Estante do Persona – Maio de 2022

Em maio, o Clube do Livro do Persona ferveu no Rio de Janeiro de Lola e João, o centro narrativo de Como se estivéssemos em palimpsesto de putas, a última obra de Elvira Vigna publicada em vida (Foto: Reprodução/Arte: Nathália Mendes/Texto de Abertura: Raquel Dutra)

“a vida é crua, não, moço?”

– Hilda Hilst

Depois de um mês de Abril marcado pelas muitas reflexões que a vida, obra e morte de Lygia Fagundes Telles nos provocaram, o Clube do Livro do Persona sabia que o mês de Maio era de seguir adiante no processo de explorar os substantivos femininos expressos na Literatura brasileira. E como a única regra continua sendo não fugir da complexidade natural que acompanha esse universo, a escolha da vez foi a última obra que Elvira Vigna publicou em vida: Como se estivéssemos em palimpsesto de putas.

O livro de 2016 finalizou com louvor um aspecto da trajetória da também jornalista, ilustradora, crítica e artista plástica, que passou a existir em 1988 como escritora através de Sete anos e um dia. Nas seis obras sequentes, Coisas que os homens não entendem (2002) e Deixei ele lá e vim (2006) destacam a essência de Elvira Vigna: com muita subjetividade, minimalismo, significação e teor político, ela cria uma Literatura experimental em contextos marginalizados para refletir sobre a experiência das mulheres na sociedade.

A construção é justamente o que desenvolve Nada a dizer (2010), sua obra mais aclamada e vencedora do Prêmio da Academia Brasileira de Letras de Ficção. Apresentando uma história de adultério narrada pela mulher traída, Elvira Vigna questiona as relações afetivas no mundo atual, numa determinação que dialoga com a própria Dama da Literatura Brasileira e, mais diretamente, com a poesia visceral de sua amiga de vida, Hilda Hilst, e a vencedora do Prêmio Camões de 2021, Paulina Chiziane.

Assim, o terreno era preparado para o livro de 2016, que apesar de tudo não definiu o fim de Elvira Vigna. Da autora falecida em julho de 2017, em decorrência de um carcinoma que debilitou a sua saúde durante os 5 anos anteriores, foi lançada a obra póstuma Kafkianas (2018), coletânea de contos muito bem apresentados pelo título. Mas antes de encerrar suas atividades em vida, ela intensificou sua voracidade em encarar a sociedade brasileira contemporânea pelas óticas de gênero.

Como se estivéssemos em palimpsesto de putas leva a Literatura de Vigna de volta aos seus níveis compulsivamente radicais, já experimentados pelos seus leitores nas citadas obras anteriores. Fervendo em assimilações, assim como os personagens do livro borbulham no Rio de Janeiro que uma polida cultura brasileira não é capaz de enxergar, o nosso Clube do Livro se inspirou para mais uma edição do Estante do Persona. No entanto, a conclusão é de que nada é como Elvira Vigna em ebulição com as suas próprias palavras.

Livro do Mês

Capa do livro Como se estivéssemos em palimpsesto de putas, da autora Elvira Vigna. A capa é roxa e tem o nome da autora, Elvira Vigna, escrito em fonte preta no canto superior esquerdo. Ao centro da capa e alinhado à direita, lemos em branco o nome do livro, Como se estivéssemos em palimpsesto de putas. Na parte de baixo e centralizado em preto está o logo da editora Companhia das Letras.
Elvira Vigna recebeu o Prêmio Jabuti duas vezes: um na categoria Livro Infantil, em 1980, e novamente em 2013, na categoria Ilustração (Foto: Companhia das Letras)

Elvira Vigna – Como se estivéssemos em palimpsesto de putas (216 páginas, Companhia das Letras)

Dois estranhos se encontram num verão escaldante no Rio de Janeiro. É assim que Elvira Vigna dá partida ao último livro que escreveu e publicou enquanto ainda era viva. Na trama, a narradora se intriga pelas histórias de João, um sujeito diminuto que passou a existência completa entre lençóis, puteiros e quartos de hotel com prostitutas. Tudo isso enquanto sua esposa, Lola, aturava mentiras e explicações vazias. Ao longo das mais de duzentas páginas, que emocionalmente se quadruplicam, a escritora rasga as entranhas da condição humana, se deliciando com questões de moralidade, amor, sexo e controle.

