Ghost in the Shell: Bonito, mas sem alma

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Matheus Fernandes

As canônicas adaptações do teatro e da literatura ao cinema já foram consideradas, injustamente, uma afronta à pureza do cinema como forma de arte, situação explanada no artigo “Por um cinema impuro – Defesa da adaptação”, de André Bazin, onde o teórico aborda essa relação entre linguagens como essencial para o progresso do cinema. Atualmente, as adaptações de quadrinhos dominam o cinema mainstream, fortalecendo as duas indústrias, apesar da divisão na crítica. Ainda assim, em busca de novas histórias e públicos, já planejando o fim da era dos super heróis, Hollywood se aproxima cada vez mais de outras fontes, especificamente os videogames e o universo japonês dos animes e mangás.

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O Ornitólogo e a naturalização do desejo

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Adriano Arrigo

Pouquíssimos compreenderam a performance da atriz transexual Viviany Beleboni na Parada Gay de São Paulo, em 2015. Naquele ano, ela se vestiu de Jesus Cristo para denunciar a morte e o martírio de transexuais no Brasil, o país mais letal para essas pessoas no mundo. Após sua encenação, Viviany viria a colocar sua vida em jogo, quando fora esfaqueada por dois homens ao sair sozinha de casa para ir ao supermercado. “Falavam em Romanos (o livro da Bíblia) e coisas como ‘não te deitarás com um homem, como se fosse mulher’, muitas palavras que não entendia, como se fosse em outro idioma”, contou em uma entrevista. Continue lendo “O Ornitólogo e a naturalização do desejo”

O Poderoso Chefão: ainda uma oferta irrecusável

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Gabriel Leite Ferreira e Nilo Vieira

Segundo Francis Ford Coppola, um termo-chave que defina o tema de suas produções é crucial para seu desenvolvimento – para ele, “sucessão” seria a escolha em relação à sua obra mais celebrada, O Poderoso Chefão (1972). Não há como negar que se trata de uma opção acertada, mas outra palavra parece fazer maior justiça: contradição. Continue lendo “O Poderoso Chefão: ainda uma oferta irrecusável”

Trainspotting 2: Quando a crise dos 40 atinge os junkies

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Bárbara Alcântara

Em 1996, o mundo assistia, maravilhado, ao mergulho que o jovem Mark Renton (Ewan McGregor) dava na “pior privada da Escócia”, em busca dos supositórios de ópio que havia introduzido em (mais uma) tentativa de abandonar o vício em heroína. Esse foi Trainspotting: as epopeias de quatro amigos de infância numa Edimburgo psicodélica, passando de bar em bar (e biqueira em biqueira), afogando em copos e agulhas as desilusões e insatisfações com o ideal de vida que lhes era enfiado goela abaixo. Continue lendo “Trainspotting 2: Quando a crise dos 40 atinge os junkies”

We are the music makers: a trilha sonora da era das máquinas

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Nilo Vieira

Não é novidade que o processo de isolamento pode render ótimos trabalhos artísticos; só membros do Pink Floyd, por exemplo, já lançaram ao menos três grandes tratados sobre o assunto. Todavia, na era contemporânea, não há vertente sonora que capture essas experiências solitárias de maneira mais ampla e criativa que a música eletrônica. Valendo do gancho de aniversários, trataremos de algumas das mais impactantes – criadas por personalidades reclusas ou em períodos de isolamento. Continue lendo “We are the music makers: a trilha sonora da era das máquinas”

The Velvet Underground & Nico: uma banana para os hippies, uma bíblia para os tortos

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Gabriel Leite Ferreira

“Um dia uma chuva de verdade virá lavar toda a escória das ruas.”

