis canções de sua trajetória, formando uma espécie de linha do tempo da carreira no EP autointitulado cujas faixas foram repaginadas pelo produtor Damien Seth. Já caminhando em territórios inéditos, Negra Li misturou rap e pop no cativante single Era Uma Vez Liliane, que encaminha a artista para o seu novo álbum. Inspirada na história de vida da própria artista, a canção vem acompanhada de um clipe para lá de especial. Isso porque os filhos de Liliane de Carvalho, Noah Malik e Sofia Kymani, participam da obra audiovisual.

E antes que você pergunte, Baco Exu do Blues também segue na atividade. Em ação  para comemorar a chegada de The Batman ao canal de streaming HBO Max, a canção Gotham É Aqui introduz uma letra crítica que relaciona a cidade do crime fictícia ao Brasil. Os versos falam de corrupção, criminalidade e injustiça social, trazendo questionamentos sobre os heróis e vilões nacionais que reconstroem com destreza a imagem real de um país em ruínas.

Os ares do R&B, sempre dominados pela dona do gênero mundo afora, ecoou o lançamento de City of Gods (Part II) desta vez junto de alguns rostinhos novos. O principal deles talvez seja Omar Apollo, que aos seus 24 anos, emplaca suas raízes latinas em seu primeiro disco recém-lançado, Ivory. Na companhia dos gigantes Daniel Caesar e Kali Uchis, o novato firma seu nome no estilo que é conhecido por conservar alguns dos melhores músicos do século.

O novo trabalho de Syd busca justamente essas referências. Cinco anos depois de sua estreia solo com Fin, a artista segue sua entrega completa aos seus sentimentos expressos em música nas 13 faixas de Broken Hearts Club, agora explorando a influência da música oitentista de ídolos como Prince e Michael Jackson. Dentre as colaborações, aparecem os nomes de peso de Lucky Daye, Smino e Kehlani – que também teve um disco para chamar de seu entre os lançamentos do mês, nos últimos suspiros de abril.

Para a galera de caubói, as novidades vieram da rainha Miranda Lambert, que finalizou o mês com o lançamento de Palomino. Precedido pelo single If I Was a Cowboy, o nono álbum da lenda country é marcado pela sua produção, realizada ao lado de Luke Dick e Jon Randall, e pela sua composição, que assina 14 das 15 faixas. E ali é que está a maior preciosidade do trabalho que reflete (e às vezes se perde) numa viagem conceitual pela vida norte-americana.

Mas para a galera do Persona, a melhor aquisição do mês foi Bronco. Lançado a conta-gotas, o novo trabalho de Orville Peck chega na íntegra provando que o cantor, ícone gay da música country, fez com clareza e precisão sua passagem do nicho para o popular. O CD marca sua contratação com a Sony Records e é recheado por 15 faixas que somam quase uma hora de rodagem, narrando contos cinematográficos do Velho Oeste.

Assim como fez com Pony, disco anterior que o sacramentou na cena três anos atrás, o artista segue enigmático (sempre com a máscara franjuda ocultando o alter ego humano do ex-cantor de punk), mantendo a máxima de esconder o rosto enquanto canta sobre perdição, amor e um faroeste espaguete digno do primoroso século passado. Vindo de um artista queer inserido em um gênero conhecido pelo machismo e pelo preconceito, o Bronco de Orville Peck se prostra como uma figura de admiração e, mais do que tudo, de mudança e progresso.

Se Abril deu o que falar, Maio promete muito mais. Quando o novo disco de Harry Styles chegar, depois do tão esperado retorno de Kendrick Lamar e do finalmente completo trabalho de Florence + the Machine, te esperamos junto do próximo trabalho aclamado de Bad Bunny nesse mesmo persona-canal, para acompanhar cada nota do cenário musical que vai se colocar para tocar diante de nós. Até lá!


Texto: Raquel Dutra

Pesquisa e Pauta: Bruno Andrade, Eduardo Rota Hilário, Enzo Caramori, Gabrielli Natividade da Silva, Jamily Rigonatto, Laura Hirata-Vale, Nathália Tetzner e Vitor Evangelista

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