E foi no meio da loucura da maratona do Oscar 2021 no Persona, que trombamos com o maior festival de cinema fantástico da América Latina. Chegando na sua 17ª edição, o Fantaspoa, Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre, foi realizado entre os dias 9 e 18 de abril, acumulando mais de 160 filmes entre longas e curtas para os amantes do gênero fantástico – que abrange o horror, o thriller, a ficção-científica e a fantasia. Pela segunda vez, o festival foi virtual, em decorrência da interminável pandemia de coronavírus, e gratuito, para que todos pudessem assistir as obras provenientes de mais de 40 países do globo.
Em um mundo pré-apocalíptico, o Fantaspoa ocorria anualmente na cidade de Porto Alegre desde o ano de 2005. Em 2021, quase completando a maioridade, o festival ofereceu debates com cineastas, discussões sobre a inclusão no audiovisual, exposição a respeito do trabalho de mulheres no mundo do fantástico e até uma festa online. A arte da vez, utilizada para a própria arte desse post, foi criada pelo artista Renan Santos como uma referência aos 17 aninhos do festival, intitulada Reflexo. Já o lettering foi desenvolvido pelo diretor de arte Thalles Mourão, que também usou um aspecto refletido para retomar o gênero do evento.
Através da plataforma Wurlak/Darkflix, assistimos um pouco de tudo: filmes nacionais, internacionais, animados, psicodélicos, bizarros, medonhos e hilários. A curadoria trouxe peças singulares, inclusive a tão esperada disponibilização da obra Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-Feira 13 do Verão Passado, a quase folclórica produção de Felipe M. Guerra que, no seu aniversário de 20 anos, ganhou uma reedição só para o festival. Entre os premiados, O Cemitério das Almas Perdidas recebeu do júri a consagração de Melhor Diretor para Rodrigo Aragão dentro da Competição Ibero-Americana e História do Oculto levou Melhor Filme e Melhor Roteiro.
A cobertura foi singela – cerca de ¼ do Fantaspoa está registrada abaixo pelas palavras de Caroline Campos, Vitor Evangelista e Vitor Tenca. O material disponível sobre as produções é escasso, então angariar informações se tornou uma parte extra da cobertura na hora da realização dos textos. O resultado, no entanto, foi divertido e satisfatório, especialmente pela oportunidade de se deparar com tantas obras únicas, sejam elas maçantes ou extraordinárias. Abaixo, você confere um pouquinho da grandiosidade criativa da 17ª edição do Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre.
Longas
Competição Internacional
Querida, Você Não Vai Acreditar (Zhanym, ty ne poverish, Yernar Nurgaliyev, Cazaquistão, 2020)
Como explicar para sua esposa briguenta que você perdeu o parto do seu filho E sua aliança porque presenciou um assassinato, foi perseguido por caras armados, sequestrado por uma família de pervertidos e ainda acabou na casa de um maníaco caolho? Não foi uma tarefa fácil para o protagonista de Querida, Você Não Vai Acreditar, longa cazaque dirigido por Yernar Nurgaliyev. Depois de arriscaram um passeio de pescaria, três melhores amigos se enfiam nessa bagunça sangrenta em que o único objetivo é sobreviver da sequência de doidos que cruzam seus caminhos.
No entanto, todos os personagens da produção são hilários e as trapalhadas poderiam ter saído diretamente de uma comédia da Globo, mas só se o estúdio arriscasse em litros de sangue e violência gráfica. Os membros decepados e as mutilações, no entanto, contribuem para a trama caminhar e deixam até as cenas assustadoras, divertidas – mérito do time de atores que encaixa perfeitamente em cada papel designado. O roteiro, assinado por uma boa galera (Zhandos Aibassov, Yernar Nurgaliyev, Daniyar Soltanbayev, Il’yas Toleu, Anuar Turizhigitov e Alisher Utev), não perde o ritmo em nenhum momento, criando a tensão cômica em cada encontro do trio com qualquer um dos esquisitos. Genuinamente engraçado, Querida, Você Não Vai Acreditar entra para a lista dos favoritos no Fantaspoa XVII. – Caroline Campos
Corte Profundo (It Cuts Deep, Nicholas Santos, EUA, 2020)
Para quem imagina que ao entrar em um festival como o Fantaspoa só nos deparamos com filmes indie e alternativos, se espanta com a qualidade de Corte Profundo. O longa, dirigido e roteirizado por Nicholas Santos, se assemelha mais a um blockbuster com sua ideia simples e bem elaborada ao mesmo tempo. Enquanto acompanhamos o que aparenta ser mais um filme de assassino a solta sem motivo algum para matar, vamos recebendo dicas para desvendar o mistério e também muitas risadas, visto que o filme é categorizado como um horror-comédia.
