O novo Animais Fantásticos resgata a magia de Harry Potter, mas comete crimes demais

 

(Foto: Divulgação/Warner)

Guilherme Luis

O segundo filme da nova franquia do Wizarding World, “Animais Fantásticos – Os Crimes de Grindelwald” chegou aos cinemas no último dia 15 e dividiu opiniões. A expectativa pela continuação de “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, de 2016, era grande, principalmente por parte dos fãs do mundo bruxo criado por J.K. Rowling, que assina o roteiro dessa nova série.

O filme esteve envolto em polêmicas durante toda a sua produção. Primeiramente com a revelação do título, indicando certo protagonismo do vilão e a persistência por parte da Warner e da própria J.K. (que assina o roteiro dos dois filmes) em permanecer com a presença de Johnny Depp no papel do personagem, devido a todo o processo judicial que ele passou com a ex-mulher que acusou-o de agressões físicas. Depois, com a declaração de que a sexualidade de Dumbledore não seria bem abordada e sua paixão por Grindelwald ainda não seria mencionada. Os fãs se indignaram porque essa era a chance perfeita de criarem representatividade LGBTQ+ dentro de uma franquia que, em 10 filmes, nunca a teve.  

O Espelho de Ojesed mostra seu maior desejo. (Foto: Divulgação/Warner)

A história do novo filme acompanha Grindelwald fugindo da prisão e começando a recrutar seus seguidores. Do outro lado, Newt Scamander, protagonista do longa anterior,  tem que ir para Londres realizar uma tarefa que Dumbledore delega a ele. Os personagens antigos voltam à trama e muitos novos são introduzidos.

O novo filme comete mais crimes que o próprio vilão. Não é sem qualidades, mas seus defeitos tendem a falar mais alto.  A começar pelo título, que não faz sentido. Ok, o nome da franquia é Animais Fantásticos, mas é bom ter em mente que eles não moverão a história mais. Ainda assim, J.K. conseguiu até que encaixá-los bem na história, seja os velhos e queridos (Pelúcio, você é demais!) ou mostrar novos que ajudam de certa forma na trama (ou atrapalhem-na). Agora, o subtítulo pode ser descartado porque o vilão não comete crimes nesse filme – a não ser o de fugir! Parece que o filme foi vendido para dar a entender de que a ascensão de um grande bruxo das trevas seria totalmente mostrada aqui, mas não é. São só os primeiros passos e é nisso que o filme erra: em ainda querer mostrar primeiros passos.

O roteiro é confuso, cheio demais, complexo em algumas explicações… Não só pela cena final, que é um grande plot twist, mas por diversas cenas ao longo do filme. Como tal personagem parou em tal lugar? Por que ele fez aquilo? Por que ela queria isso? Como fizeram tal coisa? Para um grande fã do mundo de J.K., eram perguntas demais. E a grande massa que não sabe sobre cada detalhe das histórias de Rowling, fica como? O filme não é feito para não-fãs exatamente por se basear demais em coisas que só os fãs sabem.

Os personagens ou são muito bem tratados pela história ou são completamente irrelevantes. Newt, Dumbledore e Grindelwald são bem trabalhados e são também as melhores atuações do elenco. Eddie Redmayne está ainda mais perfeito no personagem, e seu protagonismo leva a trama para frente (apesar de se sair bem em certas “facilidades” e “convenções” que denotam um roteiro preguiçoso). O protagonista é cativante e o ator sabe melhorar o que já estava bom no primeiro filme.

Jude Law está bem como Dumbledore, mas deixou a sensação de quero mais. Não tem tanto tempo de tela a ponto de mostrar tudo a que veio. Será interessantíssimo ver sua progressão nos cinco filmes e sua lenta transformação no que era Michael Gambon. Já Johnny Depp surpreende por, simplesmente, deixar de ser Jack Sparrow em algum filme. Ainda assim, não é o suficiente para se tornar o maior destaque do filme. Seu vilão é interessante, amedrontador, e tem um discurso convincente até. Depp deixou suas afetações de lado e faz um personagem mais contido e elegante.

