Missão Impossível – Efeito Fallout: entre decisões morais e espetáculos visuais

 

Foto: Reprodução/ Paramount Pictures

A série Missão Impossível parece se adaptar à diferentes épocas. Menos espionagem e mais espetáculo, Efeito Fallout tem boas cenas de ação e adiciona novas temáticas, mas não se desenvolve como um todo coeso.

Lucas Marques

Em meados de Missão Impossível: Efeito Fallout, o vilão Solomon Lane (Sean Harris) diz a Ethan Hunt (Tom Cruise), o protagonista da série cinematográfica, que o fim causado pela ativação de armas nucleares é “a consequência de todas suas boas intenções” (“the fallout of all your good intentions”). A frase norteia toda a produção, seja pelo trocadilho (“fallout” significa tanto “chuva radioativa” quanto “consequência”) e principalmente em relação às decisões morais e éticas empreendidas por Ethan no decorrer da aventura.

A temática da moralidade, entretanto, é mais um mero artifício do que propriamente uma discussão para além do maniqueísmo. Em suma, a experiência do sexto Missão Impossível compartilha dessa alternância de expectativa: ora apresenta conceitos poucos explorados em filmes de ação, noutras é desconfortavelmente raso; ora utiliza da herança do gênero de espionagem em reedições modernas, noutras apenas se debruça em algum clichê arrastado.

A premissa do filme envolve a corrida de Ethan e sua equipe contra a organização anarquista de Solomon Lane para a obtenção de três esferas de urânio, as quais ativariam armas de destruição em massa. É, antes de tudo, uma missão de reparação de Ethan de sua primeira decisão moral do filme: salvar seu parceiro Luther Stickell (Ving Rhames) das mãos dos terroristas ou pegar a maleta com os objetos de urânio. Obviamente, o agente opta pelo parceiro, mas o interessante é notar a construção da cena: vemos na perspectiva de Ethan, em slow motion, seu amigo rendido na esquerda e na direita a mala. São decisões mutuamente exclusivas. Não é difícil achar paralelos com videogames como Life is Strange, The Walking Dead ou Mass Effect, com suas decisões morais muitas vezes forçadas, mas pontos centrais da experiência.

Se fosse um videogame seria até possível imaginar uma indicação: “esquerda para salvar Luther, direita para pegar a maleta”. O ensaísta Tony Zhou destrincha essa dinâmica cinematográfica em um vídeo. (Foto: Reprodução)

Nos melhores momentos das escolhas morais do longa-metragem dirigido por Christopher McQuarrie (responsável também pelo quinto filme da franquia), o tempo das escolhas sendo expostas até mesmo sugere um jogo com o público. É uma boa sacada dar tempo para maturar as possíveis consequências. Nos piores momentos, entretanto, a dúvida só está para mostrar o heroísmo inabalável de Ethan, por mais estranho que possa parecer em algumas cenas.

Efeito Fallout cerceia a premissa com uma diversidade de personagens e interesses. Além de Luther Stickell, Benji Dunn (Simon Pegg) é o outro homem de confiança de Ethan (e o alívio cômico). Temos agentes dúbios, como o brutamontes August Walker (Henry Cavill, que se insere como um contraste ao bom mocismo Tom Cruise) e a regressante Ilsa Faust (Rebecca Ferguson). Completando o tabuleiro, estão peças mais manipuladoras do poder, como as personagens interpretadas por Alec Baldwin, Angela Bassett e Vanessa Kirby. Juntos executam um jogo dinâmico que alterna a todo momento vencedores e perdedores, aliados e inimigos. Ainda que muitas dessas jogadas sejam puramente plásticas e de regras inventadas de última hora, as viradas de roteiro fornecem alguns risos de incredulidade, para o bem ou para o mal.

O filme vende uma versão da personagem de Tom Cruise, a do justo e destemido, porém é difícil deixar de notar algumas ironias do comportamento de Ethan. A tal frase sobre as “boas intenções” do agente pode até adquirir um significado maior se identificarmos o quanto apolítico ou alienado ele é – ainda mais considerando toda a geopolítica envolvida na trama.