O palimpsesto, um papiro ou pergaminho cujo texto primitivo foi raspado, para dar lugar a outro, recebe em seu tratamento a metamorfose da história em sua completude. João escreve e reescreve sua jornada com as mulheres a quem pagou por sexo, sempre em uma busca faminta pelo papel de alfa da alcateia. Através de períodos curtos, indagações pontiagudas e o uso mais do que eficiente de repetições, Elvira Vigna nos coloca todos dentro do palimpsesto, tornando impossível a ação de nos mantermos em silêncio quando confrontados com tais temas, tal entrega e tal formatação. Sinestésica, a escrita é quente, fumegante, borbulhante, e ai de quem temer se queimar. 


Dicas do Mês

Capa do livro It: A Coisa, do autor Stephen King. A capa tem fundo branco e mostra o desenho de um palhaço no topo, centralizado. O cabelo da figura é formado por duas manchas redondas que imitam sangue, enquanto seus olhos, sobrancelhas e nariz vermelhos são desenhados. Abaixo, lemos em preto “A Coisa”, e em vermelho “IT”. O nome do autor aparece em preto e letras grandes, STEPHEN KING. No canto inferior esquerdo, vemos em preto o logo da editora Suma.
Mergulhando no mais profano do terror, It: A Coisa foi traduzido por Regiane Winarski e ganhou uma adaptação cinematográfica dirigida por Andy Muschietti (Foto: Suma)

Stephen King – It: A Coisa (1104 páginas, Suma)

Um palhaço sanguinário aterroriza uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos desde que o mundo é mundo. Através de uma influência maléfica, Pennywise trucida crianças, adultos, idosos, sonhos e promessas. Isso é, até que um grupo de amigos, o Clube dos Perdedores, topa com a criatura. A partir da investida contra a fera nos anos 50, o grupo é marcado para sempre, compartilhando um trauma que psicólogo nenhum ajudará a curar.

27 anos depois de expurgarem o que achavam ser o vestígio final da Coisa, eles se reencontram. Um golpe derradeiro não é apenas necessário, mas vital e, através de mais de mil e cem páginas, o Mestre do Terror Stephen King nos detalha as minúcias de Derry, partindo dos tubos desgastados que filtram o esgoto até cada uma das personalidades que habitam o fatídico local. Extenso ao ponto de se tornar, estranhamente, uma leitura de conforto, It: A Coisa não é apenas o maior livro do Rei, em adição ele também é o melhor. – Vitor Evangelista


Com tradução de Cássio de Arantes Leite, o violento livro de David Cronenberg se inicia na tela de um computador e termina numa conversa no Skype (Foto: Alfaguara)

David Cronenberg – Consumidos (304 páginas, Alfaguara)

O nome de David Cronenberg não é exatamente pouco conhecido – muito pelo contrário. Na verdade, talvez possa causar certa estranheza ler o nome do renomado cineasta canadense na capa de um livro; mas, ao decorrer da leitura, Consumidos (2014) se prova o melhor do universo do autor. Sua estreia como escritor – e, até o momento, seu único romance – traz muito do universo retratado em seus filmes, principalmente Crash (1996), adaptação do livro homônimo de J.G. Ballard, com quem Cronenberg divide muitas semelhanças estéticas.

No romance, Cronenberg narra a história de Naomi e Nathan, um casal de jornalistas que, buscando uma reportagem, acabam submersos em uma trama global envolvendo sexo e morte. Ela investiga o assassinato – seguido de um suposto ato de canibalismo – de uma filósofa; ele, vai à Budapeste fotografar um cirurgião que trabalha com um método pouco convencional de combate ao câncer. Trazendo ressonâncias à já citada obra de Ballard, os dois jornalistas mantêm uma fixação por tecnologia, pela competição e quaisquer experiências que os façam escapar do cotidiano. Aos poucos, se dão conta que os fios de suas histórias investigativas interligam-se, aguçando Consumidos em um maravilhoso cenário especulativo. – Bruno Andrade


