Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime e a tentativa de justificar um homicídio

Aviso: o texto a seguir apresenta conteúdo violento que pode servir de gatilho a alguns leitores.

Cena da série documental Elize Matsunaga: Era uma vez um crime. Na imagem encontra-se Elize, uma mulher branca de cabelos lisos e loiros, ela está com o olhar de lado e com uma expressão ríspida. Usa um vestido preto decotado e de mangas curtas. Ao fundo está uma floresta desfocada.
O caso da morte de Marcos Matsunaga é revisitado na nova série documental do Netflix (Foto: Netflix)

Ma Ferreira

Em 2012, o empresário Marcos Matsunaga foi morto e esquartejado por sua esposa, Elize Matsunaga. O crime recebeu muito apelo midiático na época e ficou conhecido como Caso Yoki, por conta da empresa alimentícia coordenada por Marcos, que também era herdeiro. Na série investigativa Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime, da Netflix, Elize fala pela primeira vez à uma reportagem a sua versão dos fatos. A produção entrevista amigos do casal, jornalistas que acompanharam o desenrolar das investigações e do julgamento, os advogados, o promotor e o delegado do caso. 

A série documental narra, ao longo de quatro capítulos, todas as nuances que envolvem o crime, deixando alguns questionamentos ao telespectador. Não há na série a pretensão de refazer o julgamento de Elize, mas sim revisitar os acontecimentos, mostrando como era o relacionamento do casal, quais as hipóteses relacionadas ao assassinato, as contradições apresentadas à época do julgamento e como a narrativa foi abordada pela mídia. A família de Marcos aparece por meio de gravações dos relatos feitos no julgamento, não contribuindo com a produção de Gustavo Mello.

Cena da série documental Elize Matsunaga: Era uma vez um crime. Na imagem encontra-se Elize Matsunaga à esquerda, uma mulher branca de cabelos lisos e loiros, ao seu lado encontra-se Marcos Matsunaga, um homem branco, com traços orientais, usando um óculos quadrado e com expressão sorridente. Ele aparenta ser mais velho que Elize.
A vida do casal Matsunaga foi alvo de especulação da mídia (Foto: Netflix)

“Ela vivia uma vida de princesa” 

A Promotoria, advogados de acusação e amigos contaram a narrativa da Cinderela. Elize teria uma vida maravilhosa após o casamento, sendo muito amada e tendo tudo o que queria. O casal compartilhava de viagens, caças de animais como cervídeos, porte de diversos tipos de armas, uma coleção luxuosa de vinhos e por aí caminhavam seus gostos excêntricos. Nesta visão dos fatos, ela teria agido por ganância e medo de perder uma vida de “princesa”, e por isso teria cometido tal absurdo.

“Eu tirei você do lixo

Na versão apresentada por Elize, o marido era controlador e agressivo, fazendo com que vivesse sob constantes ameaças à sua integridade física. Ela havia descoberto uma traição por meio de um detetive contratado, estava magoada e temia pelo futuro de sua filha. Em uma discussão acalorada, ela haveria efetuado o disparo com um dos revólveres que tinham em casa. Depois, como um meio de se livrar do corpo, esquartejou-o e separou o mesmo em sacos que posteriormente distribuiu em uma estrada que levava a cidade de Cotia, São Paulo.

Cena da série documental Elize Matsunaga: Era uma vez um crime. Na imagem encontra-se Elize Matsunaga à esquerda, uma mulher branca de cabelos lisos e loiros, usando um chapéu branco e um óculos de sol, no lado direito está Marcos Matsunaga, um homem branco, com traços orientais, usando um óculos quadrado, ele veste uma blusa polo branca com listras pretas. Eles estão em um ambiente turístico, com uma construção em ruínas ao fundo. O local é aberto e bem ensolarado.
A família e os amigos de Marcos alegam que Elize levava uma vida de princesa (Foto: Netflix)

Por meio dessas narrativas principais, se desenvolvem relatos e falas dos entrevistados que alimentam alguns preconceitos, visões extremamente machistas e grandes julgamentos morais. Salienta-se que as interpretações dos entrevistados buscam fazer com que quem assiste procure fazer a sua reflexão sobre o que é narrado e principalmente repensar o caso com sua própria perspectiva. Apesar da narrativa aqui realizar entrevistas com os relacionados ao evento, como faz O Caso Evandro, não espere dessa produção a mesma responsabilidade ao contar esse enredo.