O enredo, porém, sofre do mal de uma vítima que não consegue convencer ninguém, seja o telespectador, o possível assassino e até a própria namorada. Charles Gould dá vida a Sam, nosso assassino sem noção na hora das piadinhas, enquanto a certeira Quinn Jackson interpreta Ashley, e transmite um único sentimento: pena, por uma mulher conformada com o pior. E o final não poderia ser outro. No melhor estilo A Morte do Demônio, vemos Ashley sair mancando pelas ruas com a cara toda ensanguentada com sangue do machete. – Vitor Tenca
Sangre Comigo (Bleed with Me, Amelia Moses, Canadá, 2020)
Sangre Comigo só funcionaria se nós sentíssemos algum tipo de empatia por sua protagonista. Ou por qualquer personagem em tela. O longa canadense, que acompanha a viagem do casal Emily e Brendan com a amiga Rowan para uma cabana na floresta, começa bem. Ficamos curiosos em relação às interações do trio, a tensão aumenta bem devagar e passamos a acreditar que as coisas vão piorar a qualquer momento. Bem, nada acontece. Rowan, interpretada por Lee Marshall, é uma jovem introvertida e apática em contraposição a simpática Emily, vivida pela melhor atriz do elenco, Lauren Beatty. É Emily que convence o espectador a duvidar realmente dos acontecimentos, com pequenos relances de olhar e mudanças no tom de voz.
Amelia Moses é talentosa na direção, mas seu roteiro não convence. Apesar das cenas noturnas sugerirem alucinações de Rowan, os conflitos nunca dão partida. Brendan, que até se destaca pela atuação de Aris Tyros, não chama a atenção no meio das atrizes. Essas, por sua vez, ficam numa lenga-lenga cansativa envolvendo algum tipo de vampirismo ou, quem sabe, um pé na esquizofrenia. Mesmo que a obra não seja de se jogar fora – a primeira metade é bem interessante -, no fim das contas, o filme caminha para lugar nenhum. – Caroline Campos
Post Mortem (Idem, Péter Bergendy, Hungria, 2020)
Toda a trama por trás de Post Mortem é genial, afinal, quem não se interessaria em explorar o mundo sangrento e mortal da Europa pelas lentes de um fotógrafo… de mortos. Dirigido por Péter Bergendy, o longa húngaro conta uma história de fantasmas e espíritos um pouco diferente das demais, já que trabalha na área de fotografia post-mortem, ou seja, de pessoas já falecidas. No entanto, o ato que serviria para suprimir a dor de famílias que perdiam pilhas de familiares causa justamente o oposto. As sombras que começam a aparecer em frente aos corpos pálidos das fotografias torturam e são torturadas, dando força ao clima macabro e visual mórbido do filme.
Porém, mesmo com uma ideia extraordinária, ainda assim é necessária uma boa execução. O filme peca em seu caráter maçante e muitas vezes devagar, já que os 115 minutos de tela parecem ser muito tempo a mais. Outro motivo desconfortante é a relação entre os dois personagens principais, visto que essa ligação é criada literalmente a partir de mágica. No geral, Post Mortem carrega com si muitos pontos positivos, mas acaba pecando mais do que acerta. Talvez Tomás devesse se dedicar apenas às fotos, e deixar a profissão de caça-fantasmas para outro. – Vitor Tenca
Fazendo Companhia (Keeping Company, Josh Wallace, EUA, 2021)
O quão longe você iria por seu emprego? Para Sonny (Devin Das), até onde fosse necessário. Traumatizado pelo relacionamento com o pai, o vendedor de seguros é capaz de tudo para conseguir a promoção na Seguradora Caste e provar que é o melhor no que faz. Seu parceiro é o gentil e carinhoso Noah (Ahmed Bharoocha), que, prestes a ser pai, acredita que Sonny é seu melhor amigo. O problema só acontece quando a dupla resolve bater na porta errada. Lucas (Jacob Grodnik) vive com sua amada Vovó (Suzanne Savoy) e ambos têm como objetivo limpar as ruas da escória marginal. No meio do caminho, Sonny e Noah se juntam aos traficantes e sem-teto, todos presos no porão da família de bem.
Josh Wallace não só dirige, como também roteiriza essa obra hilária sobre esperança e, bem… canibalismo. Conectando todos seus personagens, Wallace brinca com a corrupção na seguradora e com a obsessão pela excelência egoísta do protagonista. Obviamente, o resultado é uma bagunça engraçada e até mesmo surpreendente. Não há, digamos, um final feliz, pelo menos não para quem merece. Mas isso não importa. Sangue, corpos e muitos hambúrgueres ditam o tom certeiramente para que Fazendo Companhia não caia na mesmice batida das comédias-terror, e, no final, ainda consegue nos arrancar uma risada de indignação. – Caroline Campos
Competição Ibero-Americana
Uma Tumba para Três (Una Tumba Para Tres, Mariano Cattaneo, Argentina, 2020)
A maior qualidade de Uma Tumba para Três é especificamente o trio que intitula o filme. Victor, Juan e Manuel, três criminosos de, digamos, baixo cacife, precisam se livrar de um problema para seu chefe mafioso. Interpretados por Diego Cremonesi, Daniel Pacheco e Demián Salomón, respectivamente, o grupo passa metade da narrativa tentando se matar e, a outra metade, tentando matar os outros. Essa sequência de palhaçadas insanas, que começa a ficar um pouco cansativa no final do longa, só funciona pelo entrosamento hilário e natural entre os atores, que agem como velhos amigos dando broncas uns nos outros.
