As melhores séries de 2017

Até mesmo depois de ampliarmos as listas de final de ano para 10 itens e deixar a cargo de cada participante escrever sobre o seu destaque pessoal, a lista de séries surpreendeu pela variedade: apenas uma obra permaneceu da lista de 2016.

Muita coisa boa ficou de fora, inclusive a animação que ilustra o post (e que proporcionou um dos melhores memes do ano). Mas nossas escolhas refletem um ano cheio de produções promissoras, ótimas temporadas de séries antigas e fortes traços autorais.


American Gods (1ª temporada)

Imagine os Estados Unidos da América sendo preenchid0 em sua construção identitária por imigrantes. Foram milhões que, a muito trabalho e sangue, fizeram o país ser o que é: uma terra de retalhos étnicos, culturais e religiosos. Imagine todas essas fatias trazendo consigo seus próprios mitos passados por gerações e gerações, alimentados pela fé de seus sucessores. Agora, finalmente, imagine isso encerrado no século XXI, destruído invisivelmente pelo Tinder, iPhone e a ascensão da Internet.

Se você não consegue estabelecer as relações, a primeira temporada de American Gods foi feita para ligar esses pontos. Baseado no livro de Neil Gaiman, o absurdo da série está em sua capacidade de colocar em camadas o colapso da construção  da identidade americana. Criativa e visualmente atrativa, sua primeira temporada não é só um estudo da queda da fé nos deuses que fizeram os Estados Unidos grande, mas também um retrato do que é feit0 o país que, atualmente, boia na mão dos mimados millennials e daqueles que ignoram seu passado e querem fazê-lo great again. – Adriano Arrigo


Big Little Lies (1ª temporada)

Um assassinato. Cinco mulheres. Uma cidade no interior da Califórnia. Big Little Lies, minissérie da HBO, contraria o recente histórico da emissora em produções megalomaníacas com histórias de época e repleta de efeitos visuais e nos entrega dramas familiares, passados nebulosos e traumas vividos na pequena cidade de Monterey. Para o projeto, a HBO montou um elenco de peso com nomes como Nicole Kidman, Alexander Skarsgård, Laura Dern, além de Shailene Woodley e Reese Witherspoon.

Inspirada em um livro de Liane Moriarty, a minissérie de David Kelley, que termina em 2018, toca em temas provocantes vividos pelas famílias de Monterey. Ao longo de 7 episódios, o espectador encontra-se submerso em um enredo cheio de tensão que torna claro o grande trunfo da produção nesse ano. A obra é eficaz em criar uma atmosfera de suspense que prende a audiência à tela pela natureza de seus assuntos – que vão de intrigas entre famílias à violência doméstica e estupro – e pela sensibilidade que adota ao tratá-los.

Big Little Lies dá voz às vítimas para expor seus traumas, mas também dá força para combaterem a situação em que se encontram. A receita não poderia ter dado mais certo e é um respiro no ambiente tóxico de Hollywood: a série foi a grande agraciada do Emmy 2017, levando 8 estatuetas para casa. Entre elas, a de melhor minissérie do ano. – Matheus Rodrigo


The Deuce (1ª temporada)

Só quem assistiu a The Wire (HBO, 2002-2008), série criada e roteirizada por David Simon, entende a comoção que se deu pelo anúncio de sua nova empreitada na TV, The Deuce. A esperança era de que o minucioso estudo em forma de ficção que foi The Wire para a temática do tráfico de drogas fosse também aplicado à premissa da nova produção: o início da indústria pornográfica em Nova York na década de 1970.

Felizmente, David Simon não abandonou o viés sociológico e na primeira temporada de The Deuce apresentou um sistema rico de personagens e setores da sociedade. A série demora para adentrar na temática da pornografia, só para mostrar como prostitutas, cafetões, policiais, a máfia, intelectuais e outros atores sociais se relacionavam e criaram condições para a comercialização do sexo. Mas ao contrário do começo vagaroso de The Wire, a nova série de Simon tem uma atração pelo espetáculo, visto que é estrelado e produzido por Maggie Gyllenhaal e James Franco. – Lucas Marques


The Handmaid’s Tale (1ª temporada)

Com a posse de Donald Trump e o caos político generalizado, as distopias artísticas ganharam força novamente. Clássicos tiveram números expressivos de venda, obras novas logo entraram nos trending topics. The Handmaid’s Tale pode ser considerado o melhor de dois mundos neste cenário: a série, transmitida pela Hulu em 2017, é baseada no livro homônimo lançado por Margaret Atwood em 1985.