Capa do livro A Relíquia, do autor Eça de Queirós. Na imagem, uma coroa de espinhos na cor preta estampa grande parte da arte de capa. Na parte superior, o nome da Editora Fora Do Ar em tinta preta, assim como o seu logo que leva o desenho em contorno de uma nave alienígena abduzindo um ser humano. Na parte inferior, o nome do autor Eça de Queirós e o título da obra A Relíquia, ambos em tinta preta.
A Relíquia é um romance realista fantástico publicado em 1887 (Foto: Fora do Ar)

Eça de Queirós – A Relíquia (344 páginas, Fora do Ar)

“Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia”, a epígrafe de A Relíquia, livro clássico do escritor português Eça de Queirós, representa com perfeição o cruzamento entre o real e o imaginário que se estende durante a narrativa da obra. Dono de uma sensibilidade singular, Queirós consegue transitar com fluidez pelo concreto e pelo fantasioso. Assim, os devaneios complementam perfeitamente os momentos brutais da trama, sem deixar espaço para uma leitura confusa.

Teodorico Raposo, mais conhecido como Raposão, é o protagonista e o narrador de seu livro de memórias, A Relíquia. Malicioso e dissimulado em seus escritos, ele conta para o leitor sobre a difícil empreitada de enganar a sua tia beata, Dona Maria do Patrocínio, e, desse modo, poder desfrutar de suas aventuras amorosas, além de se consagrar como herdeiro universal da fortuna de Titi. Dividido em duas personas distintas: um sobrinho religioso e um conquistador nato de mulheres; a obra de Eça de Queirós é tão interessante quanto sarcástica em relação ao contexto em que foi publicada. – Nathalia Tetzner


Capa do livro Um artista do mundo flutuante. Na imagem aparece um fundo azul com pequenos desenhos em preto, que representam uma paisagem com pequenos montes, um lago e uma ponte. Em laranja, na ponte há um homem que observa o horizonte e no céu nove lanternas japonesas flutuam e refletem sua luz na água. Grafados na cor branca, aparecem o nome do autor na porção superior, e o nome do livro na parte inferior. Por fim, o logo da editora está estampado em preto após o título da obra.
Entre altivez e culpa, Um artista do mundo flutuante reconstrói um Japão pós-guerra com palavras cativantes (Foto: Companhia das Letras)

Kazuo Ishiguro – Um artista do mundo flutuante (232 páginas, Companhia das Letras)

Escrito pelo ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2017, Kazuo Ishiguro, Um artista do mundo flutuante é um romance traduzido no Brasil por José Rubens Siqueira. No livro, somos apresentados a vida e incertezas do narrador e protagonista, Masuji Ono. Após a Segunda Guerra Mundial, Masuji está aposentado e é um artista de grande renome na região. Preso a uma mentalidade um tanto tradicionalista, o pintor se choca com os pensamentos das filhas e pessoas da nova geração depois da perturbada abertura do Oriente ao mundo ocidental. 

Ao longo do texto, Ono viaja entre suas memórias e reflete sobre os caminhos que o levaram a ser artista, trazendo à tona a ideia do “mundo flutuante” em que os bares e a vida farrista aconteciam. Esse universo da noite e o professor que o ensinou sobre ele, fazem parte do início do protagonista como pintor, entretanto, adquirir um estilo próprio e ideais políticos sobre a arte mudam sua maneira de agir e geram consequências refletidas no presente. 

Na obra de Kazuo, as recordações são usadas como forma de resistir às mudanças, mas também são responsáveis por reconstruir o país antes das ruínas, assim como, ilustrar a influência estadunidense no comportamento dos japoneses. Um artista do mundo flutuante é uma leitura fluida e rica em detalhes, sua narrativa comove e encanta com delicadeza. – Jamily Rigonatto


capa do livro Garota, mulher, outras, de Bernadine Evaristo. A imagem da capa é uma ilustração realista de uma mulher negra, de cabelos curtos, vestindo uma blusa gola alta acinzentada e estampada, em um fundo esverdeado de folhagens. No canto superior esquerdo está o logo da editora Companhia das Letras. Deslocado mais para a direita, encontra-se o título do livro e, abaixo, ao centro, um comentário do jornal The Sunday Times.
A partir de uma escrita que explora as fronteiras líricas entre diferentes gêneros literários, Garota, mulher, outras é um retrato polifônico da negritude diaspórica na Inglaterra (Foto: Companhia das Letras)

