Mais um mês se foi e, com ele, o pior março de nossas vidas. A pandemia ainda assombra o cotidiano brasileiro e, mais do que nunca, é necessário ficar em casa. Assim, para sobreviver à solidão das paredes dos nossos lares, contamos com o abraço reconfortante da cultura. E, neste mês, as doses foram intensas. Primeiro, elas finalmente chegaram: as indicações ao Oscar 2021. A grande maioria dos nomes já eram esperados e conhecidos, mas março trouxe consigo o filme que faltava para riscarmos de nossas checklists. Meu Pai, protagonizado por Anthony Hopkins e Olivia Colman, garantiu a vaga em 6 categorias da estatueta dourada e conta com uma das melhores interpretações da carreira de Hopkins.
A 26ª edição do Critics Choice Awards também deu suas caras. Nomadland foi o grande vencedor da noite, conquistando Melhor Filme e Melhor Direção para a talentosa Chloé Zhao. Chadwick Boseman e Carey Mulligan levaram para casa as consagrações em atuação principal, e Daniel Kaluuya e Maria Bakalova nas categorias de coadjuvantes. No mundo televisivo, The Crown seguiu premiadíssima, ao lado de Ted Lasso e O Gambito da Rainha. Será que a escolha dos críticos vai seguir a vontade dos votantes da Academia? Só abril nos dirá.
Além dos prêmios, o mundo do Cinema veio recheado. Depois das súplicas ensurdecedoras dos fãs, o Snyder Cut está entre nós. A versão esquecida de Zack Snyder de sua Liga da Justiça veio, por bem ou por mal, para preencher nossos corações. O Disney+ também arriscou no modelo de aluguel e lançou Raya e o Último Dragão pela facada de R$ 69,90 na mensalidade do serviço. Do outro lado dos streamings, a concorrente Netflix não poupou seus lançamentos: tivemos produção nacional em Cabras da Peste, documentário do ícone Notorious B.I.G., Silenciadas e suas bruxas modernas e até um jovem grito feminista com as meninas de Moxie.
Eddie Murphy resolveu, depois de 33 anos, retornar ao papel da realeza de Zamunda e Um Príncipe em Nova York 2 deu mais um original para a Amazon Prime chamar de seu. Sobrou até para os monstros: Adam Wingard botou King Kong e Godzilla para brigar e, infelizmente, ainda não podemos assistir o confronto da tela do cinema. Não que a TV esteja nos decepcionando – WandaVision se despediu, mas já estamos nos habituando com as cenas de ações de Falcão e o Soldado Invernal. Oprah pautou mais uma polêmica do mundo dos famosos e sua entrevista com o príncipe Harry e Meghan Markle rendeu mais intrigas para a família real britânica.
Ficou curioso? O Cineclube Persona de Março juntou tudo isso e muito mais entre os principais lançamentos audiovisuais que chegaram até nós. Opiniões, críticas, palmas e muita gritaria nas palavras minuciosamente escolhidas pela Editoria e pelos colaboradores do Persona no maior post do mês. Confere aí!
Cinema
Liga da Justiça de Zack Snyder (Zack Snyder’s Justice League, Zack Snyder)
Nós vivemos em uma sociedade que o Snyder Cut é real, seja para bem ou para mal. O mítico corte de Zack Snyder, diretor original de Liga da Justiça, finalmente foi lançado em suas titânicas 4 horas de duração e a quadrada proporção 4:3 diretamente no HBO Max, o serviço de streaming da Warner. Após acusações sobre o comportamento de seu substituto, Joss Whedon, que explodiram nos últimos meses, a campanha dos fãs pela “restauração” da obra ganhou tração suficiente para que 70 milhões de dólares fossem investidos em sua conclusão.
O resultado disso? Bem, exatamente o que você espera, provavelmente. Liga da Justiça de Zack Snyder honra seu nome e exibe com orgulho todas as melhores e piores tendências do diretor, tentando apagar ao máximo o tom de desenhos de sábado de manhã que permeia a versão de 2017 e infundindo a tela com a sobriedade distinta e a visão sisuda dos trabalhos anteriores de Snyder. Uma nova trilha sonora também ajuda a separar as versões, trocando a orquestra de Danny Elfman pelas batidas eletrônicas de Junkie XL, que ajudam a distinguir o longa de outros filmes do gênero. A trama da obra segue os mesmos passos da antiga versão, apenas restaurando as partes previamente cortadas e adicionando cenas inteiras que, apesar de contextualizarem melhor seus personagens, não parecem mover a história para frente. O roteiro, ainda de Chris Terrio (Star Wars: A Ascensão Skywalker), não parece interessado em tratar seus personagens como peças móveis e dinâmicas do enredo, mas sim como action figures, mudando os cenários mas mantendo-os em suas posições icônicas, com a exceção sendo o arco de Victor Stone, o Ciborgue (Ray Fisher), que ganha um peso narrativo visivelmente ausente da versão anterior.
