A comovente Unbelievable é a minissérie mais necessária da temporada

A minissérie é uma adaptação de uma reportagem de 2015, publicada nas organizações ProPublica e Projeto Marshall (Foto: Reprodução)

Isabella Siqueira

A minissérie Unbelievable (no Brasil traduzida como Inacreditável), é o true crime mais inquietante do momento. Indicada ao Emmy 2020, a produção da Netflix que foi lançada ano passado, é tão poderosa, quanto sensível. Com grandes atuações e diálogos que partem o coração, a obra escancara um sistema que a décadas vitimiza milhares de mulheres pela segunda vez.

Em meio a tantos olhares sobre o mesmo tema, Unbelievable se destaca não só pela trama policial, mas pela carga emocional que desperta em quem assiste. A minissérie foi inspirada na reportagem “An Unbelivable Story of Rape”, escrita pelos jornalistas  T. Christian Miller e Ken Armstrong, vencedora do prêmio Pulitzer em 2016. Tanto a série quanto a reportagem exploram a ineficiência do sistema policial, e a falta de proteção a sobreviventes de violência sexual.

Infelizmente a atuação maravilhosa da jovem atriz Kaitlyn Denver não foi considerada para o Emmy (Foto: Reprodução)

Nas entrelinhas a produção abrange muitos problemas silenciados pelas autoridades mas, principalmente, a dor de mulheres que foram ignoradas. Assim, também são tratados de maneira a decadência do sistema americano de adoção, o grande número de estupros nas universidades e a violência doméstica.

A história caminha em duas linhas temporais distintas, mas que se complementam num final impecável, e que alivia depois de oito episódios sufocantes. O primeiro arco acontece em Lynnwood, Washington no ano de 2008. Marie Adler (a protagonista Kaitlyn Denver) é uma sobrevivente de estupro desacreditada pela polícia, obrigada a retirar a denúncia algumas dias depois do abuso.

O impacto da situação da jovem é visto em depoimentos cansativos e traumáticos, esses exemplificam como uma abordagem errônea pode traumatizar pessoas já fragilizadas. Marie é levada a desacreditar na própria história, é exposta pela mídia e lida com investigadores hostis que a tratam como um problema. A incrível atuação de Kaitlyn Denver consegue expressar justamente a confusão e tristeza da personagem.

A dinâmica entre Wever e Collette representa bem a dualidade entre as personagens, enquanto Karen é mais idealista, a detetive Grace é mais prática (Foto: Reprodução)

A segunda trama paralela é mais policial, e acompanha as detetives Karen Duvall (Merritt Wever) e Grace Rasmussen (Toni Collette) investigando crimes recentes no Colorado. Nessa passagem de tempo, que ocorre de 2008 a 2011, é perceptível a diferença de abordagem das policiais mulheres. O cuidado em não pressionar ou aterrorizar a sobrevivente é exibido logo nos primeiros minutos do arco. A dupla não desiste em sua busca por justiça, mesmo nas ruas sem saída que a investigação tem e, sem nenhum sensacionalismo, a minissérie aborda uma apuração complexa e densa.

Os famosos True Crimes sempre conquistaram o público em seus variados formatos, visto que algo no ser humano sempre o atraiu para histórias sombrias e reais. Unbelievable não foi a primeira tentativa do gênero pela Netflix, que ano passado conquistou com a incrível Olhos Que Condenam (2019). Outras obras também se arriscam ao tratar sobre a violência sexual, sempre de formas muito contrastantes. Enquanto a eterna (com 21 temporadas e contando) Law and Order SVU opta por idealizar policiais que lidam com os mais variados casos de abuso. A nova produção da HBO e dirigida pela maravilhosa Michaela Coel, I May Destroy You, escolhe explorar diversos meios do abuso sexual.

Os extenuantes interrogatórios a qual Marie é submetida são exemplos de como muitas vítimas recebem perguntas ofensivas por policiais (Foto: Reprodução)

A obra acompanha uma extenuante investigação real, mas a coloca numa dramatização fictícia que convence por ser diferente de outros dramas policiais vistos por aí. O roteiro e a direção, realizada por  Lisa Cholodenko (The Kids Are All Right), complementam a potência da minissérie. Susannah Grant, Michael Chabon e Ayelet Waldman co-escreveram a obra, e tiveram o cuidado de propor diálogos fortes, mas não exagerados. Muito bem desenvolvido, o roteiro aborda tantas problemáticas com uma sutileza tamanha. E, principalmente, a força do piloto ainda rendeu uma indicação para Melhor Roteiro ao trio pelo episódio.

Contudo, apesar de ser uma das produções mais fortes dos últimos meses, Unbelievable está presente em só quatro categorias no Emmy 2020. Além de concorrer na categoria Melhor Série Limitada, a obra também disputa Melhor Elenco. A veterana Toni Collette, já vencedora de um prêmio Emmy em 2009 pela série United States of Tara, concorre como Melhor Atriz Coadjuvante pelo papel da centrada detetive Grace. Mas, apesar da performance sensacional de Kaitlyn Denver, a atriz que ano passado estrelou a comédia Booksmart, não conseguiu uma indicação.

A participação de Danielle Macdonald (Dumplin’) também merece uma menção, em poucas cenas a atriz passa toda a vulnerabilidade de uma sobrevivente (Foto: Reprodução)

A produção não conta apenas com performances impecáveis, mas entrega uma mensagem necessária e direta. E ao optar sabiamente por não utilizar cenas de estupro como um recurso vazio, a obra acaba por tecer uma narrativa onde todas as nuances sobre essa violência são abordadas com muita delicadeza. E, principalmente, retrata como diferenças de abordagem e um tratamento agressivo a sobreviventes criam inúmeras consequências na vida de mulheres pelo mundo todo. Unbelievable é uma forte história sobre traumas e erros, e como a personagem Marie mesma diz: “(…) se a verdade é inconveniente, se a verdade não faz sentido, elas não acreditam”.

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