Summer of Soul… ou, Quando o Sonho se Tornou Possível

Cena do filme Summer of Soul. Na fotografia retangular colorida, vemos centenas de pessoas negras vestindo roupas populares nos anos 1960, que são camisetas listradas, blusas com golas grandes e óculos redondos. As três mulheres negras que estão à frente da fotografia possuem cabelos crespos e grandes, de cor preta, e vestem respectivamente uma camisa preta com uma blusa azul sobre os ombros; uma camiseta listrada; e uma blusa de couro marrom com detalhes em cor branca.
Vencedor do BAFTA de Melhor Documentário, Summer of Soul (…Or, When the Revolution Could Not Be Televised) é o favorito na mesma categoria do Oscar 2022 [Foto: Hulu]
Bruno Andrade

O ano é 1969. Seria mais um verão qualquer, não fosse as mais de 300 mil pessoas reunidas em seis finais de semana consecutivos nos Estados Unidos, envoltas por música, dança e fortes discursos indignados que sucederam o assassinato de Martin Luther King Jr. (após uma sequência de homícidios políticos com motivações racistas, de Malcolm X à posterior morte de Bobby Kennedy – e tantos outros). Mas ao contrário do que se possa imaginar, não se trata do famigerado festival de Woodstock, pois esse, apesar de dominar a cultura popular, aconteceu em somente quatro dias (15 à 18 de agosto de 1969). A 160 km dali, no antigo bairro periférico do Harlem, estava acontecendo uma revolução não televisionada. Indicado ao Oscar 2022 na categoria de Melhor Documentário, Summer of Soul (…ou, Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada) traz à tona os registros do Festival Cultural do Harlem, um marco histórico na Música que se seguiu esquecido; até agora.

Continue lendo “Summer of Soul… ou, Quando o Sonho se Tornou Possível”

Belfast: vá agora e não olhe para trás

Cena do filme Belfast. Na cena, em preto e branco, da esquerda para a direita, vemos a personagem de Judi Dench, Buddy e o personagem de Ciarán Hinds sentados em um sofá, em uma sala de estar de uma casa. Judi Dench é uma mulher branca de cerca de 80 anos, com cabelos curtos e lisos, usando óculos de grau, um casaco escuro e um vestido claro, sentada na ponta esquerda do sofá e segurando um jornal aberto. Sentado no meio do sofá, vemos Buddy, um menino de cabelos claros, aparentando cerca de 9 anos, vestindo um suéter e um casaco escuro. Ele tem seus pés esticados sob uma mesa, à frente dele. Na ponta direita do sofá, vemos o personagem de Ciarán Hinds, um homem branco, de cerca de 70 anos, vestindo um casaco, suéter e calça escuros. Ele encara Buddy e tem um jornal aberto sob suas pernas.
Vencedor do importante Prêmio do Público no Festival de Toronto, Belfast chega como um forte concorrente no Oscar 2022 (Foto: Universal Pictures)

Vitória Lopes Gomez

Belfast ainda estará aqui quando você voltar”. Dito e feito: o bom filho à casa torna e o ator, diretor, roteirista e produtor Kenneth Branagh usou seu espaço na Sétima Arte para reviver a infância na sua familiar vizinhança. Irlandês, o cineasta se mudou para a Inglaterra aos nove anos de idade, em um período em que seu país e cidade natal enfrentavam os conflitos entre católicos e protestantes. Branagh, um dos principais entusiastas shakespearianos da indústria cinematográfica, entre outras diversas produções no currículo, se voltou, agora, à sua própria história. Com um molde autobiográfico, Belfast relembra os dias de seu idealizador na cidade, mesmo que a nostalgia não seja tão simples.

Continue lendo “Belfast: vá agora e não olhe para trás”

Licorice Pizza: os amores possíveis sob o olhar de Paul Thomas Anderson

Cena do filme Licorice Pizza. Na imagem retangular colorida, os atores Cooper Hoffman e Alana Haim correm lado a lado. Cooper é um jovem branco, possui cabelos ruivos e olhos castanhos, e veste uma camisa azul de mangas curtas, uma camiseta de cor branca e uma calça bege. Ele está com a cabeça inclinada para a esquerda, olhando para Alana. Ela é uma mulher branca, possui cabelos castanhos e olhos azuis, e veste um cropped com estampas floridas, de cores roxas, azul e branco. Os dois estão sorrindo com os dentes à mostra, e ao fundo há um campo de cor verde.
Indicado em três categorias no Oscar 2022, Licorice Pizza é uma reflexão sobre crescer e viver em um mundo problemático (Foto: Universal Pictures)

Bruno Andrade

No início dos anos 1970, os Estados Unidos começaram a receber as primeiras respostas negativas à efervescência cultural que se deu na década anterior. Após as aberturas políticas e libertárias que se estabeleceram como força motriz da sociedade civil organizada – além de manifestações políticas profícuas e históricas –, o país começou a enfrentar uma diminuição do interesse público nas políticas liberais e de contracultura. Na esteira, ainda estava por vir a quebra da coletividade e do bem comum que nortearam os ideais hippies anos antes. O neoliberalismo ganhou força popular, Richard Nixon chegou à presidência (1969-1974) e o culto da imagem se estabeleceu – algo que Guy Debord já alertava em A Sociedade do Espetáculo (1967). Mas ao contrário do que se pode imaginar, quando nada pode acontecer, tudo é possível de novo.