A Liga da Justiça de Zack Snyder não é necessariamente melhor que a de Joss Whedon. Ela é mais coesa e se encaixa melhor com os outros trabalhos do diretor com os personagens da DC Comics, com a ação melhor aproveitada e efeitos visuais mais bem realizados, mas é também um trabalho de vaidade criativa, por vezes indulgente ao ponto da autoparódia. Há um prazer juvenil de ver Snyder poder brincar livremente com essas figuras que claramente significam tanto para ele, mas é frustrante continuar vendo ele se recusando a desafiá-las de maneira provocativa. Se você não se conectou com a visão do diretor sobre o Superman em O Homem de Aço ou Batman vs Superman: A Origem da Justiça, o novo traje escuro não deve mudar muita coisa. – Gabriel Oliveira F. Arruda
Raya e o Último Dragão (Raya and the Last Dragon, Carlos López Estrada e Don Hall)
Após cinco anos do lançamento de Moana (2016), a Walt Disney Animation Studios lança Raya e o Último Dragão, a nova princesa do universo Disney. O longa dirigido por Carlos López Estrada e Don Hall traz logo de cara um contraponto com as demais produções do estúdio, sendo a segunda princesa que não está em um musical. Tirando Raya, apenas Merida — protagonista de Valente (2012), filme feito pela Pixar — não canta em seu filme. Mas isso não é um demérito, pelo contrário, a animação se sustenta no carisma dos personagens, e na história envolvente e emocionante, fora as maravilhosas cenas de ação.
O longa cresce muito por conta de seus personagens. A própria Raya é um grande exemplo disso, que está em constante evolução junto aos demais. Mas não apenas a protagonista rouba a cena, os coadjuvantes do filme são incríveis, conseguindo variar entre o cômico e o trágico de forma natural. Destaque para a Sisu e para o bebê charlatão, que entregam uma fofura e a comicidade que o filme precisa. A produção ainda conta com um ótimo design, que traz uma diferença nítida nas distintas regiões de Kumandra — baseada nos povos do sudeste asiático —, nas construções de cada civilização, mas peca ao representar os dragões, que possuem um visual estranho e que chega a incomodar.
O filme foi lançado diretamente no Disney+, por um valor acrescido na mensalidade de R$69,90, decisão que foi muito questionada nas redes sociais. Caso queira assistir, mas não quer pagar o preço do aluguel, a animação será lançada dia 23 de abril no serviço de streaming, sem valor adicional. Raya é um filme sobre esperança e confiança, algo que todos precisam nesse momento. No fim, é uma das grandes histórias que a Disney trouxe, e que foi executada de forma brilhante, sendo emocionante, e apresentando uma princesa forte e poderosa. – Pedro Gabriel
Cherry – Inocência Perdida (Cherry, Joe e Anthony Russo)
Holland e Russo são os nomes que chamam muito mais a atenção do que Cherry, o título do filme disponível na Apple TV+. Confesso que foi pelo ator de Homem Aranha que eu dei play, e quanto a isso, zero arrependimentos. Tom entrega um trabalho sensível e extraordinário dando vida ao protagonista sem nome que, seguindo a proposta da narrativa, vai perdendo a inocência em cada capítulo no qual o longa-metragem é dividido. Quanto aos irmãos Russo, bom, eles sabem o que estão fazendo. Com bons enquadramentos e uso de câmera, o filme entrega cenas de tirar o fôlego e ângulos de cenários bem pensados.
Mas, mesmo com um elenco talentoso e imagens bem alocadas, o sentimento de que falta algo depois de suas 2 horas e 20 minutos de duração permanece. Cherry causa estranhamento no tom que escolhe e forma pequenas lacunas no desenvolvimento do protagonista. A quebra da quarta parede não agrega em nada ao filme, pelo contrário, a sensação é que o recurso, poucas vezes utilizado, atrapalha a construção de uma narrativa mais sóbria. O que não seria um problema se a história não se vendesse em cima de um jovem que foi à guerra, voltou com transtorno de estresse pós-traumático e devido a isso afundou a si e a esposa num vício em heroína. Alguns diálogos maiores e melhor elaborados convenceriam mais das consequências da guerra, do que cenas que nos mostram o sofrimento do personagem de maneira rápida e com cortes dinâmicos, que diminuem a conexão do espectador com o momento.
Seguindo esse estilo um tanto irresponsável, o uso de entorpecentes carrega algo que beira a romantização estética, e adicionando as cenas carinhosas ao pacote, consigo imaginar os inúmeros vídeos shippando o relacionamento problemático dos personagens de Tom Holland e Ciara Bravo que devem estar rolando pelo YouTube. Ainda assim, o filme dos irmãos Russo não é de todo ruim. Você torce para os personagens, se irrita com suas suas decisões e se torna interessante perceber como o amor por Emily é o estopim para grandes mudanças que movem a trajetória do protagonista. Mas ainda assim, é importante estar ciente dos problemas na adaptação da história de Nico Walker e, diferente de mim, dar play sabendo que se trata de uma história intensa contada com muita dinâmica e superficialidade. – Lorrana Marino
Cabras da Peste (Vitor Brandt)
A mais recente produção nacional da Netflix apresenta um novo estilo buddy cop, totalmente engraçado e com as nuances que só o Brasil tem. Dessa vez, os novos Will Smith e Martin Lawrence de Cabras da Peste são o cearense Bruceuilis Nonato (Edmilson Filho), o “tira arretado” comprometido com seu trabalho, e o paulista Renato Trindade (Matheus Nachtergaele), o “policial de escritório” medroso. A vida dos dois policiais se chocam quando Bruce vai a São Paulo em busca de Celestina, a cabra patrimônio histórico da sua cidade natal Guaramorim. Por lá, eles se deparam com uma situação que coloca à prova suas profissões.
