The Post – A Guerra Secreta: um filme fraco para uma personagem forte

Hanna Queiroz

The Post – A Guerra Secreta, o novo filme de Steven Spielberg, retrata um episódio da imprensa norte-americana que denunciou pela primeira vez as contradições da participação dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. Expondo mentiras, omissões e manipulação, o The New York Times publica documentos secretos e é processado pelo governo Nixon. Mesmo com o jornal na corda bamba da justiça e a liberdade de imprensa sendo ameaçada, o jornal The Washington Post tem a chance de publicar mais material de teor privado e denunciativo. É aí que entra o importante dilema de Kay Graham (Meryl Streep), dona do jornal: decidir publicar e correr o risco de afundar seu amado jornal de família em um processo judicial, ou não publicar e deixar que a repressão do governo censure a imprensa.  

A escolha do elenco é uma das partes fundamentais para o sucesso ou fracasso de um filme, além de revelar a representatividade – ou falta dela – das minorias da sociedade. Assim como Corra! aborda o racismo e Me Chame pelo seu Nome normatiza relações homoafetivas, The Post fala sobre mulheres fortes. Apesar do elenco ser predominantemente masculino, a presença de Kay Graham como dona do Washington Post em meio a editores, banqueiros e advogados reafirma o quanto é difícil conseguir respeito e autoridade enquanto homens duvidam o tempo todo de suas decisões. Grande parte dessa descrença em Kay é porque seu pai não deixou o jornal como herança para ela, mas sim para o seu marido. Mesmo com essa tentativa de excluí-la no mercado de trabalho, a filha assume a responsabilidade quando o companheiro comete suicídio – e acaba provando, finalmente, que o jornal é seu.

Mulher de negócios: Kay Graham (Meryl Streep) tem de se impor diante de ambientes masculinos (Reprodução)

Ganhador de dois Oscars como Melhor Diretor, Steven Spielberg é conhecido por criar personagens masculinos memoráveis: Indiana Jones, Viktor Navorski (O Terminal), Frank Abagnale Jr. (Prenda-me se for capaz), Abraham Lincoln (Lincoln). E, agora, Kay Graham. No começo confuso em meio a tantos nomes se entrelaçando, a insegura personagem de Streep traz a ilusão de que a atriz não está dando o melhor de si. Mas o crescimento da personagem é para acontecer assim mesmo, gradativa e perceptivelmente. A mulher hesitante, que não consegue falar uma só palavra em reuniões com banqueiros, é obrigada a se tornar firme frente a ameaças judiciais. A partir dali, suas decisões são respeitadas. Infelizmente, ser mulher ainda é isso: precisar se impor – e nunca errar – para sua capacidade não ser questionada.

Apesar do crescimento da personagem, Streep já esteve melhor em outros filmes, como A Dama de Ferro, de Phyllida Lloyd, que assegurou a ela o Oscar de Melhor Atriz em 2012 interpretando Margaret Thatcher. No papel de Kay Graham, contudo, Streep não é uma das apostas certeiras para o Oscar de melhor atriz deste ano, até porque será difícil concorrer com a doçura de Sally Hawkins (A Forma da Água) e a autenticidade de Frances McDormand (Três Anúncios para um Crime).  

Filmes de grandes casos jornalísticos costumam agradar a Academia. Em 2016, Spotlight – Segredos Revelados, de Tom McCarthy, levou a estatueta de Melhor Filme. O caso do escândalo de pedofilia por padres em Boston chocou o país e levantou questões acerca da instituição da Igreja e seus valores. No filme, a única mulher é Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams), rodeada de editores, jornalistas, advogados, e, é claro, padres. Todos homens. A capacidade de Sacha em nenhum momento é posta em cheque, diferentemente de Kay Graham, mas a falta de representatividade feminina nas salas de redação e nos cargos de liderança é igualmente inquietante.

Outra ligação entre os filmes é que o editor do Boston Globe em Spotlight é Ben Bradlee Jr., filho do Ben Bradlee de The Post, interpretado por Tom Hanks. Inclusive, não é a primeira vez que o The Washington Post ganha um filme sobre si. Todos os Homens do Presidente, de Alan J. Pakula, também narra um dos grandes episódios do jornal: a denúncia do caso de Watergate, que teve a mesma Kay por trás das decisões. The Post se passa um ano antes do escândalo, na década de 70, e critica o mesmo governo, com Richard Nixon na presidência. Sendo o único presidente dos EUA a renunciar o cargo, é fácil de entender porque os diretores de Hollywood gostam do assunto.

Com um trailer que promete muito mais do que o filme oferece e direção e elenco que não deveriam deixar nada a desejar, The Post recebeu apenas duas indicações (Melhor Filme e Melhor Atriz). Seria justa uma indicação a Melhor Figurino, mas o veterano Spielberg realmente não conseguiu fazer um trabalho que alcançasse sua maestria do passado.

Deixe uma resposta