Mariano Cattaneo assume a direção e divide o roteiro com Nicanor Loreti, que é assertivo e eficiente em nos nortear nos acontecimentos do passado e apresentar os mais variados personagens que ajudam ou atrapalham a missão principal do filme. No fim das contas, temos uma dupla de garotas espertas, uma senhora vingativa, policiais corruptos, um mafioso prepotente e um bruxo emo esquisito – todos fazendo sua parte, sem ofuscar os protagonistas, mas roubando um pouco da narrativa para si. A produção argentina oscila no tom, o que pode passar a impressão de uma duração bem maior que os míseros 77 minutos reais, mas a vibe Os Trapalhões do trio te deixa encantado o suficiente para sentir saudades quando os créditos sobem. – Caroline Campos
A Desvida (Non-Living, Agustín Rubio Alcover, Espanha, 2020)
Tem algo de muito específico e atual em A Desvida. O longa espanhol, falado a maior parte do tempo em inglês, desperta um misto confuso de sensações e percepções no espectador. A trama já mostra ser muito mais do que parece: Alex (Julio Perillán) e Natalie (Tábata Cerezo), casados e parceiros na criação de histórias infantis, voltam para a casa pela primeira vez desde que perderam seu filho, Jonah (Telmo Yago). Com apenas os três atores em cena, passado e presente vão se intercalando e entrelaçando em uma narrativa extremamente desconfortável, que cria uma tensão gradual conforme os minutos vão passando. O diretor e roteirista Agustín Rubio Alcover tem o controle total de seu filme e de seus espectadores, é como se tudo que sentíssemos fosse exatamente do jeito que Alcover queria quando idealizou o longa, cada surpresa, exclamação e ataque de fúria.
À medida que vamos juntando as pecinhas do quebra-cabeça do casal extremista-good vibes, o choque vai tomando conta não só pelo desenrolar da história, mas também pela triste realidade que ela traz consigo. Natalie e Alex, que carregam perfeitamente bem os 87 minutos de filme, oscilam entre o reatamento e o rompimento definitivo de sua relação, dando voltas pela própria trajetória até chegarem no ponto de partida: Jonah. O garoto é mais importante fora do que dentro de cena, mas é quase sufocado pelo egoísmo natureba dos pais. No entanto, é no final de A Desvida, logo após estarmos certo de que sim, essa é uma obra dramática, que o verdadeiro aspecto de terror se revela – e somos arrebatados. – Caroline Campos
O Cemitério das Almas Perdidas (Rodrigo Aragão, Brasil, 2020)
A homenagem é para ele: José Mojica Marins. Antes de iniciar O Cemitério das Almas Perdidas, Rodrigo Aragão faz questão de dedicar seu filme ao “deus” do terror nacional – ou, melhor dizendo, o “diabo”. O novo longa de Aragão é uma visão inovadora e aterrorizante sobre o Brasil colonial, colocando os jesuítas como criaturas demoníacas ligadas a um pacto com São Cipriano. Utilizando duas linhas temporais diferentes para contar sua história, a produção brasileira cutuca o fanatismo religioso e os traumas da colonização focando, principalmente, nos povos indígenas e sua história de violência e resistência. Toda a cenarização de O Cemitério das Almas Perdidas é digna de aplausos. A atmosfera do cemitério, os objetos perfeitamente alocados nas criptas e a estética de horror da obra como um todo são o resultado de uma equipe competente, que sabe a história que quer passar.
Rodrigo Aragão mostra todo o seu talento no clímax, que é intenso, coerente e muito sangrento. A caracterização de seus zumbis-jesuítas e os efeitos das mutilações e desmembramentos tiram o fôlego durante a “batalha final”, que, finalmente, une as duas narrativas e dá sentido ao desenrolar do filme. Apenas alguns exageros sonoros chegam a incomodar, mas nada excruciante que atrapalhe a experiência de assistir um bom filme de terror nacional. Nós sabemos que, no final das contas, não foi o tinhoso que trucidou toda uma população nativa, mas a roupagem macabra e sobrenatural dá a acidez certa no longa nacional. – Caroline Campos
História do Oculto (Historia de lo Oculto, Cristian Ponce, Argentina, 2020)
O repórter que apurou o furo jornalístico de História do Oculto merece uma grande salva de palmas – e talvez um pouquinho de proteção policial. O longa dirigido e roteirizado por Cristian Ponce é um achado especial no Fantaspoa XVII, mesclando jornalismo puro com doses cavalares de bruxaria. Através da última transmissão do programa 60 Minutos Antes da Meia-Noite, um grupo de jornalistas se prepara para soltar em rede nacional que o presidente está envolvido com um esquema bizarro ligado à maior corporação do país. Eles só não esperavam que, ao vivo, fosse confirmado que esse esquema se tratava de um pacto com entidades malignas que assassinou inimigos políticos, garantiu eleições, eliminou criancinhas e vendeu o futuro da humanidade.