– Travis Bickle

Entre as inúmeras contribuições de Martin Scorsese para a sétima arte, Taxi Driver é uma das maiores. Polêmico desde seu lançamento, em 1976, o quinto filme do diretor norte-americano sintetiza perfeitamente os anseios e as paranoias da geração pós-Vietnã em Travis Bickle, o taxista perturbado interpretado por Robert De Niro. O retrato sem retoques do submundo de Nova York é o auge da quebra dos padrões do cinema hollywoodiano promovida pelo New Hollywood, movimento capitaneado por diretores do final dos anos 60 cuja proposta tem raiz em outro campo da arte. Continue lendo “The Velvet Underground & Nico: uma banana para os hippies, uma bíblia para os tortos”

Sick Sad World: Como Daria e Enid mostraram o quão fantasmagórico o nosso mundo é

Daria (ao centro) e a serenidade no olhar de quem não tem baixa auto-estima e, sim, baixa estima por todas as outras pessoas.
Daria (ao centro) e a serenidade no olhar de quem não tem baixa auto-estima e, sim, baixa estima por todas as outras pessoas

Bárbara Alcântara

É difícil de acreditar, mas houve uma época em que a MTV gastava os seus minutos com programas muito mais interessantes que Jersey Shore e My Super Sweet 16. Um exemplo é a série animada Daria, lançada em março de 1997 como um spin-off da queridinha da Era Dourada do canal, Beavis and Butt-Head. A protagonista era uma antítese da dupla de amigos sem noção que fez tanto sucesso: uma jovem inteligente, sarcástica e antissocial, que arrancava boas risadas do público ao tecer críticas ácidas ao estereótipo do americano “médio” – tudo isso sem esboçar um sorriso sequer. Continue lendo “Sick Sad World: Como Daria e Enid mostraram o quão fantasmagórico o nosso mundo é”

La La Land: o sabor agridoce da nostalgia

La-La-LandJoão Pedro Fávero e Nilo Vieira

Não é incomum ouvirmos expressões como “bom mesmo era antigamente, quando…”, mesmo que de pessoas jovens, sendo disparadas em debates sobre produtos culturais e midiáticos. Damien Chazelle, diretor de La La Land e atualmente com 32 anos, parece sofrer de uma sensação nostálgica do mais alto nível, sentindo saudades de uma era não vivenciada por ele. Continue lendo “La La Land: o sabor agridoce da nostalgia”

Até O Último Homem: quão intenso ecoa na história o ideal de alguém obstinado?

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Guilherme Reis Mantovani

Até o Último Homem (Hacksaw Ridge) nos apresenta a história verídica de Desmond Doss (Andrew Garfield), um interiorano norte-americano que opta por ingressar no Exército dos Estados Unidos pouco depois de conhecer Dorothy Schutte (Teresa Palmer), uma enfermeira pela qual se apaixona de forma irrefreável e recíproca. Devido à sua máxima de que a fé é a melhor alavanca para o ideal que fomenta seu caráter e calca seus princípios morais e religiosos – premissa esta moldada por traumas do passado, resultado de um ambiente familiar profundamente conturbado – o religioso Desmond encara uma batalha pessoal contra a hierarquia, o sistema e o preconceito do Exército ao expor sua vontade de se envolver na Segunda Guerra Mundial como médico de combate sem um único rifle para se proteger, disposto a salvar o maior número de vidas e decidido a não tirar nenhuma. Continue lendo “Até O Último Homem: quão intenso ecoa na história o ideal de alguém obstinado?”

Estrelas Além do Tempo: Aristocracia matemática

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Eli Vagner F. Rodrigues

O título Estrelas além do Tempo não parece ser uma boa expressão para verter em português o original, Hidden Figures (figuras ocultas). Mesmo considerando que os títulos não devem ser, necessariamente, traduções e sim adaptações ou versões para um mercado específico, o título em português parece não dizer muita coisa sobre o filme. A obra, no entanto, diz bastante sobre temas que já conhecemos bem, segregação racial e preconceito de gênero. Por mais que estes temas sejam de grande importância e figurem como motivos culturais contemporâneos por excelência, não são suficientes, nesse caso, para levar o filme ao status de grande obra cinematográfica. Continue lendo “Estrelas Além do Tempo: Aristocracia matemática”