A realidade do microcosmo interiorano do Ceará se colide com a da capital paulista de uma forma profundamente divertida. É quase impossível deixar de rir com as cenas de Bruce, as quais tiram o brilho da genialidade da atuação de Nachtergaele. Como todo filme brasileiro, sempre existem farpas para o cenário do país, seja através do histórico de atleta do “policial de verdade” Caique (“sou forte demais, tá ok?”) até do foro privilegiado de Zé Cabrito (Falcão), o palhaço que virou deputado.
Cabras da Peste também entra em sintonia com Um Tira da Pesada ao apresentar a versão forró de The Heat Is On, parte da trilha sonora do filme oitentista. Por se falar em trilhas sonoras, o filme da Netflix não deixa a desejar com suas canções, cruzando entre Lulu Santos, Sidney Magal e até Claudinho e Buchecha. Somando isso ao humor tipicamente brasileiro, a nova obra de Vitor Brandt merece um lugar na sua lista no streaming. – Júlia Paes de Arruda
Notorious B.I.G. – A Lenda Do Hip Hop (Biggie: I Got a Story to Tell, Emmett Malloy)
Não existe um único local para o surgimento do rap, mas, para muitos, Nova Iorque é considerada o berço do hip hop. A ascensão do chamado gangsta rap redirecionou o protagonismo das rimas e batidas para a outra costa americana, e agora, uma joia rara tinha a missão de colocar as vozes do Brooklyn de volta no mapa. No dia primeiro de março, a Netflix lançou o documentário Notorious B.I.G – A Lenda do Hip Hop, que nos conta a trajetória de Christopher Wallace, ou, como era mais conhecido, Biggie Smalls, em rumo ao estrelato, reconhecimento e, infelizmente, ao seu trágico fim.
Na triste ausência de Christopher, o longa se escora em depoimentos de entes familiares, amigos próximos – como era o caso da clássica Junior M.A.F.I.A – e também famosos que alavancaram sua carreira, como o rapper Puff Diddy. Além das entrevistas, também contamos com diversos trechos de gravações que a equipe de Biggie tinha à disposição. As fitas de vídeo ajudam o fã de hip hop a matar um pouco a saudade de ver o Rei de Nova Iorque e sua personalidade icônica, enquanto nos mostra a difícil realidade que jovens do Brooklyn passavam naquela época.
Mas, o documentário também possui seus pontos negativos. O irresoluto caso de sua morte ganha pouco mais de 20 minutos de tela, enquanto sua relação com o também rapper Tupac Shakur mal é mencionada. Fora isso, o enfoque na sua vida prévia a carreira musical (os períodos que Christopher menciona em seu álbum Ready to Die) parece importar mais que os tempos dentro dos estúdios. Mesmo assim, o filme serve como um reconforto para o telespectador que passa a conhecer B.I.G. ainda mais de perto, enquanto presenteados com seus discos e músicas eternas. – Vitor Tenca
Meu Pai (The Father, Florian Zeller)
Meu Pai, a tradução pontiaguda do título original, elucida questões essenciais da existência humana, o medo do esquecimento e o amor como amálgama acima de qualquer outro sentimento. Adaptando sua peça de teatro, Florian Zeller dirige com a compostura de um verdadeiro maestro, movendo e remexendo as memórias de Anthony (Anthony Hopkins, no papel da carreira e na melhor interpretação masculina do ano). Curtíssimo, o longa se centra na difícil relação do pai e da filha Anne, a camaleoa Olivia Colman.
Entre o vai-e-vem confuso do idoso provavelmente sofrendo do Mal de Alzheimer (o filme nunca diagnostica Anthony), o roteiro do diretor junto de Christopher Hampton coloca quem assiste na posição de copiloto, mas considerando que quem comanda o volante não sabe nem dirigir. O eterno quebra-cabeças da memória de Anthony é transmitido pela construção cenográfica, pela trilha sonora, pelo jogo de câmeras e pelo trabalho quase celestial de Hopkins, que aos 83 anos se tornou o homem mais velho indicado a Melhor Ator no Oscar 2021.
A montagem de Yorgos Lamprinos, também agraciada com o reconhecimento da Academia, prega peças e confunde propositalmente. Mesmo quando The Father cai nos moldes teatrais de seu núcleo, Florian Zeller usa esses elementos a seu favor. Iluminação, figurinos, o cenário único, tudo orna, tudo engrandece a obra. Imperdível para quem gosta de Olivia Colman, de Anthony Hopkins e para quem aprecia quando uma adaptação teatral é feita com astúcia, cautela e muita noção. – Vitor Evangelista
Trilogia Karatê Kid (John G. Avildsen)
Aproveitando o melhor momento de Cobra Kai desde seu lançamento em 2018, a Netflix ressuscitou, em seu catálogo, um dos clássicos da Sétima Arte que marcou gerações de fãs do cinema e das artes marciais: Karatê Kid, a trilogia da saga de Daniel LaRusso (Ralph Macchio). Os três primeiros filmes, lançados entre 1984 e 1989, foram adicionados no começo mês na plataforma e já se embalaram na onda de Cobra Kai, a série que se passa 34 anos após o torneio All Valley e traz a redenção de Johnny Lawrence (William Zabka) – o inimigo de Daniel LaRusso derrotado no primeiro filme.