A escolha de Ponce de mostrar o programa na íntegra, cada segundo angustiadamente passando, foi o chute no gol da produção argentina, que nos coloca na posição de mero espectador como todos os outros personagens. O preto-e-branco também complementa a atmosfera macabra e camufla as aparições demoníacas que a equipe de reportagem passa a presenciar enquanto caminham cegos ao ponto final inesperado e surpreendente. Não há uma gradação da tensão – ela está sempre ali, constante desde o primeiro segundo do filme. História do Oculto é de uma fluidez impressionante, capaz de transformar o Jornal Nacional e as arapucas políticas brasileiras em história de ninar criancinha. – Caroline Campos
Competição de Animação
Sonhos Coloridos (Barevný Sen, Jan Balej, República Tcheca, 2020)
Você sabe que o filme não te agradou quando seu personagem favorito é uma gaivota falante. Sonhos Coloridos chama a atenção pelo visual amigável, bonequinhos carismáticos e uma sinopse cativante envolvendo uma trupe circense e um governo autoritário, mas sua execução… deixa muito a desejar. Apesar das metáforas bem elaboradas entre a liberdade e o ator de voar, a jornada de Drin pelo resgate dos seus amigos é maçante – nenhum personagem realmente chama a atenção, a não ser, é claro, a gaivota. Nathan é hilário, rouba a cena do protagonista, é responsável pela salvação coletiva e, acima de tudo, é estranhamente fofo. O pássaro falante foi a melhor criação de Jan Balej, que idealizou o filme ao lado de Michal Bures.
O diretor, no entanto, perdeu a mão nas reviravoltas e nos seus vilões, que só não cansam mais do que os mocinhos. Os artistas do circo, que poderiam ainda dar um gás na narrativa, só são lembrados no começo e no final dos (longos) 70 minutos da produção tcheca, que não consegue se manter com as poucas qualidades – como se Balej e Bures tivessem idealizado uma base sólida e promissora e se perdido no meio do caminho para fechar todas as suas pontinhas e motivações. O jeito agora é esperar por uma fancam no Twitter com os melhores momentos de Nathan. – Caroline Campos
Frank e Zed (Frank & Zed, Jesse Blanchard, EUA, 2020)
Já ouvimos esse roteiro diversas vezes: em um reino fantástico, um líder faz um pacto para destruir as poderosas forças do mal; anos depois, as consequências chegam para um povo que nunca teve nada a ver com isso. Mas, quando tratamos de Frank e Zed, dirigido e roteirizado por Jesse Blanchard, certamente não podemos usar a palavra clichê para descrevê-lo. Principalmente quando nossos pequenos heróis e monstruosos vilões são bonequinhos de fantoche, o que não tira nem um pouco o aspecto sangrento e crítico do filme, muito pelo contrário, essa escolha possibilita uma abordagem cômica e inteligente para esses dois nichos que não parecem se bater.
O longa consegue inverter os papéis de admirações de personagens, já que é impossível gostar mais dos humanos no poder do que nosso pequeno Frankenstein e estúpido zumbi. Os mais de 6 anos de gravação geraram um fruto extraordinário, e podemos ver isso em meio às batalhas perfeitamente coreografadas, as mordiscadas de Zed e o andar manco de Frank. O final triste da nossa dupla perfeita só faz com que queiramos um cérebro em outra tigela de vidro ao invés do chão do castelo assombrado.- Vitor Tenca
Especiais
Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-Feira 13 do Verão Passado (Felipe M. Guerra, Brasil, 2001)
Sim, o título é desse tamanho mesmo. E é perfeito para a criação de Felipe M. Guerra, que, com muita criatividade e talento, fez uma peça singular do cinema de terror brasileiro lá em Carlos Barbosa, cidade na serra gaúcha. Com a participação de amigos e familiares do diretor, Entrei em Pânico… foi disponibilizado sem restrições pela primeira vez ao público no Fantaspoa XVII, em uma versão reeditada com o nome de Redux. Não há nada que não seja incrível no longa, desde as legendas que tentam traduzir um pouco do gauchês até o próprio sotaque dos atores, que complementam a divertida aura de paródia daqueles clássicos slasher que Guerra é muito fã.