Grindelwald discursa, convence e persuade como um verdadeiro fascista. (Foto: Divulgação/Warner)

Queenie, Jacob e Tina são meros coadjuvantes numa história que não lhes cabe mais. São todos postos em Londres por motivos bobos e seu tempo de tela é consideravelmente reduzido em relação ao filme anterior. Queenie e Jacob têm um arco interessante até, mas Tina, agora uma funcionária do Ministério da Magia Britânico, é irrelevante para a trama. Seu arco com Newt é pobremente desenvolvido. Uma pena, já que tinha tido tanto carisma no primeiro filme.

Credence volta sem grandes explicações. J.K. não se preocupa em dizer como ele sobreviveu, como foi parar em Londres, nem nada.  O filme é quase todo sobre sua jornada. Credence é o sol da trama e todos os outros personagens giram ao seu redor. O que mais incomoda em seu arco é seu objetivo de “descobrir sua verdadeira identidade”, que soa tão bobo para uma história tão grande e complexa… O fato de todos os personagens saberem disso e se empenharem nessa busca só piora. Nagini, sua companheira, não serve para nada: é puro fan-service e pura promessa para o futuro.

Nagini serve apenas como parceira de Credence e mal tem falas no filme. (Foto: Divulgação/Warner)

Os outros novos personagens servem para a história em momentos muito específicos, mas carecem de maior desenvolvimento. Leta Lestrange é a melhor deles, pois protagoniza um flashback interessantíssimo em Hogwarts (mais fan-service, é claro, mas pelo menos é bom!), e se destaca na trama conforme a história se aproxima do final. Teseus Scamander, irmão de Newt, tem pouquíssima importância pra narrativa e Yusuf Kama é o maior desperdício do roteiro. Personagem vazio, sem porquê nem pra quê, com tempo de tela exagerado… Serve para uma reviravolta do final e só.

Visualmente o filme é esplendoroso. Efeitos especiais perfeitos, animais fantásticos com peso e textura, 3D que funciona, feitiços… tudo on point. Esse filme também resgata uma coisa de Harry Potter, que o primeiro Animais Fantásticos não tinha: a magia sendo usada em seu cotidiano. Ou seja, a câmera está acompanhando um personagem, mas no canto da tela tem magia acontecendo: um pano limpando uma janela sozinha, uma criança levitando, um bule de café levitando, uma coruja voando… Pequenas coisas que fazem o mundo bruxo parecer muito mais real e palpável.

Com direção de David Yates (que fez os últimos 6 filmes), o filme não tem problemas técnicos. Uma coisa que gerou confusão em muita gente foi os closes de câmera que ele dá no rosto dos personagens no início do filme, mas que se perdem com o tempo. Fica estranho porque parece um teste solto que não foi corrigido. De resto, a direção está boa.

A cena do circo, apesar de pequena, é uma das melhores do filme. (Foto: Divulgação/Warner)

“Os Crimes de Grindelwald”, portanto, gera mais dúvidas do que as responde. Seu final polêmico chateia mais por parecer que o filme todo se passa apenas para essa cena em específico do que por movimentar a história em si. J.K. Rowling mexer com sua história cânone é um perigo e ela faz isso mais de uma vez nessa história. Contudo, resta aguardar. A revelação final só terá sido ruim se sua explicação também for. J.K. é extremamente criativa, então, apesar de não enxergamos soluções críveis para o que ela criou aqui, ainda dá para ter esperança nessa mente que sempre fora tão genial.

Agora, na franquia Animais Fantásticos, muita coisa tem que ser revista. Com grandes indícios de um terceiro filme se passando no Brasil, a história precisa tomar corpo e parar de andar a passos lentos. Um filme não pode mais depender do próximo para “fazer sentido como um todo”. Cada filme deve ter a sua história fechada e, ainda assim, contar uma grande história quando unidos, como era com Harry Potter. Ou J.K deve ser substituída no roteiro, ou dividi-lo com alguém que entenda mais de cinema e não seja a pessoa que tem todas as respostas na própria cabeça – e não as revela ao público. A expectativa ainda é grande, porém. Agora é torcer para que a franquia se encontre e faça jus ao universo de que provém.

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