Os dez episódios da primeira temporada introduzem um futuro misógino, onde a violência simbólica se concretiza de modo assustador. O fanatismo religioso comanda os Estados Unidos, e as mulheres férteis só cumprem a função de perpetuar a raça humana – bela, recatada e do lar. Nesse cenário, debates sobre prostituição, estupro, mutilação genital, tráfico de crianças, escravidão e espionagem são dispostos em narrativa feminista pungente. O espectador não é poupado da brutalidade, seja explicitamente gráfica ou sutil (os planos fechados são constantes, e tão sufocantes quanto no clássico A Paixão de Joana D’Arc).

Com atuações fortíssimas, mise-en-scène e fotografia matadoras, as premiações no Emmy são mais que justificadas. Que a segunda temporada seja ainda melhor, mas permaneça ficção. Pesada e necessária, The Handmaid’s Tale é pauta obrigatória nas conversas sobre grandes séries no ano. – Nilo Vieira


House of Cards (5ª temporada)

Uma corrida contra o tempo pela presidência dos Estados Unidos. Esse é o ponto principal da quinta temporada de House of Cards. O casal Underwood (Kevin Spacey e Robin Wright) está disposto a ir ainda mais longe em busca dos seus objetivos, doa a quem doer. Contra eles, está o governador e típico pai de família, Will Conway (Joel Kinnaman) que sentirá na pele o efeito dos Underwoods.

A nova temporada marcou o ano por trazer manobras políticas tão semelhantes com as que os Estados Unidos viveu com as eleições de Donald Trump e o Brasil com o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. Talvez a realidade tenha sido uma inspiração para os roteiristas da série. Ou, então, apenas uma mera coincidência.

Ainda neste final de ano, as denúncias de assédio sexual por Kevin Spacey abalaram não só os fãs de House of Cards, mas o roteiro de sua última temporada. Sem Spacey na série, 2018 é o ano das expectativas para o desfecho desse castelo de cartas.- Heloísa Manduca


How to Get Away with Murder (4ª temporada)

A quarta temporada de How to Get Away with Murder, como já é de praxe, começa com o gancho encerrado na terceira temporada (no caso, revelando quem foi o(a) mandante do incêndio que matou Wes). No entanto, a série toma novos rumos quando Annalise Keating resolve desfazer seu vínculo empregatício com seus outros quatro alunos. E nisso está a graça da nova temporada.

Ao mostrar a tentativa de independência de Connor, Laurel, Michaela e Asher da mentora, a série acerta em tramas que discutem, entre outras coisas, machismo e dependência química. Porém, ao tentarem ser livres de Annalise, seus ex-alunos descobrem que não conseguem se desligar de sua mestra. O mistério da temporada, que será tradicionalmente revelado no episódio 9, como sempre é instigante e conta com sequências fortes, já que Annalise tenta salvar o bebê (provavelmente) morto de Laurel. Para quem não assistiu a temporada até então, dá tempo de fazer uma maratona. Quem já viu, só resta esperar o próximo dia 18, data de exibição do próximo episódio. – Guilherme Hansen


The Leftovers (3ª temporada)

O terceiro e último ano de The Leftovers trazia muita apreensão sobre que fim teriam os mistérios da série roteirizada por Damon Lindelof, responsável por Lost. Os fãs foram recompensados com uma temporada que não só responde os questionamentos deixados nas anteriores, mas transcende o plot inicial da “partida repentina” com outros mistérios ao longo de sua extensão reduzida, contando com apenas 8 episódios (diferente dos 10 habituais).