A história se inicia no dia da festa de formatura dos personagens, que decidem ter um esquenta lá na casa de Goti. A partir daí, um por um, os adolescentes vão morrendo. Parece o plot de qualquer terror de assassino dos anos 2000, mas a irreverência do diretor, que incentiva a produção dos próprios filmes, é a força-motriz de todo o desenvolvimento, que possui um charme único e indescritível. Entrei em Pânico… deixa claro que Cinema também se faz em casa, sem precisar de tanto fru-fru para ser único e deixar sua marca. – Caroline Campos
Curtas
Curtas-Metragens Internacionais – Animação
Maestro (França, 2019)
Com uma execução saída diretamente de uma propaganda para carros, Maestro é uma pecinha de menos de dois minutos em que um esquilo comanda uma ópera selvagem no meio da floresta. A produção francesa se destaca pela condução sonora de Jérôme Navarro e pela fofura extrema – animais cantando, fala sério! A animação de 2019 inclui sapos, tartarugas, porcos-espinho e pássaros, com os traços puxados para o realismo e uma cômica sinfonia noturna. A direção é creditada como Illog!c (uma fuçadinha no IMDB revela alguns nomes) e a duração curtíssima releva qualquer defeito que o curta possa ter. Mesmo assim, a sensação de que algo como Volkswagen vá surgir após o fim da cantoria é inevitável. – Caroline Campos
Carried Away (França, 2020)
Conflitos familiares podem ser ótimas dramédias. Quando Mamãe se vai, seus filhos gêmeos, que não poderiam ser mais diferentes, recebem a última missão: enterrar seu cadáver juntos. Em 5 minutos, tão divertidos que passam como 5 segundos, o curta dirigido pela trupe Etienne Fagnère, Manon Carrier, Johan Cayrol, Alo Trusz e Jean-Baptiste Escary beira o clichê, mas não a ponto de enjoar. Com ótimos gráficos e cenários especialmente detalhados, a produção debocha de seus personagens em meio a gafes pontuais e com direito a um corpo voador e sorridente. Entre cigarros e pirulitos, Carried Away é singular. – Caroline Campos
Friend of a Friend (França, 2020)
Quando pensamos em Friend of a Friend, o termo que nos vêm à cabeça é plot twist. O curta francês, dirigido por Zachary Zezima, logo de cara nos apresenta um conceito um pouco diferente do comum, quando o personagem amarrado no porão é o agressor ao invés da vítima. Ao mesmo tempo, vemos outra inversão de narrativa enquanto observa-se a mudança de posições entre esses dois, ou seja, agora a vítima exerce o outro papel e vice-versa. Outro fator importantíssimo dos 14 minutos de tela se dá pela experiência que o personagem principal passa a viver: o descobrimento da atração por pessoas do mesmo sexo, mesmo em meio a uma relação heterossexual já existente, o que traduz um certo medo e receio de reconhecer essa emoção. Um ponto interessante, agora no quesito de desenvolvimento visual, se dá pela criação de expressões, atos e movimentações que condizem de uma forma certeira com os áudios gravados de cada personagem. – Vitor Tenca
The Wedding Cake (Suécia, 2020)
Se engana quem pensa que a utilização de bonequinhos em The Wedding Cake tenta aliviar um pouco o impacto da história. A produção sueca da diretora Monica Mazzitelli é triste e dolorosa, acompanhando uma jovem que, depois de se casar subitamente, precisa quitar todas as dívidas do seu marido, que resolveu desaparecer, com o governo. Sem saída, acaba se entregando a um cafetão e traficada por 5 anos, enquanto seus filhos ficam sob os cuidados dos avós. A narração de Astrid Hallén é crua, e o jogo de fotografias dos personagens de Mazzitelli dá uma sensação episódica para a história – mesmo assim, a continuidade dos acontecimentos provoca o desespero no espectador, especialmente pelo jeito que a diretora exemplifica o abuso sexual. E, depois, estava livre. Quebrada, mas livre. – Caroline Campos
O Black Hole! (Reino Unido, 2020)
O Black Hole! é um deleite visual. O curta-metragem de Renee Zhan é uma das peças mais belas do Fantaspoa XVII, em que uma mulher, incapaz de se despedir das pessoas ao seu redor e sobreviver a passagem do tempo, passa a engolir tudo que possui vida dentro do próprio buraco negro que se torna. Quando enfim a Singularidade desperta no centro daquela escuridão, depois de mil anos, ela assume a função de desmembrar de dentro para fora o tormento de todos os engolidos. A contraposição de técnicas no interior e no exterior da narrativa torna tudo ainda mais interessante, mesclando pinceladas bagunçadas e coloridas com a massinha crua do stop-motion. Zhan, que assina o roteiro ao lado de Vanessa Rose, ainda se diverte com canções dialogadas entre seus personagens, utilizando metáforas para discutir o sagrado feminino, a inevitabilidade da morte e o modo com que lidamos com a perda de entes queridos. Extraordinário. – Caroline Campos
Stranded (França, 2020)
Caos, desespero, correria e, em cima de tudo isso, uma fissura cósmica. O francês Stranded é dirigido por Alvin Arevalo-Zamora, Alwin Durez, Quentin Garaud, Maxime Salvatore, Florent Sanglard, Thomas Spony-Ipiens e Alex Tregouet. Esse tanto de nomes para um filme de 7 minutos pode assustar, mas isso se justifica logo que clicamos em assistir. Visualmente, o filme é impecável, com seus gráficos realistas e bem trabalhados. Quando paramos pra pensar na narrativa, porém, as escolhas não parecem ter muita conexão ou rumo, mas ao fim tudo se explica: nosso caçador não passa de um bonequinho dentro de seu globo de neve em uma loja. – Vitor Tenca