A Netflix acertou na nostalgia com o público mais velho ao trazer esse clássico da década de 80 para os dias atuais. A história do menino franzino que encontra um mestre de karatê para derrotar seu bully e vencer um torneio pela sua honra (A Hora da Verdade), depois passa para a narrativa do mestre de karatê e seu pupilo enfrentando um antigo inimigo em Okinawa (A Hora da Verdade Continua) se torna, por fim, o enredo do pupilo abandonando seu mestre e entrando para o lado sombrio da força por orgulho (O Desafio Final). Dos três filmes, o terceiro é certamente o mais fraco, com vilões muito caricatos e sem camadas, além de ser o único da trilogia que não recebeu nenhuma indicação ao Oscar.
Do universo de Karatê Kid, o filme de 2010 protagonizado por Jaden Smith e Jackie Chan já estava há tempos no catálogo, mas quem ficou de fora foi o esquecível Karatê Kid 4 – A Nova Aventura (1994), que não foi adicionado junto com os outros da saga original e provavelmente nunca será, já que esse longa conseguiu ser trágico ao ponto de descaracterizar até o personagem mais resiliente: Senhor Miyagi (Pat Morita). Vale lembrar também que esse foi o único filme dos originais que não foi dirigido por John G. Avildsen, o diretor que deixou uma marca muito pessoal na trilogia. Para aqueles que querem retomar com fôlego esse universo de artes marciais cinematográficas, este, certamente, é o momento. – Nathalia Franqlin
Silenciadas (Akelarre, Pablo Agüero)
Bruxas horrendas, caldeirões, risadas maléficas e vassouras. Esses são os elementos mixurucas que os filmes de ação hollywoodianos reduziram a caça às bruxas. Longe disso, Silenciadas nos permite sentir prazer em zombar das maluquices criadas pela Igreja Católica, e ainda assim lamentar o destino de tantas mulheres queimadas vivas. O longa de Pablo Agüero foi lançado em setembro de 2020 no Festival Internacional de Cinema de San Sebastian, e chegou ao catálogo da Netflix em março de 2021.
Contando a história das mulheres do País Basco e sua repressão durante o período da Inquisição, o filme acompanha o grupo de Ana, María, Maider, Olaia, Oneka e Katalín ao serem interrogadas e condenadas por bruxaria. Entre as cenas sombrias de tortura, há a genialidade em encenar a demonização que os inquisidores ansiavam assistir para tentar escapar da morte.
Ana (Amaia Aberasturi) protagoniza a história com talento – merecendo sua indicação ao 35º Prêmio Goya de Melhor Atriz. Amaia consegue sustentar uma personagem que está entre o desespero e a perspicácia até o fim. Apesar do desfecho triste e previsível, a trajetória das meninas é um deleite. É prazeroso assistir o papel ridículo que a Igreja Católica fez na história, sabendo que as mulheres livres e independentes, nomeadas bruxas, resistiram. – Nathália Mendes
The Mauritanian (Idem, Kevin Macdonald)
Os dramas de The Mauritanian não são novos em Hollywood, mas seu ator principal é. O francês Tahar Rahim protagoniza com propriedade, intensificando os temores de seu personagem: um homem preso ilegalmente por muitos anos, até que uma advogada boazuda, a estonteante Jodie Foster, aparece para salvar sua pele. Do outro lado da equação e representando os interesses do governo, Benedict Cumberbatch está avoado demais para se mostrar interessado no filme de Kevin Macdonald.
O que é bem-vindo, visto que o foco narrativo acaba se voltando para Foster e a maneira com a qual ela lida e enxerga o mundo. Baseado na história real de Mohamedou Ould Slahi, o longa chama atenção pelo arrojo cinematográfico, filmando tomadas extensas e visualmente marcantes das sessões de tortura sofridas pelo preso político. Com The Mauritanian é assim: você chega pela presença (e vitória no Globo) de Jodie Foster, mas fica pelo talento borbulhante de Tahar Rahim. – Vitor Evangelista
Moxie: Quando as Garotas Vão à Luta (MOXiE!, Amy Poehler)
Apostando no dia a dia high school, e quase acertando a superficialidade, Moxie: Quando as Garotas Vão a Luta é o tipo de filme a qual críticas aprofundadas quanto a militância inacessível devem passar bem longe. Sem o intuito de explorar todas as facetas do feminismo, e olha que são muitas, o lançamento da Netflix é aquela obra onde não dá para pesar nos julgamentos. Entender que as protagonistas estão apenas no início da jornada na luta contra o patriarcado, e que um clichê básico é necessário.
Na cidade fictícia de Rockport, Vivian (Hadley Robinson), ao adentrar o Ensino Médio, começa a se questionar sobre como se posicionar quanto a igualdade de gênero, mas, principalmente, sobre a falta dela. Amy Poehler, além de diretora da produção também encara a mãe feminista fã do hino Rebel Girl, canção chiclete que promete te assombrar no meio da noite.
Enquanto inicia anonimamente a revista feminista chamada Moxie no colégio, Vivan encara os assuntos que o público não cansa de ver, como o primeiro namoro e os dramas de amizade, temas que se entrelaçam muito bem com as discussões sérias que a obra se propõe a iniciar. Sem muita neura ou abordagens difíceis, o filme teen pode até soar bobo de primeira, mas é a pegada mais leve e simples que ajuda a compreender que as grandes lutas começam com os pequenos atos. – Isabella Siqueira
Um Príncipe em Nova York 2 (Coming 2 America, Craig Brewer)
Em 1988, o príncipe Akeem, do reino de Zamunda, partiu para os Estados Unidos em busca de sua noiva. Encontrou, no Queens, Lisa McDowell e a transformou em sua princesa. Os zamundanos ganharam uma linda história de amor para espalhar pelas gerações e o casal, com três filhas, prosperou no país africano. 33 anos depois, Eddie Murphy retorna ao seu papel icônico em Um Príncipe em Nova York 2 para descobrir que, na verdade, seu sêmen real gerou um herdeiro masculino e novaiorquino ao trono de sua linhagem.
