Croma Kid sintoniza a expressividade dos anos 1990 em uma tela fantástica e analógica

Cena do Filme Croma Kid. Na imagem está um garoto branco coberto por um pano verde com dois furos em seus olhos castanhos e abertos. Parte de suas sobrancelhas aparecem nas formas ovais. Ao fundo uma parede verde como chroma key de um estúdio.
Croma Kid esteve na 47ª Mostra de Cinema Internacional em São Paulo e também na seção Bright Future do Festival Internacional de Cinema de Roterdã (Foto: Aurora Dominicana)

Henrique Marinhos

Marcado pelo domínio da tecnologia analógica no cenário audiovisual, Croma Kid é uma viagem estonteante aos anos 1990. Dirigido por Pablo Chea e presente na seção Competição Novos Diretores da 47ª Mostra de Cinema Internacional em São Paulo, a ficção nos leva a acompanhar o encantador pré-adolescente Emi (Bosco Cárdenas), em todas as suas rebeldias e pensamentos inquietantes sobre sua família, que o envergonha por sua veia artística e televisiva.

De fato, nem todos herdamos vocações familiares e talentos natos, mas como um ponto fora da curva, o sangue da família Chea tem mostrado predisposição para a Sétima Arte. A estreia do filho de Claudio Chea, também cineasta e diretor de fotografia, soa como uma ficção biográfica impressionantemente construída para um primeiro trabalho.

Mesmo em seu início de carreira, a temática fantástica, a ambientação de época e a metalinguagem não pareceram um desafio para Chea como diretor e também roteirista, junto a Israel Cárdenas. Nos sentimos realmente dentro de seu universo nostálgico, distantes de amadorismos e furos de roteiro ou cenografia, como acontece até em grandes produções, como Game of Thrones.

Para além de um espaço fantástico e saturado da época, a interpretação do elenco é, sem dúvida, um ponto alto do longa. Bosco Cárdenas transmite as emoções e os conflitos do protagonista em meio à transição da infância para a adolescência de uma forma muito singular. Sem exageros ou muitos esforços, o que podemos quase chamar de performance contida é, na verdade, muito natural para um jovem ator. E sua família – que facilmente acreditaríamos ser sua realmente – é um catalisador de empenho e expressividade precisos. 

Jaime Pina, que interpreta o avô Lito, parceiro e mentor de Emi em suas aventuras atrás das câmeras, nos deixa à vontade e quase alheios ao mundo adulto e conflituoso em que seus pais foram designados para representar. Enquanto isso, responsável por se preocupar e colocar os pés de todos no chão, Nashla Bogaert, que interpreta Daniela, mãe coerente, rígida, amorosa e ao mesmo tempo tão sonhadora quanto todos, equilibra a narrativa familiar latina e maravilhosa que move a trama.

Cena do Filme Croma Kid. Na imagem está um garoto branco de cabelos lisos médios na altura de sua orelha. Ele está sentado em uma mesa de escritório enquanto segura um telefone fixo na mão. A ambientação é repleta de aparelhos antigos datados de 1990, como computadores com monitores de tubo, porta-lápis em formato de cubo mágico e uma luminária amarelada. Ao fundo está uma prateleira azul repleta de livros, fitas e brinquedos antigos.
A primeira produção de Pablo Chea, na verdade, foi um curta chamado Cumplebomba que fez com 11 anos com a câmera que seus pais o deram de aniversário (Foto: Aurora Dominicana)

Aqui, o ditado que diz ser melhor pecar pelo excesso que pela falta nunca fez tanto sentido. Em seus 92 minutos, toda magia do clímax e conclusão do longa estão presentes em um segundo ato. Já com a pipoca no fim, nos acostumamos com a rotina conturbada da família sem apelar para um emprego infeliz e desmotivador à Arte. Até que nos deparamos com o pior dos cenários: um clichê muito bem-vindo, com o plot adolescente de 16 Desejos, De Repente 30 e todos os outros filmes que mostram que não vale a pena pular etapas da vida.

Porém, dessa vez, de uma maneira menos cômica, caricata e infantil. Em que podemos, de fato, nos imaginar como o personagem principal. Essa representação pode estar atribuída principalmente às origens dos produtores e sua autenticidade em reproduzir a realidade de países latinos. Longe de comprometimentos imperialistas aos sucessos da Academia, a obra também se encaixaria muito bem na seção Perspectiva Internacional da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.

Cena do filme Croma Kid. Na imagem está uma família se abraçando em frente a uma parede verde de um estúdio de televisão. A família está se abraçando, um homem idoso está a esquerda com um terno preto, a direita está uma mulher adulta de óculos escuros e cachecol, a direita está uma criança com um gorro amarelo cobrindo seus olhos e, por último, a direita está um homem adulto com um chapéu e camisa social marrons. Todos são brancos e estão sorrindo, apenas o idoso olha para sua família enquanto os outros três olham para frente.
Segundo o diretor, Croma Kid celebra memórias como o laço de uma macrocultura que nos unem em comunidade e como famílias (Foto: Aurora Dominicana)

A habilidade em criar cenas cotidianas como se realmente tivessem sido gravadas antes da virada do século é notável, considerando ainda a incorporação muito bem feita de efeitos visuais semelhantes aos de De Volta Para o Futuro e outras produções do cinema noventista. O chroma key, stop motion e glich art – na TV dentro da TV – enriquecem ainda mais a experiência do telespectador como um show a parte. Sobretudo, os responsáveis pelo som sublinham a importância do áudio na construção da experiência de imersão. Sem mencionar todos os outros pontos positivos do longa, o cenário meticuloso com fitas VHS, walkmans, pagers, discos de vinil e brinquedos mergulham o público na nostalgia e na cultura da época, até para quem não esteve lá.

Cada instante tem infinitas possibilidades
Acredite ou não em magia
Você tem o poder de mudar sua realidade

A atenção aos detalhes, assim como a autenticidade dos cenários naturais e urbanos, abraçam os desafios e profundidade daquele período. Muito além de um entretenimento nostálgico, Croma Kid celebra a memória afetiva e a imaginação infantil. Nos fazendo lembrar a capacidade do Cinema de transformar o cotidiano em algo mágico, transportando-nos para universos que ecoam a visão positiva das crianças e pequenas centelhas que fazem nossos dias valerem a pena.

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