Alguns temas importantes são levantados aqui, como os ataques machistas que Elize sofre da imprensa, da família Matsunaga e mesmo da Promotoria por ser uma ex-garota de programa. Dentro dessa visão, seu caráter é julgado e ela é primeiramente condenada pela mídia. O caso envolve um grande empresário, e nesse sentido, julgava-se que Marcos fosse muito melhor como pessoa do que a esposa, devido a toda a educação e criação familiar que recebeu durante sua vida.

Cena da série documental Elize Matsunaga: Era uma vez um crime. Na imagem encontra-se Elize Matsunaga à esquerda, uma mulher branca de cabelos lisos, loiros e presos em um rabo de cavalo baixo, veste uma roupa clara e um blazer preto e se encontra sentada ao lado de sua advogada. Elize está com uma expressão triste e de cabeça abaixada. A advogada é loira, de cabelos lisos, está vestida de toga, com uma expressão séria e à sua frente está um microfone e as várias laudas dos autos dos processos em sua mesa.
Cenas do julgamento de Elize são misturadas com relatos gravados dos envolvidos na série documental (Foto: Netflix)

A série, com direção de Eliza Capai, acerta em mostrar algumas questões como a misoginia judicial e o tratamento diferenciado que a investigação têm por se tratar de um assassinato de uma pessoa de grandes posses. Entretanto, talvez para a infelicidade desta produção, recentemente tivemos o lançamento de O Caso Evandro, que aborda de maneira mais aprofundada e respeitosa um caso criminal brasileiro famoso. Os graves erros de Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime são as escolhas de falas, o que faz com que alguns dos envolvidos fiquem com ar de personagens caricatos e até mesmo com um tom cômico, o que não deveria ocorrer neste tipo de narrativa. 

Algumas perguntas, respondidas tanto por Elize como pelos amigos de Marcos, com meias respostas, demonstraram a compulsão do empresário por pornografia, podendo até levar o espectador a pensar que ele teria se envolvido com crimes sexuais, o que não foi investigado e julgado neste caso, não sendo uma pauta necessária à série. O tom de mistério a alguns discursos poderia ter sido apenas retirado na edição final, focando em aspectos de discussão relevantes, como os preconceitos e a violência contra a mulher.

Inicialmente, a abordagem da narrativa tenta justificar o ato cometido por Elize, como sendo ou matar ou esperar ser morta, quando alguns outros relatos da narrativa levam a outros caminhos. É certo que a produção tem a intenção de fazer quem assiste repensar sobre todos os eventos, mas tentar explicar as motivações que levam uma pessoa ao assassinato não deveria ser um dos caminhos, afinal, elas não diminuem a gravidado do ato. A série é interessante para os que gostam do gênero, mas deve-se ir com poucas expectativas e ter um olhar crítico acerca das escolhas narrativas e de debate aqui apresentadas.

Cena da série documental Elize Matsunaga: Era uma vez um crime. Na imagem encontra-se Elize Matsunaga, uma mulher branca de cabelos lisos, loiros e presos em um rabo de cavalo, ela veste uma jaqueta verde musgo e está de costas, junto a ela estão três malas de tamanhos médios e pretas.Ela está em um elevador com as portas fechadas. A imagem não está bem focada e apresenta uma vista de cima, interna do elevador.
As cenas da câmera interna do prédio, do elevador, auxiliaram na investigação e foram amplamente divulgadas pela mídia (Foto: Netflix)

Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime narra a história da Cinderela que teve seu castelo incendiado pela violência psicológica e física de seu casamento. A todo momento a série brinca com essa perspectiva, apresentando elementos dos contos de fadas, como por exemplo, cenas com Elize em uma floresta, trilha sonora como se fosse de uma caixinha de música antiga. É irresponsável na forma como traz as pautas feministas na problematização e na justificativa de algumas ações. E ao se focar nisso, esquece de trazer a problemática principal, a ocorrência de um homicídio de forma responsável, tentando assim justificar o injustificável.

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