Eu digo 33 anos, mas poderia ser facilmente 33 semanas. Eddie Murphy e Arsenio Hall, ao reencontrarem Akeem e Semmi, não envelheceram um minuto. O carisma da dupla principal se manteve intacto na sequência que, mesmo não sendo tão atraente como sua antecessora, ainda arranca umas boas risadas do espectador. Com exceção da rainha Aoleon – Madge Sinclair faleceu em 1995 -, Patrice e Darryl, todos os personagens do primeiro longa participam da continuação. Só por esse fato, as quase duas horas não pesam em absolutamente nada, já que rever Murphy e Hall em seus papéis variados (Morris, Reverendo Brown, Randy Watson, Akeem, Semmi, Saul e Clarence) encanta qualquer resistente a revivals de filmes clássicos.
Dessa vez, quem assina a direção é Craig Brewer, que fez seu melhor em tentar recriar a atmosfera juvenil e debochada que John Landis idealizou lá em 88. Apesar do plot não chamar a maior das atenções, as adições de Leslie Jones, Jermaine Fowler e Tracy Morgan eram tudo que a gente precisava para completar o charme que o elenco original já carregava. O desenrolar da personalidade de Akeem, agora um rei que tenta fazer jus ao legado do pai, e sua relação embaralhada com as (muitas) mulheres de sua vida, o fazem fechar os olhos ao fato de que Zamunda possui uma futura rainha e não há tradição que não possa ser questionada. Mesmo que Um Príncipe em Nova York 2 deixe a desejar em alguns aspectos, a sensação de nostalgia e referências é tudo que a gente pode pedir de Murphy e Hall. – Caroline Campos
Godzilla vs. Kong (Idem, Adam Wingard)
A briga do século finalmente está entre nós, infelizmente nas TVs e monitores, e não nas telonas do cinema. Desde que foi anunciado, Godzilla vs. Kong vem sendo hypado ao máximo, de forma justa. Quem não quer ver um lagarto de 120 metros lutando contra um macaco de 102, tudo isso em paisagens belíssimas? Pois é. E o filme é isso mesmo. Aqui, talvez o roteiro não importe muito, afinal, ninguém foi assistir ao longa esperando um texto complexo ou um drama entre os dois bichanos. Porém, essa natureza de pura ação e nada mais do filme, que invalida críticas mais ‘profundas’, também é, de certa forma, um problema.
Longe de mim dizer que o filme não é inteligente o suficiente ou que a trama deveria focar em mais coisas além dos titãs, a questão não é essa. A produção tenta sim investir em uma narrativa minimamente interessante para os humanos, com Millie Bobby Brown reprisando as peripécias de Eleven, dessa vez ao lado de um conspiracionista da Terra Oca. Também temos a fofíssima Kaylee Hottle dando representatividade surda ao filme com a interessante e pouco explorada Jia. E mais um monte de gente com mil papéis que não tem tempo suficiente de tela para serem devidamente desenvolvidos. Mas, quem liga? Esse é o filme de Godzilla e Kong.
O que eu gostaria mesmo era ainda mais dos titãs, com dois longas de 1h30. Antes da batalha, poderíamos ter tido mais uma produção solo de Kong e sua jornada para conquistar a Terra Oca. A escolha do estúdio de espremer duas histórias juntas em uma só pode ter ajudado nos custos milionários de CGI (e, talvez, mais um filme solo de Kong não seria tão rentável), mas prejudicou o foco, nos entregando uma bagunça narrativa que realmente só funciona pelos monstrengos quebrando pau. Mas… O que está feito, está feito, e é extremamente divertido de assistir. Qual a próxima fronteira da franquia? Rezo todos os dias para Godzilla e Kong trombarem com Clover. – Jho Brunhara
The World to Come (Idem, Mona Fastvold)
De cara, a paisagem bucólica acompanhada da narração poética de Abby, que tem em seu diário seu único confidente, revelam a melancolia da época e ditam o tom em The World to Come. No filme, que se passa em algum lugar dos Estados Unidos em 1850, Abigail (Katherine Waterston) vive uma vida pacata e dura com o marido, Dyer (Casey Affleck), de quem se distancia cada vez mais após a morte da filha. Praticamente isolados, o silêncio entre os dois é quebrado com a chegada de Tallie (Vanessa Kirby) e seu marido, que alugam um terreno próximo e fazem amizade com o casal. Com uma nova companheira com quem dividir a solidão, Abby se aproxima da cativante e intensa recém-chegada e as duas encontram uma na outra um refúgio da frieza e do vazio de suas vidas.