Genius Loci (França, 2020)
E no meio da seleção do Fantaspoa XVII, encontramos um indicado ao Oscar 2021. Genius Loci, que concorre na categoria de Melhor Curta-Metragem de Animação ao lado de Toca e Opera, é uma produção caótica com belíssimos e bagunçados traços coloridos. Dirigido por Adrien Merigeau, a busca de Reine por um espírito-guia a faz se afastar e aproximar das diversas figuras que cruzam seu caminho no céu noturno. Em meio a figuras cubistas e abstratas, Merigeau desenvolve um novo e próprio olhar acerca da arte contemporânea, ressignificando sua narrativa simples para uma tentativa de auto entendimento. Os diálogos são escassos, porém potentes dentro dos 16 minutos movimentados e chapados de ácido da produção francesa. – Caroline Campos
Through My Eyes (França, 2020)
A produção francesa de curtas veio a todo vapor no Fantaspoa XVII, e Through My Eyes não escapa da lista. Uma história de amor de apenas 4 minutos, a obra é reconfortante e emocionante na medida certa. Keith e Millie se conhecem, se apaixonam e passam a conviver em um relacionamento perfeitamente acolhedor. Keith possui marcas na sua bochecha e acredita que isso o torna desprezível, recebendo todo o apoio de sua parceira para se aceitar do jeito que é. O motor do curta, no entanto, é o fato de Millie também adoecer e se afundar na monstruosidade de sua enfermidade – a mulher não suporta o contato do marido. Com uma boa e velha conclusão romântica, os traços dirigidos por Ilona Quenea, Celeste Devisme, Aude Portales, Emerantiane Bouillon e Naomie Gastel se entrelaçam na eternidade dos minutos não mostrados em tela. – Caroline Campos
100,000 Acres of Pine (Dinamarca, 2020)
Desde o início, é perceptível que 100,000 Acres of Pine não tem o intuito de ser um filme bonitinho. O curta dinamarquês, dirigido por Jennifer Alice Wright, tem 7 minutos de uma animação incorporada no seu estilo A Fuga das Galinhas, mas com uma mensagem muito mais pesada e aterrorizante. Uma guarda ambiental lida com a perda de um colega de trabalho e irmão em meio às florestas que conhecem de cabo a rabo, diante disso vemos a desconfiança e descrença do ocorrido. A fita de Patel nos avisa do perigo e do vício de voltar as matas que querem matar, e assim terminamos o filme do mesmo jeito que começamos, em looping. – Vitor Tenca
Rutina – La Prohibición (Espanha, 2020)
Digamos que Rutina – La Prohibición não tenha nem pé nem cabeça. Isso é um defeito? Não necessariamente. O ponto alto do curta espanhol é definitivamente a escolha de seus traços. Os bonecos são hilariamente detalhados e sugam toda a atenção do espectador com suas comorbidades e aparelhos de respiração. Respirar, inclusive, parece ser o problema – o governo proíbe o oxigênio entre a população e, se você não concordar, fique à vontade para virar poeira. As motivações, no entanto, ficam meio embaçadas, principalmente pelo fato dos personagens se comunicarem com grunhidos. No fim, não importa. Através de suas cenas, Sam Orti consegue passar sua mensagem esquisita com personagens mais esquisitos ainda. E se torna ótimo de assistir. – Caroline Campos
El Hombre que Nunca Vio Llover (Espanha, 2020)
Uma frase foi escolhida para a sinopse do curta espanhol de 2 minutos: e se você nunca viu chover? A premissa básica é engolida pelo carisma e fofura da animação dirigida por Miguel Muñoz, em que um senhor narra sua própria história de quando se deu conta de que nunca havia visto chover. A partir daí, ele passa a aguardar todos os dias em sua janela, acumula guarda-chuvas e começa a fazer terapia. Seu psicólogo sugere o uso das sombrinhas no chuveiro, mas nada alivia o pobre homem – até que a chuva passa a persegui-lo em todos os lugares. Quando enfim a obsessão deixa de o atormentar, a parte dois: e se você nunca viu nevar? Lá vamos nós de novo. – Caroline Campos
Curtas-Metragens Nacionais
Nervo (2019)
É incrível ver a forma como um filme consegue fazer o telespectador sentir repulsa de uma geladeira! O curta brasileiro dirigido por Pedro Jorge e Sabrina Maróstica retrata, de uma forma não usual, o desenrolar do brasileiro de bem – o bêbado agressivo com a mulher. Com uma estética suja e linguagem violenta, nos deparamos com o sangue pintando os azulejos ou como um novo esmalte nas mãos das cozinheiras, logo depois das facadas silenciarem os problemas. No fim, a grande dúvida recebe sua resposta: o que há dentro da geladeira? – Vitor Tenca
It’s a Match (2019)
É óbvio que a geração Tinder ia dar um jeito de utilizar o aplicativo de todas as formas. No curta de Sérgio Ortencio, nossa mocinha está esperando pelo seu match quando, de repente, ele passa a segui-la. Sim, as coisas acontecem com essa esquisitice. Os 4 minutos da obra brasileira abrangem a perseguição mais engraçada do que assustadora de um cara barbudo que sofre os efeitos da lua cheia. Não há nada de surpreendente nem singular, mas o aspecto trash da produção de Ortencio deixa tudo mais divertido de assistir. – Caroline Campos
Missão Berço Esplêndido (2020)