Esse é o caótico cenário cultural de Licorice Pizza, 9º filme do diretor Paul Thomas Anderson (PTA), estrelado por Cooper Hoffman e Alana Haim, ambos estreantes em longa-metragens. Lançado nos EUA em novembro de 2021, a trama traz Gary Valentine (Hoffman), um jovem ator de 15 anos com verve de pequeno empreendedor, e Alana Kane (Haim), uma mulher de 25 anos perdida sobre o futuro, vivendo em meio aos conflitos sociais – e geracionais – de 1973. A obra concorre no Oscar 2022 como Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro Original – categoria em que é um dos favoritos à estatueta.

Continue lendo “Licorice Pizza: os amores possíveis sob o olhar de Paul Thomas Anderson”

Identidade: quanto vale o pertencimento?

Cena do filme Identidade. Na imagem aparecem os rostos das personagens Irene Redfield, interpretada por Tessa Thompson, e ao seu lado Clare Bellew, interpretada por Ruth Negga. A fotografia é em preto e branco e as duas estão de perfil, Irene usa um chapéu com tons escuros e Clare usa um com cores claras, ao fundo a comunidade do Harlem aparece embaçada.
Identidade foi lançado pela Netflix em 2021 e marca a estreia de Rebecca Hall como diretora (Foto: Netflix)

Jamily Rigonatto 

Em uma sociedade que precifica os seres humanos e os valoriza de forma desigual, vale a pena vender sua própria veracidade por dignidade plastificada? Caso esse não seja o principal questionamento inspirado por Passing – traduzido no Brasil como Identidade – com certeza é um de seus pilares. O longa-metragem lançado em novembro de 2021 na Netflix é um retrato delicado do quanto a sua própria pele pode ser sufocante em uma sociedade estruturada pelo racismo. O filme é a adaptação audiovisual do livro de mesmo nome escrito por Nella Larsen, e é também o trabalho de estreia da atriz Rebecca Hall como diretora.

Continue lendo “Identidade: quanto vale o pertencimento?”

Quo Vadis, Aida? e a impotência perante um genocídio

Cena do filme Quo Vadis, Aida?. Nela vemos Aida, uma mulher branca, de olhos claros e cabelo castanho curto. Ela veste roupa azul claro e um crachá azul escuro. Ela está olhando fixamente para frente. Na sua frente há grades marrons. O fundo é desfocado em tons de azul.
A potente atuação de Jasna Djuricic nos coloca em movimento mesmo assistindo a tela estáticos no candidato da Bósnia ao Oscar 2021 (Foto: Condor Distribution)

Ana Júlia Trevisan

O que seria das premiações sem os filmes de guerra? Em 1971, Patton venceu a categoria de Melhor Filme do Oscar; em 1994 foi vez do genial A Lista de Schindler levar a estatueta, e em 1999 O Resgate do Soldado Ryan garantiu a indicação no prêmio mais importante da noite; já em 2018, dois filmes bateram ponto no tapete vermelho: Dunkirk e O Destino de uma Nação. Em 2020, o Globo de Ouro até tentou emplacar os soldados de 1917, mas não ficou nem com cheiro perto do imbatível Parasita. No atípico 2021, temos escassez nos filmes de confronto armado, mas Quo Vadis, Aida? vem pra cobrir essa lacuna e impactar a quem assiste. 

Baseado em fatos reais, a história se passa em Srebrenica, uma pequena cidade do leste da Bósnia e Herzegovina onde, em 1995, houve um massacre de civis. A produção faz um recorte focado nesse genocídio que ocorreu no município. Não há breve introdução ao assunto, somos colocados no meio da guerra e podemos esperar o pior, com famílias completas se refugiando na base da Organização das Nações Unidas, para escapar da ameaça de morte da Sérvia, que militarizava várias regiões do país.

Continue lendo “Quo Vadis, Aida? e a impotência perante um genocídio”

Meu Pai é um retrato fiel sobre velhice, perda de memória e cuidado

[Foto retangular de divulgação do filme Meu Pai. À esquerda temos Olivia Colman. Uma mulher branca, de cabelo curto, na altura da orelha e preto. Seus olhos são castanhos e ela veste uma blusa azul escuro. À direita temos Anthony Hopkins, um homem branco, de 83 anos, seu cabelo é branco e seus olhos azuis. Ele veste paletó preto e camisa xadrez de azul e branco. Na parte central lê-se em branco THE FATHER. O fundo é uma janela com cortinas abertas e ao lado direito um quadro. Todos com tons de azul.]
Adaptado do teatro, dirigido pelo estreante Florian Zeller e com a melhor atuação de Anthony Hopkins, Meu Pai concorre a 6 categorias no Oscar 2021 (Foto: Sony Classics)
Ana Júlia Trevisan

A perda de memória a curto prazo, problemas cognitivos, esquecimento do local onde guardou objetos de valor, repetição da mesma frase ou pergunta, esquecer o nome de parentes, esses são alguns dos sintomas característicos das fases iniciais do mal de Alzheimer, doença que foi respeitosamente retratada em Meu Pai (The Father). Adaptação da premiada peça de teatro O Pai, o filme tem a direção brilhante de seu dramaturgo Florian Zeller, considerado pelo The Times: “o mais emocionante do nosso tempo.”

Continue lendo “Meu Pai é um retrato fiel sobre velhice, perda de memória e cuidado”