Em seu fim, The Rain se desespera

The Rain surge como fruto dos investimento da Netflix em produções europeias, mas não alcança o mesmo sucesso que Dark, da Alemanha (Foto: Reprodução)

Anna Clara Leandro Candido

Após o sucesso de Dark, a Netflix apostou cada vez mais em produções europeias e The Rain é resultado desse investimento. Lançada em 2018 e dirigida por Jannik Tai Mosholt, Esben Toft Jacobsen e Christian Potalivos, a série surgiu como mais um dos projeto desse âmbito, sem, entretanto, conseguir o mesmo sucesso de sua prima alemã. Passada  na Escandinávia, The Rain conta com uma bela ambientação e uma boa trilha sonora, mas sua história, já ultrapassada dentro do universo distópico, e seus personagens mal desenvolvidos não conseguem sustentar a trama, deixando-a desamparada até o último minuto.

A história segue dois irmãos que, junto de seus pais, fogem de uma misteriosa ameaça presente na chuva. Altamente mortal, a infecção que vem em forma de vírus exterminou metade da população e devastou o país. Por esse motivo, os personagens principais são obrigados a ficar sozinhos dentro de um bunker. Simone (Alba August) e seu irmão mais novo Rasmus (Lucas Lynggaard Tønnesen) passam seis anos confinados no local, esperando a volta de seu pai. Antes de partir, o pai das crianças revela a Simone que seu irmão é especial e deve ser protegido.

Simone, interpretada por Alba August e seu irmão mais novo Rasmus, interpretado por Lucas Lynggaard Tønnesen (Foto: Reprodução)

E, a partir desse momento, a série segue um bom tempo tendo a proteção de Rasmus como única motivação para a protagonista. Tanto Simone quanto Rasmus são ainda muito ingênuos em relação ao novo mundo após a chuva e, ao se juntarem com um grupo de sobreviventes, se agarram a uma imagem idealista de como tudo deveria ser. Essa construção de personagem é uma fórmula muito repetida ao longo dos anos em filmes e séries pós-apocalípticos. Contudo, os personagens principais de The Rain não possuem o carisma para repetir a fórmula, muito menos inová-la.

Simone é, no mínimo, uma personagem indecisa. Ela quer proteger seu irmão, pois é a mais velha e tem a necessidade de tomar conta das coisas, mas em nenhum momento toma uma decisão racional. Hora é apresentada como alguém devota a família, noutra é a “estrela guia” do grupo, sem nunca decidir um caminho a qual tomar, o que impede o público de se conectar com ela. Rasmus, também, não se sustenta sozinho. O roteiro fraco somado a crise de identidade do garoto faz com que ele não se garanta sem um par romântico e aja apenas como um catalisador de caos para as cenas tensas e plot twists óbvios e aleatórios. Seu caminho desestruturado no decorrer da série contribui ainda mais com o final forçado e sem sentido da terceira temporada.

A curiosidade instigada pelos mistérios que rondam o vírus, a chuva e a empresa responsável por tudo, a Apollon, é boa parte da razão que leva o espectador a continuar assistindo as duas primeiras temporadas. Mesmo depois que a série se remonta completamente de uma distopia para uma ficção científica, a necessidade de encontrar respostas manteve a trama de pé. Contudo, resolver todas os ganchos deixados pelos últimos dois anos foi de mais para a terceira e última temporada dar conta. Ao optarem pelas resoluções mais fáceis, os roteiristas jogaram fora o pequeno potencial que a série sequer poderia ter.

No terceiro ano, a trama retoma alguns meses após o fim da segunda temporada com Simone e Rasmus separados um do outro. Ela e o grupo restante querem agora encontrar um jeito de inibir as cápsulas da Apollon e atravessar os muros para fugir da zona de quarentena. Enquanto isso, Rasmus se uniu a Apollon por acreditar que a solução para salvar o mundo é transformar todos em portadores do vírus como ele. O personagem se transforma em um vilão-menino durante a terceira temporada, e um embate entre os irmãos é estabelecido. Simone quer se livrar do vírus, enquanto Rasmus é tomado pela ilusão de onipotência dada a ele.

O roteiro fraco estabelecido nos dois primeiros anos arruína ainda mais o terceiro. Primeiro, o time da irmã mais velha está fugindo, no próximo minuto infiltram-se na Apollon só para querer escapar algumas horas depois. As escolhas e atitudes de cada personagem vão mudando de acordo com a necessidade da trama e sem nenhuma consistência ou diálogo pré-estabelecido, passando ao espectador um sentimento de aleatoriedade. Eles parecem não aprender com os próprios erros, com exceção de Patrick (Lukas Løkken) —  que teve um pequeno, mas, ainda sim, mal estruturado, arco de redenção desde a primeira temporada —, nenhum outro mostrou alguma mudança de atitude concisa advinda das experiências anteriores.

Para finalizar, a cura tão esperada e procurada desde a primeira temporada. A série utilizou tudo que podia ser uma solução como motor para as escolhas dos personagens: Rasmus, a Apollon, o grupo da Fie (Natalie Madueño), sair da quarentena. Tudo que poderiam imaginar foi colocado à mesa como uma opção de salvação só para ser descartado logo em seguida, ao ponto de só um milagre ser capaz de solucionar tudo no fim. E é exatamente isso que os roteiristas fazem: criam um milagre para finalizar todos os problemas. Uma flor. Sem nenhuma explicação de como a planta funciona ou de onde veio, ela se torna a bengala de que a história precisava para chegar ao fim.

Os efeitos especiais utilizados na criação do vírus, da plantas e dos “poderes” de Rasmus também são muito bem feitos e podem ser considerados um dos prós dessa obra (Foto: Reprodução)

O único ponto positivo da série é sua ambientação e fotografia. Uma das coisas mais atrativas em obras pós-apocalípticas é poder ver como nosso mundo tecnológico ficaria caso a humanidade entrasse em colapso. The Rain consegue utilizar os belos lugares da Dinamarca para criar ambientações lindas de se ver durante os episódios. Os efeitos especiais utilizados na criação do vírus, da plantas e dos “poderes” de Rasmus também são muito bem feitos e podem ser considerados um dos prós dessa obra. Seja o aeroporto com um grande avião destruído ou a cena das florestas sendo consumidas pelo vírus, a cenografia é digna de apreciação.

The Rain é uma série que tinha um grande potencial , mas os erros básicos, roteiro fraco e a falta de carisma e substância dos personagens comprometeram a história e seu futuro. É uma obra boa para se assistir quando não há nada mais para fazer e você só quer esvaziar a mente sem nenhum comprometimento. Mas, se entrou agora no mundo das séries e deseja assistir a uma produção pós-apocalíptica bem estruturada e com uma boa trama, recomendo que assista os clássicos do gênero.

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