Há um certo contraste quando em uma cena Ethan considera inimaginável matar indivíduos do poder estatal e em outra ele cogita tortura ou arremessa sem pensar duas vezes lacaios inimigos de um helicóptero. Ethan é tão virtuoso quanto outros grandes genocidas da ficção, como John Rambo e Nathan Drake (do videogame Uncharted). Não que esse aspecto por si só diminui Missão Impossível. Afinal, essa moralidade cega de Ethan funciona, assim como tantas outras obras, em um determinado contexto e gênero. A ingenuidade é parte da proposta de Missão Impossível e na maior parte do tempo faz sentido e é divertida. É só que às vezes fica difícil torcer para Ethan.

Salomon Kane é o pior exemplo dos furos da ética utilitarista – o terrorista calcula que matar boa parte do planeta trará um futuro melhor. Ethan é uma versão on steroids do imperativo categórico de Kant, principalmente em tomar a humanidade como fim e não como meio. Kane sabe exatamente toda essa terminologia de ética (até porque a explicação do “efeito fallout” vem dele), mas está do “lado errado”. A personagem de Tom Cruise ignora a parte mais teórica, porém está “certo”. E na maior parte do tempo a discussão moral, mesmo simplista, oferece sabores a trama, ainda mais se considerarmos as ironias do pensamento do filme.

O problema está quando, colocando Ethan naquela clássica charada moral do trem desgovernado, na qual se tem a opção de mudar o curso dos trilhos, matar uma pessoa e salvar cinco ou ficar na mesma linha, acarretando na morte dos cinco indivíduos, o espião subverte essa lógica: ele muda o curso do trem, pula para fora, salva a pessoa no último minuto e ainda descobre que o veículo incontrolável estava nos planos de alguma organização criminosa.

Em última instância, não há realmente consequências para as ações. Quando parece que não existe escapatória de uma consequência desastrosa entra alguma solução milagrosa, o que não significa necessariamente ações mirabolantes. As viradas de roteiro absurdas, envolvendo máscaras, duplas identidades, traições e cenas radicais são a maior parte da graça da série cinematografia. O exagero, nesse caso, é agradável e fornece o tom da aventura. As soluções desagradáveis a que me refiro são aquelas restritas ao plano verbal – quando uma fala responde a ameaça de outra fala, sem representações imagéticas relevantes ao espectador – e ao plano moral – algo acontecendo de súbito apenas para salvar a boa reputação de Ethan, como no momento em que um tiro dos vilões a uma policial inocente poupa a equipe dos agentes de realizar a mesma ação.

Cada Missão Impossível possui uma sequência chave para a venda do produto. No quinto filme foi a escalada no maior prédio do mundo. Nesta edição o chamariz são as manobras do helicóptero dirigido pelo próprio Tom Cruise. (Foto: Reprodução)

De fato, o modus operandi de Ethan Hunt mudou no decorrer da franquia. Se o primeiro Missão Impossível (1996), dirigido por Brian de Palma, tinha um encantamento pelos inventos tecnológicos – herança da série televisiva dos anos 1980 -, o segundo filme já possui aquela estética jaqueta couro que tanto marcou o início dos anos 2000, sem contar a introdução da ação desenfreada pelo diretor John Woo.

O sexto título compartilha das melhores e piores qualidades dos blockbusters modernos: cenas feitas para extrair o máximo de emoção momentânea – exemplos sólidos de boa direção, coreografia e dinâmica de ação -, mas com a finalidade em si mesmas, pouco importando para o obra em geral. Efeito Fallout funciona, assim como um bom exemplar da franquia de filmes da Marvel, dos Velozes e Furiosos ou do videogame Call of Duty. O prato principal é o espetáculo visual e são pequenos fragmentos dele que estarão em nossa memória daqui há algum tempo.

A série Missão Impossível está longe de dar sinais de desgastes, ao menos comercialmente: Efeito Fallout bateu recorde de abertura da franquia nas bilheterias, desempenhando bons números principalmente em mercados globais. E, mesmo não comprando a versão de que o filme seja o suprassumo do gênero de ação e considerando o último ato maçante por se debruçar em uma artimanha já batida, espero os próximos capítulos de um Tom Cruise envelhecido.

 

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