A série, que é uma das melhores e menos conhecidas da HBO, traz ao longo de suas três temporadas uma pesada carga dramática e, ao mesmo tempo, a leveza dos momentos de esperança em meio ao caos da realidade vivenciada pelas personagens. O que nos leva a admirar o elenco talentoso, que consegue passar a complexidade de suas emoções e o peso de suas decisões, se tornando sem dúvida um dos pontos mais fortes da produção. Você sofre, fica confuso e respira aliviado com cada um dos personagens. The Leftovers recebeu um final tão bom quanto foram suas duas outras temporadas e merece ser considerada uma das melhores séries do ano. – Gabriel Regis Soldeira


Nathan for You (4ª temporada)

Na quarta temporada do reality de comédia, as ideias de Nathan Fielder para ajudar negócios em crise foram ainda mais absurdas e complexas, indo de um traje térmico especial feito para vender comida dentro de estádios à uma banda criada especificamente para popularizar o detector de fumaça como instrumento musical, de forma a baixar os impostos, em uma paródia das próprias lógicas do capitalismo.

O toque inesperado de genialidade veio no último episodio, “Finding Frances”, lançado como um especial de duas horas. No gran finale, seguimos um sósia de Bill Gates (ou seria um sósia de um sósia?) na sua busca para reencontrar um amor perdido de seis décadas atrás. São nos momentos mais humanos e sinceros que a série atinge seu auge, e “Finding Frances” é permeado pelo sentimento de solidão de todos os personagens e o constrangimento que o acompanha, que chega a níveis brutais com o relacionamento de Nathan com uma acompanhante paga e as descobertas sobre o passado de Bill, muito diferente do relatado pelo próprio.

Com um questionamento de realidade, “realidade” e ficção que não fica atrás de obras-primas como Close-Up, e o apoio de mestres do ofício como Errol Morris (Thin Blue Lines, Fog of War), que escreveu para a New Yorker relatando o porquê do episódio ser sua nova história de amor favorita, “Finding Frances” não é só o melhor da TV, mas também do documentário e talvez até do cinema nesse ano que passou. – Matheus “Copa” Fernandes


Stranger Things 2

Após o sucesso da primeira temporada, os novos episódios de Stranger Things corresponderam às expectativas dos fãs. A segunda parte da série de suspense dirigida pelos irmãos Matt e Ross Duffner manteve as características da produção anterior e se aproveitou de fragmentos da primeira temporada para voltar às aventuras no mundo invertido. Mas o grande feito de Stranger Things 2 reside no desenvolvimento de personagens.

A jovem superpoderosa Eleven e o policial Jim Hopper são esmiuçados ao espectador, enquanto o núcleo adolescente composto por Nancy Wheeler e Steve Harrington evolui de forma adequada. Os quatro amigos, Mike , Lucas, Dustin e Will, também mostram profundidade revelando caráteres contraditórios. Destaque para Will, que agora se integra ao protagonismo da série com uma atuação impressionante de Noah Schnapp. – Victor Pinheiro


Twin Peaks (3ª temporada)

Depois de 25 anos de perguntas sem respostas, a dupla dinâmica Frost-Lynch volta com autonomia total para o universo de Twin Peaks. Apesar do afeto pelo inexplicável, poucos fãs previram a mistura de sensações que os 18 episódios trouxeram. A cidade de Twin Peaks, por exemplo, não é mais o antro de perfeição que se desfaz com a revelação dos segredos das temporadas anteriores. A completa atmosfera da cidadezinha está desregulada: crimes em todo lugar, personagens importantes deixados de lado, franquias invadindo os restaurantes locais etc.

A primeira e segunda temporadas – assim como o filme -, focavam em um caso específico: a investigação da morte de Laura Palmer, que levou a descoberta de um outro mundo com espíritos do “bem” e do “mal”, com doppelgangers e creme de milho; assim como a perda de um dos personagens mais invencíveis no processo.

Na terceira, a prisão desse personagem é usada como premissa, enquanto o universo criado pela dupla se torna muito maior. Ao final do episódio 18, a mitologia se expande para além do controle dos artistas e o seu desfecho repentino acontece como a única solução possível. Faz todo o sentido perceber vários elementos dos filmes surrealistas de David Lynch, já que grande parte dos episódios parece ser o mais puro vislumbre da criatividade do diretor. Diferente de qualquer série ou filme, a última temporada de Twin Peaks inverte o fan service e dá curtos alívios somente para destruir o conceito de zona de conforto. Nostalgia não existe na nova Twin Peaks e a arte flui livre. – Gabriel Rodrigues de Mello

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