Muito já se falou da possibilidade de voltar no tempo para matar Hitler ou qualquer assassino em massa quando ainda era um bebezinho. Joel Caetano e seus bonequinhos rústicos aceitaram a missão. No curta, o futuro é comandado por uma cabeça em conserva que administra um governo totalitário e violento, enquanto uma rebelde em específico se planeja para viajar no tempo e acabar com o problema pela raiz. A tensão aumenta quando, enfim, ela aponta a arma para aquele nenê chorando no berço – e bum. Nem tudo é o que parece, e nossa protagonista encontra uma solução muito mais útil para seu futuro ditadorzinho. Os quatro minutinhos da produção nos embalam de cara e nunca deixam o interesse cessar, o que resulta em uma obra divertida e crítica com técnicas encantadoras. – Caroline Campos
Magnética (2020)
Se pudermos atribuir uma única palavra para Magnética, essa com certeza seria psicodelia, seja lá a forma como você queira interpretá-la. O curta brasileiro de 16 minutos, dirigido por Marco Arruda, pode ser visto como uma grande alegoria ao uso das drogas mais diversas possíveis. Achamos essa correlação em diversos dos aspectos do filme, seja pelas cores vibrantes que rondam pelas telas do início ao fim, ou mesmo nas percepções que a animação nos proporciona, quando vemos lobisomens de terno até bebês com cara de monstro. Talvez a grande metáfora da substância que materializa isso é encontrada em meio aos hologramas, visto que de lá que são despertadas as mais diferentes emoções possíveis – medo, amor, violência, submissão, vício, loucura. No fim, o locutor nos joga uma verdade irrefutável sobre o causador dessas sensações: qualidade, qualidade, qualidade. – Vitor Tenca
Acorde (2020)
1 minuto. É o tempo que Tiago Teixeira precisa para fazer um paralelo assustador a respeito do verdadeiro monstro debaixo da cama. Não há muito o que se falar, e qualquer menção pode causar um spoiler extremamente necessário para o impacto de Acorde. Mas, entendendo a situação social do Brasil, a surpresa, infelizmente, dura poucos segundos. Bem que gostaríamos de continuar dormindo. – Caroline Campos
Fantasma Magnético (2020)
O curta dirigido por Rafael Van Hayden mais promete do que cumpre. Apesar da ótima edição sonora, instigante com seus ecos bem encaixados em cada cena, a produção brasileira se perde na própria lógica e não interessa em quase nenhum aspecto. Os pesadelos violentos da personagem confundem e deixam a trama enfadonha, o que torna os oito minutos da obra muito mais longos do que deveriam ser. Mesmo a combinação de efeitos neon e psicodelia visual soa prepotente em cima da falta de acontecimentos minimamente atrativos. – Caroline Campos
Curtas-Metragens Internacionais – Live-Action
Horrorscope (Espanha, 2019)
Horrorscope é um grande trailer. Os 5 minutos da produção espanhola são montados em um estilo clássico de pequenas cenas intercaladas que as previews dos filmes costumam soltar. Mas é isso mesmo que ele tem de legal. Uma garota é possuída por um espírito e passa a ter comportamentos estranhos, fazendo com que seu médico, também crítico de cinema, claro, a diagnostique com Filme de Horror Traileritis. As situações paródicas são hilárias e muito verdadeiras para os fãs de terror que não aguentam mais os clichês. A sacada de Pol Diggler, que atrai pela sinopse nada reveladora, é fingir o susto para garantir o riso – e ele vem em doses intensas. – Caroline Campos
El Campo Sangriento (Chile, 2019)
Existe uma familiaridade na ambientação do chileno El Campo Sangriento. A cozinha clara de chão branco, os potes de arroz no armário e a televisão da Philips próxima à geladeira ajudam a construir um senso de conforto na residência de Lídia e seu porco marido. O diretor Vicente Campos Yanine quer discutir machismo, gordofobia e libertação, e involuntariamente o faz com toques de humor, ácido e bem-vindo. A atriz Andrea Munizaga usa muito seus olhos para empatizar com o público, fazendo-nos torcer por sua emancipação. Até mesmo a mini sequência de ‘Como Esquartejar o seu Marido’ funciona no tom geral, visto a gratificação sentida na morte do personagem de Guilherme Sepúlveda. Tudo pode dar errado nesse crime, mas estamos ao lado de Lídia não importa quais sejam as consequências. – Vitor Evangelista
Pardonne Ton Père (Canadá, 2020)
Franz Kafka definitivamente aprovaria esse filme. O diretor Moisés Velásquez explora o corpo de um pai de família passando por uma metamorfose grotesca. A ótica do filme provém da experiência da filha, mostrando a ingenuidade que habita a cabeça das crianças, já que ela ama o pai, independente de sua nova aparência monstruosa. E conforme o tempo passa, as demandas são maiores. O novo corpo – que se assemelha a um grande fungo – necessita cada vez mais de fontes de alimento: primeiro um prato de comida, depois um cachorro, por que talvez não chamar os vizinhos para jantar? Mas, no fim das contas tudo não passa de um mero incômodo, desculpe o papai. – Vitor Tenca
Dar-Dar (Espanha, 2020)
Dar, dar, dar, seus dedos para jantar. É assim que a entidade basca surge – exigindo dedos de criancinhas. Filmado em preto e branco e com diálogos exibidos em letreiros da época do cinema mudo, o curta dirigido por Paul Urkijo Alijo é capaz de aterrorizar crianças e adultos pela sua sequência de acontecimentos. O demônio, com uma mordiscada em cada dedo, faz com que a inocente criança fique com as mãos esqueléticas. Se recusar, com a alma irá pagar, cantarola a criatura que ganha poucos focos na aparência, mantendo uma aura de mistério macabro pela mente perturbada de Alijo. Até a relação mãe e filha, violenta e sem amor, contribui para a obra ser melancólica, triste e medonha, mas muitíssimo atraente para os verdadeiros fãs do horror. – Caroline Campos