Bernardine Evaristo – Garota, mulher, outras (496 páginas, Companhia das Letras)

Construído em uma estrutura que se assemelha, tanto na forma de quebra dos parágrafos e frases quanto no modo narrativo, a um poemance, ou seja, uma mistura da forma poemática com o romance, o livro da vencedora do Booker Prize Bernardine Evaristo não conseguiria usar tradicionais estruturas para contar as histórias de suas personagens que, pensando no modelo clássico e europeu de um livro, nunca estiveram impressas de modo tão íntimo e verdadeiro, sendo, na realidade, sempre projetadas a uma categoria do “Outro”

Desde os caminhos no processo diaspórico para a Inglaterra, vindas de países como Gana e Nigéria, até no pensar da juventude acerca de gênero e sexualidade, em um cenário socialmente barulhento – Londres em meio às negociações do Brexit – a narrativa de Garota, mulher, outras consegue enclausurar, em seu processo puramente polifônico, o passado, o presente e o futuro das subjetividades retratadas sem necessariamente delimitá-las a cada tempo, mas sim criando novas noções de identidade que transpassam tais noções, unidas nessa busca, constante no livro, pela ancestralidade. Trazendo a realidade de mulheres e pessoas divergentes de gênero e sexualidade para suas páginas, Evaristo inaugura novos imaginários e possibilidades na estrutura do romance. – Enzo Caramori


Capa do livro Daisy Jones & The Six. No centro, está escrito o título do livro em letras garrafais brancas. Do lado esquerdo inferior, está escrito "Uma história de amor e música" em letra branca pequena. A imagem de fundo é o rosto de uma mulher, com tons rosa, azul, amarelo e vermelho. No centro inferior, está o nome de Taylor Jenkins Reid em letras brancas. No centro superior, está escrito "Devorei o livro em um dia e me apaixonei por Daisy e pela banda" em letras brancas e "Reese Whiterspoon" em letras rosa.
A série sobre Daisy Jones & The Six será protagonizada por Sam Claflin e Riley Keough, que é neta de Elvis e Priscilla Presley (Foto: Paralela)

Taylor Jenkins Reid – Daisy Jones & The Six (360 páginas, Paralela)

Como se a euforia pelos anos 70 já não fosse suficiente no imaginário popular, a autora Taylor Jenkins Reid decidiu materializá-la nas páginas de seu próprio livro. Daisy Jones & The Six revive um dos períodos mais efervescentes para a música, especialmente na cidade de Los Angeles, a partir da história da banda que dá nome à obra. O único detalhe, que já é marca registrada da escritora, é que eles nunca existiram na realidade. Por meio de uma narrativa que facilmente se confundiria com o roteiro de um documentário, somos conduzidos às memórias dos integrantes do grupo musical, que relatam os primórdios de suas aventuras durante uma entrevista. 

Da mesma mente que nos trouxe a notável Evelyn Hugo, Taylor Jenkins Reid agora volta os holofotes para Daisy Jones, cantora em ascensão da época, que teve seu caminho cruzado com a banda The Six, e, assim, iniciaram sua carreira de sucesso. Juntos, Daisy, Billy, Graham, Karen, Warren, Pete e Eddie mergulham nas psicodelias que viveram no auge dos anos 70, em meio a muito amor, drogas e rock ’n’ roll. Hipnotizante até o último segundo, a única frustração que Daisy Jones & The Six traz é o fato de podermos apenas imaginar como seriam as músicas da banda. Mas, não por muito tempo, já que o livro conquistou os olhares de Reese Whiterspoon, o que rendeu a produção de uma série em 12 episódios para o Amazon Prime Video, com as gravações já encerradas. – Vitória Silva


