É Preciso Falar de Amor Sem Dizer Eu te Amo, mesmo que não haja amor nenhum

Pilar e Bento, em um dos momentos descontraídos da peça (Foto: Divulgação)

Mateus Conte

A peça É Preciso Falar de Amor Sem Dizer Eu te Amo, estrelada pelo casal Priscilla Fantin e Bruno Lopes, foi apresentada no dia 29 do último mês no Teatro Municipal de Bauru. Em sua turnê no interior paulista, a peça levou ao teatro mais de três mil pessoas, divididas em seis sessões em cinco cidades; na cidade-lanche, foram duas sessões.

O entrosamento entre os atores e o seu bem-estar no palco favorece a inserção de piadas e outros elementos fora do roteiro, dificultando uma avaliação fria da peça. Por isso, analisarei a apresentação como um todo, tanto a parte roteirizada quanto as partes improvisadas.

Logo no começo do espetáculo, é apresentado que os personagens são jovens viúvos que se conheceram em um aplicativo de relacionamento. O alívio que tive ao perceber que este não seria o tema central da peça foi imenso – afinal, esse assunto já está muito (mas não bem) desenvolvido na dramaturgia mainstream nacional.

O primeiro encontro da agente de trânsito Pilar (Priscilla Fantin) e o “ex-faria limer” Bento (Bruno Lopes) é permeado por um certo estranhamento entre eles e dúvidas sobre o que viria a seguir. A conversa vai e vem, com alguns olhares, algumas pequenas discussões e principalmente descobertas sobre o outro, que já conversavam há três meses pelo aplicativo. Os personagens contam histórias sobre si mesmos, que são simples mas bem estruturadas.

A peripécia no roteiro se dá no final do segundo ato, quando um dos personagens descobre um segredo fúnebre sobre o outro, tornando mais tenso o ambiente da peça. Porém, este problema para os personagens se converte em um problema para nós, espectadores: o fato apresentado não tinha nenhum precedente ou indício que poderia acontecer, causando um deus ex machina às avessas: em vez de uma solução, o que aparece “do nada” é um problema.

Um dos momentos de diversão entre Bento e Pilar (Foto: Divulgação)

Assim como as demais peças que assisto, somente no final do espetáculo que compreendo o significado do título e a sua relação com o roteiro. Neste caso, entendi o sentido do nome, mas não entendi o vínculo com o texto; de fato, a frase “eu te amo” não é falada em toda a peça, mas tem um motivo: porque não há amor ali. 

Não, não me refiro aos atores, que são casados; mas aos personagens, que ainda estavam em seu primeiro encontro. Deixando de lado a fúnebre coincidência do roteiro – que prefiro não “spoilar” – os dois não têm nenhuma relação prévia entre si, e o título pretende forçar que já existe um amor ali mesmo com apenas um encontro.

Embora seja interessante esta proposta de considerar o “amor líquido” como amor real, em contraste com as demais peças que escarnecem desta característica da modernidade, ela não foi tão bem desenvolvida a ponto de considerá-la convincente. No final, é apresentada uma aceitável lição de moral sobre doação de órgãos, mas sem aprofundar nesta problemática.

Depois do fechar das cortinas, os atores explicam como surgiu a peça, a importância da doação de órgãos e suas apresentações no Instituto Hakumana, em Moçambique, que visa atender pacientes com HIV em situação de extrema pobreza, e associa com o valor social do teatro. Este foi o melhor momento da peça: mais que um produto da indústria cultural, foi mostrado que o teatro tem um papel de protagonismo na transformação de seus espectadores, que nunca saem do anfiteatro da mesma forma que entraram.

Em suma, um bom adjetivo para descrever a peça é “bacaninha”. Agrada ao público médio que só quer uma diversão para relaxar, com uma dupla de atores entrosada e com uma boa pauta social. Por outro lado, o roteiro bagunçado e a reviravolta sem sustentação no roteiro podem incomodar os espectadores mais exigentes, mas sem atrapalhar a diversão. Nesta peça, aprendemos com Bento que “uma história sempre dá espaço para outra”, e saímos do espetáculo com esperança que os próximos sejam ainda melhores.

Deixe uma resposta