Lançado oficialmente em fevereiro, The World to Come, dirigido pela norueguesa Mona Fastvold, fez sua estreia em setembro no Festival de Veneza, em que Kirby também competia com Pieces of a Woman. A indicada ao Oscar é charmosa e instigante com Tallie, mas não ameaça o protagonismo de Katherine Waterston, que, em sua melhor atuação, exala todas as sutilezas das mudanças na vida de Abby, da melancolia à inquietação da paixão à melancolia novamente. Os homens também sucedem em seus papéis de maridos inconvenientes a ponto de serem insuportáveis e os resmungos de Casey Affleck, que faz a linha introspectivo compreensivo mas não gera empatia nenhuma, não fariam falta se os personagens fossem renegados a apenas um subtexto das protagonistas.
Apesar das atuações estupendas das atrizes, da direção que alterna entre sensível e distante de acordo com os relacionamentos retratados e da fotografia que destaca o bucolismo da paisagem, o ritmo lento torna as quase duas horas mais longas do que parecem. A atração de Abby e Tallie se dá aos poucos, como deve ser em um romance de época, e quando engata não falha em encantar, mas ainda é arrastada e não queima o suficiente para fazer jus ao sofrimento do desfecho. Ao final, The World to Come é como a narração do diário de Abby: poético e delicado, ainda que discreto e vagaroso. – Vitória Lopes Gomez
Dia do Sim (Yes Day, Miguel Arteta)
Imagine viver um dia no qual seus pais são obrigados a dizer sim pra tudo, desde o que será o café da manhã, até sua maior e pior arte. Essa é a premissa de Dia do Sim, o filme lançado pela Netflix conta com os incríveis Edgar Ramírez e Jennifer Garner em seu elenco, abrilhantando essa comédia família que tem o irresistível sabor de Sessão da Tarde. Recomendada a todos, é uma ótima escolha para se divertir e fugir um pouco da monotonia destrutiva dos tempos atuais.
A história se inicia com um casal topa-tudo que viveu à flor da pele seus anos de namoro e, de repente, se depara com a palavra sim sair do vocabulário após a chegada das crianças. Num lar transbordado de proteção – e de nãos -, os três filhos começam a se revoltarem com toda autoridade dos pais, entrando em consenso que um dia do sim seria a solução perfeita. Yes Day nos faz rir de forma leve e acerta no segmento de roteiro.
Além da parceria entre Jennifer Garner e Edgar Ramírez funcionar com cumplicidade, Jenna Ortega também chama a atenção em suas cenas interpretando a filha mais velha do casal. Já com o pé na adolescência, é a que mais sente falta de sua liberdade. A primogênita também é fã da cantora H.E.R. que faz uma participação especial no filme, deixando a produção ainda mais encantadora e sendo também um dos grandes motivos para você parar tudo que está fazendo e ir assistir Dia do Sim. – Ana Júlia Trevisan
Land (Idem, Robin Wright)
A dona de House Of Cards, mentora da Mulher Maravilha e amor da vida do Forrest Gump finalmente fez sua esperada estreia na direção cinematográfica. A obra que marca esse feito testifica também a versatilidade de Robin Wright. De seriados aclamadíssimos aos blockbusters de herói e clássicos do Cinema, o trabalho da vez da atriz e diretora tem um fundo indie e chega diretamente do Festival de Cinema de Sundance sob o título de Land. Num drama contido, o filme acompanha o processo de cura e redescoberta da vida de Edee (interpretada pela própria Robin), que se retira para uma cabana isolada nas montanhas de Wyoming depois de vivenciar uma tragédia.
Sim, Land pode soar como uma mistura de Nomadland (sem incitar comparações, visto também que o intervalo de um ano que separa as produções é quase nulo na prática do Cinema) com Na Natureza Selvagem (dirigido pelo ex-marido de Wright). Mas Robin é senhora de seus caminhos e rege seu próprio balé em uma obra reflexiva, contemplativa e por vezes inconsistente – débito que pode ir pra conta conta do roteiro de Jesse Chatham e Erin Dignam -, refletindo a jornada interna de sua personagem, longe de melodramas e adorações ao sofrimento.
O mais marcante, dentre as paisagens belíssimas da fotografia de Bobby Bukowski, a trilha que passa por The Staves e Bruce Springsteen sob a supervisão de Ben Sollee e Time for Three e da sempre excepcional destreza da atuação de Wright que encontra ainda mais encanto junto de Demián Bichir, é a segurança de sua diretora. Land tem seus defeitos, mas nenhum deles é a soberba ou a necessidade de se engrandecer, se mostrar ou se provar em meio às tantas produções iniciantes forçadas para serem surpreendentes. Confiante de sua arte, Robin inicia sua filmografia assinando um filme singelo sobre solidão, bondade e restauração. – Raquel Dutra
TV
Expresso do Amanhã (Snowpiercer, 2ª temporada, TNT/Netflix)
O novo ciclo de Expresso do Amanhã segue sem rumo, muito semelhante ao próprio trem chamado Snowpiercer. Que muitas produções acabam perdendo o ritmo a gente já sabe, e infelizmente, esse foi o caso da série da TNT e da Netflix. Apesar da tentativa ousada de se distanciar da HQ e do filme dirigido por Bong Joon-Ho com um novo plot, a nova temporada é bem mais ou menos.
Continuando exatamente de onde a temporada passada acabou, a nova história retoma a conquista da democracia por Layton (Daveed Diggs) e o fatídico encontro com o Big Alice, trem de recursos comandado pelo misterioso Sr. Wilford (Sean Bean). Em um ponto comum, os dois trens concordam em uma trégua, e, de repente, o mundo está descongelando – um caminho previsível, mas justificável. Felizmente para eles, a esperança no planeta Terra ressurge, infelizmente para o público, isso acarreta na perda da única protagonista cativante da série, Melanie Cavill (Jennifer Connelly).