Nanny Cam (EUA, 2020)
Não são muitas maneiras que um filme possa se destacar com apenas 9 minutos de duração, mas Nanny Cam faz isso num piscar de olhos. O curta, dirigido por Hope Olaidé Wilson, parece ser uma história comum e moralista, “os tempos mudaram e os jovens não saem da frente da tela de seus respectivos celulares”, mas o nervosismo e tensão escalam de maneira exponencial. Uma mãe que atende a uma entrevista de emprego observa a filha à distância, quando de repente percebe que o bebê está em perigo e longe de sua babá. Ao chegar em casa e à sua filha, o plot twist é instaurado: a babá morta é apenas mais uma vítima da então inocente criança. Haja trabalho para essa mãe desempregada. – Vitor Tenca
A Dinner Party (Canadá, 2019)
A Dinner Party se estende por pouco menos de vinte minutos numa realidade áspera, soturna e degradante. Na trama canadense, uma jovem recebe três lunáticos, pálidos e esfomeados amigos para jantar. O cenário, aparentemente, é pós-apocalíptico, mas o trabalho de Michèle Kaye não se contenta em compartilhar o mínimo de histórico ou contexto. Por conta disso, essa queda brusca no casebre morto e gororoba azeda, o curta-metragem não se estica o suficiente para se conectar com quem assiste. Os minutos finais, fora da cabana, oferecem mais emoção que a jornada enclausurada lá. – Vitor Evangelista
A Tale Best Forgotten (Suécia, 2019)
Tomas Stark faz questão de eternizar o conto que deveria ser esquecido. Em 5 minutos, somos apresentados a A Tale Best Forgotten, baseado na cantiga de Helem Adam, uma história diferente de uma maneira inusitada. O fator inusitado vem do jogo de câmeras: só existe uma movimentação vertical, nenhum centímetro a mais ou a menos na horizontal, o que garante um charme incontestável para uma história sinistra. Enquanto isso, ouvimos a voz macabra cantar sobre a menina assassina, uma corrente de sangue rio abaixo e o homem da cabeça de cachorro, uma menção honrosa ao deus Anúbis. Uma pena as letras do canto não serem ainda maiores. – Vitor Tenca
Dystopia (Noruega, 2020)
A capacidade criativa de realizadores de curtas-metragens é indiscutivelmente impressionante. O norueguês Dystopia, que conta com singelos 7 minutos, é um exemplo ácido e divertido do que é preciso para se destacar no meio de um mar de obras singulares. As quatro atrizes principais, crias certeiras do horror de Mary Shelley, vivem num mundo de pessoas-manequins capazes de se costurar e colar da maneira que desejarem, aniquilando qualquer um que possua um membro interessante e atrativo. Mesmo a pequena crítica ao mundo virtual e seus padrões estéticos (sim, aqueles filtros horrendos do Instagram), utilizando uma criança blogueira, é precisa nas mãos de Laura Ugolini. Dystopia tem o aroma estético de Bela Vingança, Sucker Punch e uma pitada de Aves de Rapina – como não gostar? – Caroline Campos
À L’ombre D’un Homme (Israel, 2021)
A direção esquemática de Mor Lankri coloca À L’ombre D’un Homme em um aspecto de fábula. A vida de Eugène se assemelha muito aos ditados populares que crescem ao pé do ouvido na infância. Sem paciência para viver com outras pessoas, o esquelético homem, interpretado pelo sensorial Pascal Bulot, é precavido em tudo que pode. Ele tem os chinelos ao pé da cama e até um balde na cabeça, caso a bendita goteira teime a pingar. Um dia, o homem se vê acompanhado por sua sombra, que usa da fisicalidade de Yann Safran para se tornar crível. Homem e sombra, lado a lado, vivem em harmonia. Até que tudo dá errado. Em onze envolventes minutos, atiçados pela voz eriçada do narrador Julien Colombet, o curta israelense debate solidão, amor próprio e repete a máxima do Peter Pan: nunca confie em ninguém, nem na sua própria sombra! – Vitor Evangelista
Oculto (Espanha, 2020)
Um filme fraco com boas intenções – assim podemos definir Oculto, dirigido por Imanol Ortiz López. O curta se passa quase todo dentro de um elevador, o que seria tempo o suficiente se a hesitação não fosse tão longa. Cada personagem é atarefado com o assassinato de outro para cumprir sua tarefa e salvar um ente querido, no entanto, o motivo não convence. É impossível não identificar nesse filme um conceito mal trabalhado da categoria Jogos Mortais. – Vitor Tenca
#MeowToo (África do Sul, 2021)
Poucos filmes causam ojeriza como #MeowToo. É claro que esse é o objetivo primário da obra de Ryan Kruger, que usa o movimento Me Too como trocadilho no título e na história da gatuna no bar. As máscaras felinas, grotescas de maneira proposital, destroçam qualquer senso de irreal que a produção sul-africana propõe, narrando um encontro noturno entre essa tal mulher-gato, papel de Suraya Santos, e seu predador, o asqueroso humano Alan Wine (Alex Anlos). Sem diálogos e cheio de batidas punk, luzes piscam por seis minutos, a trilha agride e as unhas dela, também. É quase um clipe de metal sem os vocais. É perturbador, arriscado e inesquecível. – Vitor Evangelista