Você acredita em vida após o pop? E o excelente El Mal Querer de Rosalía

Feita em parceria com o artista visual Filip Custic, a capa brinca com o Sagrado Feminino e revela o papel da música pop de corromper e prestar homenagem à tradição na mesma medida (Reprodução)

Carlos Botelho

Não, você não leu errado. O pop enquanto entidade onipresente das principais paradas mundiais está morrendo. Vemos artistas, principalmente as famosas divas do gênero, tendo dificuldades em emplacar hits repetindo fórmulas que eram imbatíveis alguns anos atrás.

Aonde quero chegar com tudo isso é que, se por um lado estamos assistindo gigantes falhando dentro do próprio nicho, por outro há liberdade de experimentação quando a demanda por trabalhos de alto apelo comercial perde força. Esse processo de transição é o responsável por grandes registros que vem surgindo.

A necessidade de se alinhar as tendências musicais em busca de sucesso massivo está sendo substituída pela busca de processos de criação autorais. O background do próprio artista vira matéria-prima para criar registros mais pessoais e com maior variedade de temas, influências e estrutura musical.

Rosalía é novo fenômeno do pop espanhol (Divulgação)

Beyoncé voltou as suas raízes sulistas norte-americanas para falar de seus problemas conjugais, racismo e feminismo no clássico instantâneo Lemonade (2016). E Kali Uchis vestiu as cores da bandeira da Colômbia na capa de Isolation (2018), explorando uma gama de ritmos latinos, da bossa-nova ao reggaetón, juntamente com letras altamente pessoais.

E é nesse novo momento da música pop que nasce El Mal Querer, segundo disco da espanhola Rosalía. A cantora de 25 anos pega a tradição catalã, inspirada pelo livro Romance of Flamenca do século 13, e a entrelaça em um r&b fresco e inventivo. O tema central da obra é o desamor de uma jovem mulher, que sofre de forma despudorada e reflexiva. A entrega lírica lembra o Melodrama (2017) de Lorde e mostra como as cantoras de tão pouca idade tem criado narrativas que representam os anseios de toda uma geração de mulheres.

Na produção, Rosalía repete a parceira do primeiro disco com El Guincho e juntos criam músicas que elevam o pop através das influências flamencas que se misturam com uma linguagem atual cheia de experimentação. O resultado são 11 faixas que mostram que a tradição e o futuro podem andar de mãos dadas, sem que um sobreponha o outro, e ainda servir como plataforma para estabelecer identidade enquanto artista.

O primeiro single e faixa inaugural do trabalho, Malamente, é um dos principais exemplos do alt-r&b flamenco de Rosalía. A canção envolve o ouvinte de forma quase lisérgica e acentua o timbre peculiar da artista. Além disso, ganhou certificado de platina dupla na Espanha e a prova desse sucesso é a performance da cantora no EMA, que fez o público cantar em coro.

A apresentação ainda surpreende por mostrar a qualidade de popstar de Rosalía, que encanta com coreografias, presença de palco marcante e domínio de sua arte.

A obra ainda conta com vários grandes momentos, como o sample de Cry Me A River de Justin Timberlake em Bagdad. A dor de cotovelo na melódica Pienso en Tu Mirá tem potencial de se consagrar como mais um grande hit. Já na experimental De Aquí No Sales os barulhos de moto somados aos melismas característicos da cantora tem uma lembrança das colagens sonoras feitas pelos artistas da PC Music.

El Mal Querer é a prova que o pop não morreu, apenas as fórmulas de sucesso não são mais relevantes ao grande público. E é nesse cenário que grandes nomes se reinventam e outros surgem com controle criativo de seu trabalho. Rosalía é uma artista que ainda contribuirá muito para a música com sua autenticidade e seu disco certamente vai figurar em altas posições nas listas dos principais sites de crítica musical. O play é mais que recomendado e incentivado.

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