Com a perda de Melanie, o duelo agora se dá entre Layton e Wilford, que entre tapas e beijos seguem a temporada sem a maestria e inteligência da maquinista principal. Entre tramas paralelas sem sal, o sumiço da personagem e algumas sacadas óbvias de obras de ficção científica, a segunda temporada de Expresso do Amanhã perde o fôlego e fica travada no meio do caminho. Já os sentimentos de revolta e os ânimos exaltados que abalavam o trem do futuro ficaram lá na última revolução. – Isabella Siqueira
WandaVision (1ª temporada, Disney+)
Em março, chegou ao fim a primeira experiência da Marvel com a televisão. WandaVision foi idealizada com base nas décadas de sitcoms que a TV estadunidense possui e, para quem estava acostumado com narrativas lineares e previsíveis dos filmes do Universo Cinematográfico, foi uma baita surpresa. Enquanto tentamos entender por que diabos Wanda está em preto e branco e como Visão, que teve a cabeça dilacerada por Thanos em Guerra Infinita, anda e sorri em cena, a Marvel vai brincando com a nossa observação e com pequenas referências aqui e ali ao longo da série.
Como casal, Wanda e Visão são encantadores. Assisti-los se amando e se apoiando pelos nove episódios só ficaria melhor se tivéssemos, de fato, os visto assim nos filmes da Marvel. A dupla, mal aproveitada no cinema, tem a vida perfeita com a rotina perfeita e os filhos perfeitos. Infelizmente, a trajetória esburacada de Wanda Maximoff não demora muito para se sobressair. Perdida no próprio mundo que construiu para tentar lidar com o luto gigantesco que carrega em si, a personagem magistral de Elizabeth Olsen suga toda a empatia que o espectador tem a oferecer. Sentimos a dor e o desespero de Wanda em cada expressão que remete ao seu passado – especialmente em meio a tantos flashbacks daquele (sim, você sabe qual) episódio.
A estrela do show, amada e odiada, dona de tudo que toca, entretanto, foi ela: Agatha Harkness. Não há nada que Kathryn Hahn não possa fazer, e ela deixou isso bem claro com a sua milenar bruxa embebida de poder que se entretém com o sofrimento de Wanda. Claro, nem Harkness esperava o nível da força da Feiticeira Escarlate, mas os confrontos das personagens são no mínimo interessantes. Se o arco do lado de fora não chama muito a atenção, as aparições de Pietro, a convivência de Billy e Tommy e a tentativa de Visão em entender Westview é o que fazem a primeira e única temporada focada em Wanda ser tão especial. Agora, é vez de Bucky e Sam. – Caroline Campos
RuPaul’s Drag Race UK (2ª temporada, BBC Three)
A segunda temporada de Drag Race UK, infelizmente, chegou ao fim em março. Apesar dos episódios gigantescos, dos mini challenges enormes e dos maxi challenges maiores ainda, nós vamos sentir falta desse elenco. Onde falta espontaneidade e descontração no programa ‘original’, aqui sobra. Se tem algo que as versões estrangeiras da competição de RuPaul nos ensinam, é que há algo de errado com o perfeccionismo da produção estadunidense. Enquanto isso, no werkroom britânico, a equipe por trás das câmeras, um pouco mais despreocupada com a edição perfeita, permite que a naturalidade das queens transpareça, e tudo flui como um dia já fluiu na terra da Tia Sam.
Mas saudosismo é coisa de gente inerte, vamos falar do presente. Lawrence Chaney é a primeira vencedora gorda da franquia. Demorou, mas finalmente aconteceu, e com um nome merecidíssimo. Como sempre, teve chororô dos fãs do programa, cyberbullying problemático e discussões polêmicas, mas agora pouco importa. A talentosa queen escocesa se juntou ao panteão de Drag Race. Nesse elenco não faltou personalidades memoráveis: Ginny Lemon espremeu um limão no olho de RuPaul e abandonou o palco antes mesmo de dublar, sendo a única a nunca ouvir um sashay ou shantay; Tia Kofi transbordou carisma e se imortalizou com falas icônicas; e A’Whora e Tayce nos deixaram babando de tanta beleza e nerve.
Veronica Green infelizmente nos deixou antes da hora. Quando as gravações da temporada voltaram após meses, por conta da pandemia, a londrina testou positivo para o maldito vírus e precisou ficar em casa. A boa notícia é que ela competirá na próxima edição, e, se o universo permitir, mais polida que nunca. Bimini Bon-Boulash perdeu a Coroa mas ganhou o mundo. Posso afirmar, sem receios, que a britânica não-binária e vegana é uma das mais fortes competidoras que já passaram pelo programa, e já é muito maior que as bordas de Drag Race. Excelente nos desafios de comédia, excelente nos de atuação, nos musicais, nas acrobacias, com impecável senso estético, inteligente e absurdamente carismática. Pensando bem, a Coroa realmente ficaria apertada nela. – Jho Brunhara
Allen contra Farrow (Allen v. Farrow, Minissérie, HBO)
Woody Allen é um crápula. Não há discussão quando o assunto é sua índole, seu caráter ou a maneira com que lidou com a crise midiática dos anos 90, quando sua filha Dylan o acusou de abuso sexual. Kirby Dick e Amy Ziering, responsáveis pelo documentário The Hunting Ground, aproveitam o longo formato de minissérie proposto pela HBO para dissecar os eventos no passado e as consequências do presente em Allen v. Farrow.