Capa do livro Terras do Sem-Fim. Ao centro, e ao fundo, vê-se um homem guiando um carro de bois. Um pouco abaixo vê-se o reflexo desse homem no rio. Ao lados há árvores e pastagem. Ao centro lê-se em branco “JORGE AMADO” acima do D, lê-se na vertical e em amarelo “TERRAS DO SEM-FIM”. No canto inferior esquerdo está a logo da Companhia das Letras. A capa é inteiramente na cor marrom esverdeado.
A terra adubada com sangue (Foto: Companhia das Letras)

Jorge Amado – Terras do Sem-Fim (280 páginas, Companhia das Letras)

Escrito por Jorge Amado durante seu exílio na Argentina, Terras do Sem-Fim vasculha as consequências que a exploração do cacau trouxe para a região de Ilhéus, no sul da Bahia. A trama sobre jagunços traz a história de disputa de terras por duas grandes famílias. Junto com Cacau, São Jorge dos Ilhéus; Gabriela, cravo e canela e Tocaia Grande, Terras do Sem-Fim compõe a fase de livros amadianos dedicados à rica e sangrenta história da região cacaueira da Bahia. Essa obra trabalha memórias da infância do próprio autor, ao mesmo tempo em que denuncia a violência e a exploração que marcaram o período. 

Um clássico na Literatura nacional, Terras do Sem-Fim mantém a fluidez das obras de Jorge Amado, fazendo com que a leitura de cada página seja um deleite e um exercício do estudo da História. A habilidade do escritor em apresentar cenários e personagens permite que o enredo tenha um desenvolvimento excepcional ao mesclar dois pontos de vista. A violência é marcante, mas necessária: Terras do Sem-Fim não é feito para agradar, e sim para expor a guerra política que torna o local sujo e manchado a sangue pelas injustiças sociais e disputas de terra. Os personagens marcantes ditam o ritmo crescente da narrativa, marcando o livro na biografia de Amado. – Ana Júlia Trevisan


Capa do livro Parque Industrial, de Pagu. A imagem é uma ilustração chapada de uma indústria e usa apenas a cor preta, sob um fundo azul celeste. No canto superior direito, está escrito o nome da autora em letra de forma. Na lateral esquerda do livro, se estendendo para a linha inferior, está escrito o título, na mesma estilização.
Aos 100 anos do Modernismo no Brasil, a principal obra de um dos principais nomes do período retornou às livrarias em nova edição publicada pela Companhia das Letras (Foto: Companhia das Letras)

Pagu – Parque Industrial (111 páginas, Companhia das Letras)

Para quem tomou a linguagem contemporânea de Elvira Vigna como um dos aspectos mais fortes de sua obra, é inevitável reconhecer seu diálogo com a sinceridade visceral de Pagu. Separadas por mais de 80 anos, Como se estivéssemos em palimpsesto de putas e Parque Industrial se convergem no objetivo de relatar as dinâmicas das relações vivenciadas por mulheres, em contextos marginalizados e marcados pela violência em suas mais diversas formas. Mas ao contrário do fervor naturalista do Rio de Janeiro dos anos 2010, o primeiro livro de Patrícia Galvão está na mecânica industrial da São Paulo da década de 30, se concretizando como o primeiro romance proletário brasileiro e manifestando a ânsia de revolução cultural da modernista por trás do pseudônimo de Mara Lobo.

Enquanto realiza nada menos do que os desejos de Pagu, o livro atinge bem mais do que suas ambições aos apenas 22 anos de idade. Como um marco absoluto na Literatura brasileira, Parque Industrial retrata a industrialização que definiu o século XX no país, iniciada na capital paulista repleta de promessas, e desenvolvida irregularmente pelo resto do território nacional com muitas consequências – principalmente para quem sempre ocupa o centro e margem da sociedade: as mulheres. Assim, a autora – e seus personagens – não tem tempo para meias palavras nem caprichos estéticos, atribuindo à sua obra um caráter urgente, que captura recortes das vidas fragmentadas pelas máquinas capitalistas, e que, 90 anos depois de sua primeira publicação, diz tanto sobre o Brasil de hoje quanto suas conterrâneas contemporâneas. – Raquel Dutra

Deixe uma resposta