Capitã Marvel é muita areia pro caminhãozinho dos fãs de filmes de herói

(Foto: Marvel Studios)

Lara Ignezli

No último longa lançado pela Marvel Studios antes da chegada do esperado Vingadores: Ultimato, somos apresentados à combate Vers, da raça alienígena  Kree. No enredo, acompanhamos sua transformação em Capitã Marvel, carregando o título do filme e o elo no Universo Cinematográfico do estúdio. A história começa quando a protagonista já adquiriu os super-poderes e durante o desenvolvimento do filme seu passado vai sendo revelado através de flashbacks sobre sua vida humana, como a pilota de avião Carol Danvers. Duas raças da Casa das Ideias estão em guerra, os Kree e os Skrull, e é em uma das missões para o povo Kree que Carol tem o primeiro contato com o planeta Terra e com agentes já conhecidos da S.H.I.E.L.D.

Se a Capitã Marvel fosse Capitão, ou se o mundo fosse perfeito e este não fosse o primeiro filme protagonizado por uma mulher que o Marvel Studios produziu em uma década, eu poderia limitar o texto à questões técnicas, escolha de trilha sonora e atuação. Mas não tem como. Ter um filme protagonizado por uma ativista na causa é um diferencial gigantesco. Brie Larson (que deu vida à protagonista) não abaixou a cabeça para a multidão de homens que resolveu atacá-la simplesmente por ser mulher. Deixando bem claro que é feminista, Larson não escondendo seu posicionamento em momento algum.

Antes mesmo da estreia, os sites de crítica estavam lotados de ataques por parte do público masculino, que acusou o filme de fazer “propaganda” para o movimento feminista por conta da escolha da atriz principal. Após a estreia, o filme ficou com 79% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes, mas dentre o público geral podemos ver comentários do tipo “a posição anti-homem dela me desanimou no filme.” ou “muito político”, sempre feitos por homens, obviamente. O público deixou o produto em si em segundo plano, para poder criticar a produção.

“É claro que eu apoio o ‘direito dos homens’…” (Foto: Reprodução)

O que causou reboliço

Brie Larson se destacou em 2015 com o filme O Quarto de Jack, que lhe rendeu o Oscar, o Globo de Ouro e o BAFTA na categoria Melhor Atriz, além do SAG de Melhor Atriz Principal. E, incontestavelmente, ela trouxe a atuação marcante para o MCU (Universo Cinematográfico Marvel), junto com uma mensagem — mesmo que um tanto genérica — de feminismo. Se comparado com Pantera Negra (2018), que trouxe a luta da comunidade negra para as telonas de uma maneira bem explícita e lotada de referências, Capitã Marvel retratou sim o feminismo, mas sem dar nome aos bois.

Carol luta contra a manipulação de um homem, que tenta diminuir os seus poderes e controlá-los, é condenada por seus sentimentos e é constantemente subestimada em suas missões por conta de seu gênero; traços clássicos do machismo. Ela enfrenta situações que um super-herói homem não enfrentaria, e como qualquer outra mulher precisa provar o dobro de sua capacidade.

A verdade é que durante dez anos, nós mulheres fomos obrigadas a assistir aos homens salvando o mundo. Eram histórias escritas, dirigidas, produzidas e estreladas por eles. Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, papéis foram invertidos, e foi a vez dos homens ficarem na plateia.

“… o direito dos homens calarem a p**** da boca!” (Foto: Reprodução)

Carol Danvers é um excelente primeiro passo

A Capitã é uma ótima primeira protagonista para as super-heroínas. O filme manteve o ar debochado das histórias em quadrinhos, refinando seu humor sarcástico; nada de piadinhas bobas. A construção da personagem foi esmagando estereótipo a torto e à direito. Sua postura quanto à filha da melhor amiga Maria Rambeau (Lashana Lynch), Monica Rambeau (Akira Akbar) era a oportunidade perfeita para enfiar um instinto maternal goela abaixo, mas isso não acontece. Monica admira sua amiga como a mulher poderosa que é, bem longe de qualquer ligação à maternidade, elas se tratam como amigas, de igual para igual.  