Despreocupada em ouvir ‘o outro lado’, a minissérie documental em 4 extensos capítulos, se baseia, ouve e ampara Dylan Farrow e sua mãe, Mia. A produção recapitula tudo com imagens de arquivo pessoal de Mia, enquanto contragolpeia os testemunhos de Allen com excertos de um áudio livro lançado em 2020. O momento do abuso no sótão, a guerra de tabloides e o casamento do diretor com Soon-Yi, filha de Mia, são documentados com o olhar e a complacência dos cineastas.
Dylan Farrow abre o coração e descasca os traumas, ao passo que Allen v. Farrow cria uma rede de apoio para a mulher. Ouvimos seus irmãos, sua mãe, advogados, médicos, todos corroborando a história dela, com provas e documentos. O final, Part 4, se estende por quase 80 minutos, investigando o papel da cultura nisso tudo. Atores famosos defendendo Allen em 2014, mas que voltaram atrás e apoiaram Dylan em 2018. Na eterna discussão de separar a arte do artista, Allen v. Farrow não se compromete em soar imparcial. Passadas mais de quatro horas, a ideia é a mesma: Woody Allen é um crápula. – Vitor Evangelista
Filhas de Eva (1ª temporada, Globoplay)
Imagine personagens reais, falhos e complexos. Adicione uma trama envolvente, trilha sonora de arrebatar, um elenco que mistura grandes nomes e novas revelações. Coloque também uma boa pitada de excelente direção de arte e textos que emocionam e você terá a receita certeira de um produto audiovisual de qualidade, que prende o espectador do primeiro ao último segundo. Foi trilhando esse caminho para o sucesso que o Globoplay estreou em 8 de março – Dia Internacional da Mulher – a deliciosa e envolvente série de doze capítulos, Filhas de Eva.
Protagonizada pela gigante Renata Sorrah, que rouba os holofotes da série em cenas que vão do drama ao puro humor, com doses excelentes de romantismo, e acompanhada pelas também veteranas Giovanna Antonelli e Vanessa Giácomo, a história nos serve como uma dramédia das boas. Stella, interpretada por Sorrah, é casada há 50 anos com Ademar (Cacá Amaral), por quem se anulou e girou toda sua vida em volta, e durante a comemoração do aniversário de casamento, toma a drástica decisão de pedir o divórcio, em público, almejando apenas se reencontrar. Lívia (Antonelli), sua filha, é uma mulher casada e mãe de uma adolescente, profissionalmente satisfeita porém com um casamento que já viu dias melhores com Kleber (Dan Stulbach), um terapeuta raso e egocêntrico, que inicia um caso com Cléo, personagem de Giácomo, que por sua vez, torna-se amiga de Lívia sem ao menos saber quem ela é, entrelaçando assim os enredos da trama.
É com o pedido de divórcio que Stella vira sua vida de cabeça para baixo numa jornada de autoconhecimento, revolução e busca pela liberdade, reencontrando antigos amigos e abrindo espaço para novas pessoas em sua vida. Filhas de Eva é uma série sobre a jornada, não apenas da protagonista, mas como de todos os outros personagens. É dessas séries que te colocam para sorrir ou se emocionar com facilidade, em cenas que podem entrar para o hall de takes memoráveis da TV brasileira, e tudo isso, com uma belíssima pertinência temporal e críticas políticas que se embrenham no enredo bem construído. É ótima pedida para uma maratona, sem deixar a desejar à grandes séries em que se baseia, como Big Little Lies e This is Us. – Marina Ferreira
Oprah entrevista Meghan Markle e Príncipe Harry
Só Oprah Winfrey para dar conta de uma entrevista com ex-membros da família real britânica. A maior apresentadora dos Estados Unidos recebeu Harry e Meghan Markle para uma conversa franca no horário nobre da televisão norte-americana transmitida no canal da CBS no dia 7 de março. No quintal de sua nova casa, o casal falou sobre os motivos que os levaram a deixar sua posição dentro do reinado de Elizabeth II, bem como a vida que constroem agora na Califórnia.
Guiada pelas perguntas e reações hospitaleiras e sempre atentas de Winfrey, a entrevista apresentou uma Meghan serena, machucada e determinada a dividir a sua verdade ao lado de um Harry um pouco mais incisivo, magoado mas ainda firme e seguro de suas próprias ações. Desamparo, danos psicológicos, racismo e “medo da historia se repetir” resumem o desabafo do casal, que ainda usaram o termo ‘firma’ alguma das vezes em que se referiram à família.
Para quebrar a tensão da conversa, Oprah ainda conheceu alguns espaços do novo lar de Harry e Meghan e deu o furo sobre o sexo do novo bebê do casal, mas é fato que o que ficou marcado foram as revelações sobre as atitudes da família real, que embora nada levianas, estão longe de ser uma completa surpresa. Muito mais do que fofocas reais, o que se vê nos 90 minutos de desabafo do casal à Oprah – que mesmo verdadeiro ainda constrói uma estratégia midiática cheia de intenções -, também rende um retrato das problemáticas oriundas do imaginário colonial, muito bem figurado na monarquia do Reino Unido. – Raquel Dutra