Alexander McQueen e os filmes de terror

The Overlook

Matheus Fernandes

Das primeiras versões de Drácula e Frankenstein ao pós-horror atual, de Norman Bates a Patrick Bateman nenhum gênero cinematográfico tem uma preocupação tão grande com a estética de seus personagens quanto o terror. Os looks pensados para simbolizar poder, sensualidade ou transgressão social influenciaram desde subculturas, como o Gótico, até os designers de moda, que utilizam esses temas de forma recorrente.

Nenhum designer porém absorve essa influência de forma tão natural quanto Alexander McQueen, conhecido pela beleza selvagem de influência romântica e vitoriana, sempre exibidas sob um aspecto grotesco. Já em sua primeira coleção, ainda como estudante de St Martins, McQueen se inspira em Jack o Estripador, a maior personalidade vitoriana após a própria rainha, com looks que traziam mechas de cabelo costuradas em meio ao tecido. Desse começo até sua trágica morte em 2010, o designer fez uma série de coleções inspiradas na estética do cinema de terror, listadas aqui em seis momentos distintos:

The Birds – S/S 95

As silhuetas da figurinista Edith Head para Tippi Hedren no clássico de Hitchcock sobre uma cidade atacada por pássaros servem de inspiração para essa coleção. Lee usa a alfaiataria do filme como base para transparências, estampas de inspiração aviária e marcas de pneu que remetem a animais atropelados, que ultrapassam a roupa e cobrem também o chão e o próprio corpo das modelos.

Outro destaque é a presença de Mr. Pearl, importante fabricante de espartilhos, em um look feminino, com uma saia estampada com pássaros, mostrando a tendência transgressora dos desfiles de McQueen. Aparecem aqui também as bumsters, a calça de cintura extremamente baixa criada pelo designer que definiu o estilo dos anos 2000.


The Hunger – S/S 96

Lançado em 1983, o romance erótico entre vampiros lutando contra o envelhecimento propõe uma abordagem alternativa ao gênero, servindo de precursor para filmes como “Amantes Eternos”. A falta de reconhecimento do público e da crítica não impediu o cult vampiresco protagonizado Catherine Deneuve, Susan Sarandon e David Bowie de ser homenageado por McQueen. No mesmo período, Bowie e McQueen colaboraram em uma das peças mais icônicas do designer: o casaco estampado com a bandeira do reino unido, que se tornaria capa do disco Earthlings.

Como não podia deixar de ser, o desfile é dominado pelo tom vermelho do sangue. As roupas são rasgadas, revelando o corpo dos modelos, seguindo a estética que misturava o punk com a violência, típica do designer. Por fim, um espartilho plástico transparente ocupado com minhocas vivas, uma forma de trazer a reflexão sobre a mortalidade do cinema para a passarela.


The Overlook – A/W 99

A coleção, nomeada em homenagem ao hotel onde se passa o filme The Shining, teve como cenário um gigantesco globo de neve, referência ao cenário dos momentos finais da obra de Kubrick.

Do começo, com peças todas em preto, o desfile foi se transformando, passando pelo bege, rosa e cinza, até chegar no branco total, enquanto a nevasca se intensificava. No meio de tudo isso, a passarela ainda se transformou em um rinque de patinação, coreografado ao som de “Midnight, the Stars and You”, principal tema musical do filme. As icônicas gêmeas do filme de terror ganharam sua versão, mas o ponto alto do desfile foram outras peças: o espartilho de alumínio de inspiração tribal, resultado de inúmeras horas de trabalho de seu colaborador frequente, o joalheiro Shaun Leane, e outro espartilho, composto por cristais de quartzo, assinado por Kees Van der Graff.


Supercalifragilisticexpialidocious – A/W 02

Apesar do título remeter a Mary Poppins, a grande inspiração de McQueen para essa coleção é o cineasta Tim Burton, também britânico. Lee viu no estilo gótico e fantástico de Burton a possibilidade de unir inocência e apelo sexual, com uniformes escolares e peças de couro que remetem ao sadomasoquismo, no que o designer define como uma versão “macabra” de Walt Disney.

O look chave da coleção, ambientado no presídio parisiense que abrigou Maria Antonieta, é a Chapeuzinho Lilás de McQueen, com sua capa de couro lilás e botas de cano alto, acompanhada de lobos na passarela.


Deliverance – S/S 04

Apesar de não ser propriamente um filme de terror, “They Shoot Horses, Don’t They?”, o filme de Sidney Pollack sobre a exploração da miséria humana nos concursos de dança durante a depressão norte-americana, talvez seja o mais sombrio dessa lista.

Em seu desfile, McQueen reencenou o concurso de resistência do filme, inicialmente com vestidos glamurosos, progredindo para a dramática cena da corrida entre os participantes, agora em looks esportivos, até o final, onde os modelos vão colapsando um a um por exaustão até restar uma única modelo na dança, que acaba inevitavelmente caindo ao chão, usando o mesmo vestido que abriu o desfile, agora destruído. Uma representação poderosa tanto dos temas do filme, quanto do ritmo acelerado do mundo da moda, que consome modelos, designers e costureiros.


Plato’s Atlantis – S/S 10

A última coleção de Alexander McQueen em vida foi uma de suas mais aclamadas. Unindo a Atlântida de Platão ao aquecimento global, o designer imaginou um mundo submerso, onde as formas de vida precisam adaptar-se e evoluir. Esteticamente, essa evolução aparece nos cabelos, desenhados como barbatanas, na face das modelos, de contornos exagerados pela maquiagem e por implantes, e nos vestidos, hora com estampas que remetem a répteis e escamas, hora emulando os contornos de águas-vivas.

A referência ao horror cinematográfico fica por conta dos calçados. O sapato “Titanic” une um salto articulado e repleto de parafusos de metal e um corpo de couro manchado, unindo natural e artificial, inspirado tanto pelo navio quanto pelo filme “Predador”. Outro sapato da coleção, denominado Alien, busca inspiração nos designs de HR Giger para o filme de Ridley Scott, em uma impressão 3D das formas grotescas e biomecânicas do artista.

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