A escolha dos figurinos também é algo que discretamente muda muita coisa. Quando não está usando seu uniforme (muito bem desenhado) Vers abusa dos looks dos anos 90, década na qual o filme se passa, porém sempre livre da hiperssexualização. Finalmente roupas apropriadas para cenas de lutas: nada de correr de salto alto, planos fechados nas jeans apertadas ou uma cena em que a personagem deve ser sensual por nenhum motivo aparente. Além disso, Carol também se livra de romances clichês entre companheiros de trabalho; a dinâmica da amizade com Nick Fury (Samuel L. Jackson) é um dos pontos altos do filme.

A relação inesperada entre Nick Fury e o adorável gatinho Goosie é a responsável pelas tiradas mais cômicas do filme. (Foto: Marvel Studios)

A trilha sonora conta com R.E.M, TLC, Nirvana e muitos outros nomes de peso foi a principal ferramenta para contextualizar os acontecimentos dentro da história, que também pode ser notada na juventude dos agentes da S.H.I.E.L.D. É possível perceber o cuidado com a ambientação na cena em que nossa heroína cai em uma locadora Blockbuster (um trocadilho muito bem colocado pelo fato do filme ser um blockbuster) e na icônica referência  a Um Maluco no Pedaço.

As questões em que o filme se mostrou fraco são comuns entre diversos outros filmes do MCU, como por exemplo o CGI (em português Imagens Geradas pelo Computador) exagerado em algumas cenas que aconteceram na galáxia. Nada que comprometa a estreia feminina no Universo Marvel, até porque, nas cenas com a gata Goose, a computação gráfica é quase imperceptível.

Mas os diretores Anna Boden e Ryan Fleck capricharam mesmo quando o assunto são as cenas de machismo. Eles fizeram cenas marcantes, muitas vezes engraçadas, que ridicularizavam os idiotas que se mostravam inconvenientes, sem diminuir nenhuma vez a própria Carol. Também fizeram história com a cena de luta entre a Capitã e uma idosa no metrô. Uma das melhores momentos, sem dúvidas, porque não é todo dia que se vê uma super-heroína enfrentando uma senhorinha fofinha. Engraçada e genial.

MY NAME IS CAROL!!!

A presença da Capitã no Universo amarrou todas as histórias contadas até hoje, principalmente porque ela foi o primeiro contato que Nick Fury teve com super-heróis. E foi nesse filme que descobrimos coisas que o MCU sempre deixou no ar, como por exemplo o motivo de Fury perder o olho e começar a usar o tão característico tapa-olho. Descobrimos também como começou a Iniciativa Vingadores, em uma cena muito bem escrita e marcante, e consequentemente como nasce todo esse universo — se considerarmos a ordem cronológica. E tudo está ligado à história de Carol Danvers.

Não restam dúvidas da importância da Capitã para os dois Universos que habita. No fictício, ela serviu de inspiração para Nick, se mostrou um dos personagens mais poderosos e lutou por mais de uma década para acabar com uma guerra intergaláctica. Na nossa realidade, ela serve de espelho para toda uma nova geração de meninas que se procuram nas telonas. Uma inspiração que eu, por exemplo, sempre procurei na Marvel e nunca encontrei.

É exaustivo ter que ficar provando que o filme é verdadeiramente bom, enquanto outras produções protagonizadas por homens são inferiores em vários sentidos e mesmo assim continuam sendo aclamadas. Homem de Ferro (2008) foi um sucesso de bilheteria e por isso ganhou imediatamente uma continuação, mas Homem de Ferro 2 (2010) é um dos piores filmes já feitos pelo MCU e mesmo assim o estúdio resolveu insistir e lançar Homem de ferro 3 (2013), igualmente um desastre.

Se estivéssemos falando da Viúva Negra (com zero filmes solo) protagonizando uma produção que foi bem abaixo das produções da Marvel, como foi o caso da segunda aventura de Tony Stark, será que ela ganharia, ainda assim, uma continuação? Óbvio que não. O último filme protagonizado por uma mulher que leva o nome do estúdio, Elektra (2005), foi um fracasso e só foram tentar de novo 14 anos depois. Além, é claro, da Vespa, que dividiu os holofotes com o Homem Formiga em 2018.

O que uma super-heroína tem que fazer para ser respeitada? Ser um ser humano incrível antes mesmo de ter poderes? Depois de consegui-los, aprender a lidar com isso sozinha enquanto é manipulada e usada como uma arma? Ser a origem de um Universo de super-heróis que já dura dez anos? Pois bem. Capitã Marvel é tudo isso. E Carol Danvers também.

(GIF: Marvel Studios)

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