Melhores discos de Julho/2019

“Vai, minha tristeza, e diz pra ele que sem ele não pode ser”: registro da última turnê de João Gilberto, em 2008. O criador da bossa nova faleceu no último dia 6 (Foto: Leo Aversa)

Frederico Tapia e Gabriel Leite Ferreira

O século XX vai aos poucos se despedindo de nós. Depois da fundamental Beth Carvalho em abril, chegou a vez de João Gilberto deixar este mundo, no dia 6 de julho, aos 88 anos. João já não fazia shows desde 2008 e não gravava desde 2000. Seus últimos anos foram marcados por sua notória reclusão e pelas infinitas batalhas judiciais travadas entre seus herdeiros, que incluíram turnês canceladas e pedidos de interdição.

Felizmente a reputação do baiano João Gilberto como baluarte da música popular brasileira é intacta desde 1959, ano da estreia Chega de Saudade, disco que alavancou uma revolução sem precedentes no Brasil e no mundo. A mistura de samba e jazz no violão complexamente delicado, junto às interpretações igualmente delicadas, entortaram a cabeça de uma juventude que menos de uma década depois viraria a MPB do avesso com a tropicália. Sobre sua influência fora do país, vale ler este artigo da revista Época, que conta um pouco da bonita relação de João Gilberto com o Japão.

É nesse clima de tristeza e gratidão que se embala a curadoria de julho. Confiram!

Hot e Oreia – Rap de Massagem

rap

Rap de Massagem é uma das melhores estreias brasileiras dos últimos tempos. Hot e Oreia surgiram primeiro como integrantes do coletivo mineiro DV Tribo (completado por Djonga, FBC e Clara Lima), desde sempre chamando atenção por suas rimas descontraídas. No primeiro disco da dupla eles seguem por esse caminho, e tem consciência de estar em um nicho pouco habitado pelo rap nacional.

“Ei, seu rapper favorito me acha esquisito”, manda Hot na faixa “Rappers”. Considerando o visual e a postura sisudas da grande maioria dos expoentes do estilo, a dupla mineira é mesmo estranha. Os vocais estridentes e versos como “Com família não se mexe / Minha mexe tanto que fede” e “Se só pensa com o falo / é porque quer soltar o anel” destoam da agressividade do trap da Recayd Mob e do romantismo clichê de Baco Exu do Blues. “Depois de Black Alien e Speed, é só nós memo”, diz Oreia na grudenta “Estilo”, referindo-se a outra dupla de rappers que sacudiu os padrões do gênero no Brasil.

Se Hot e Oreia se consolidarão como revolucionários de uma estética única, só o tempo dirá. Por ora, é seguro dizer que Rap de Massagem é dos discos mais coesos do ano. Pra ouvir numa boa. Destaque para o clipe de “Eu Vou”, com participação de Djonga. (GF)


Lingua Ignota – Caligula

música industrial, música neoclássica

Lingua Ignota, nome artístico de Kristin Hayter, continua aprimorando em seu terceiro álbum o que já havia trazido em seus projetos anteriores. O álbum traz elementos de noise, metal extremo, darkwave e música clássica. Liricamente, ela se apropria de imagens e referências bíblicas para retratar abusos que sofreu, sua eterna dificuldade e consequências desse sofrimento. Utilizando-se de uma enorme versatilidade vocal, Hayter cria um cenário apocalíptico, e apesar de ainda ter algumas de suas influências muito visíveis, sendo Diamanda Galás a mais notável, sua escrita é extremamente comovente e as performances extremamente viscerais não deixam com que isso se torne um problema.

A sonoridade em Caligula é extremamente abrasiva, sendo por muitas vezes difícil de digerir. O álbum é denso (dura pouco mais de uma hora) e é uma experiência completamente devastadora e única. A forma com que Hayter conecta as músicas temática e liricamente, por vezes reutilizando algumas letras, reforça e induz repetidas audições para se compreender o panorama geral do álbum. No fim das contas, Caligula só fortalece a reputação de que Lingua Ignota se trata de um dos, se não o ato mais intrigante da música experimental atualmente. (FT)


Purple Mountains – Purple Mountains

indie rock, country

Onze anos separam o último trabalho do escritor e compositor David Berman e este. Conhecido como o fundador da banda Silver Jews, Berman, apesar de bem conceituado, fez poucos shows durante sua carreira, o que diminuiu suas chances de sentar ao lado do parceiro Stephen Malkmus (Pavement) no panteão dos grandes cantautores do indie rock. Agora, ele retorna em grande forma com o Purple Mountains.

Musicalmente falando, são poucas as diferenças entre Silver Jews e Purple Mountains: indie rock com nuances de country/folk rock. É nas letras que a estreia homônima guarda o seu grande trunfo. Berman acabou de terminar um casamento de 20 anos e, apesar de afirmar que ambos continuam amigos, a amargura da separação é palpável em cada faixa do disco. Some aí uma depressão crônica e um passado de abuso de substâncias, e você pode ter uma ideia da condição em que ele se encontra.

Então, o que separa Purple Mountains de outros discos de término de relacionamento como A Crow Looked at Me, de Mount Eerie, e Blood on the Tracks, de Bob Dylan? Os arranjos invariavelmente contradizem as letras, o que permite paradoxos como uma canção de nome “All My Happiness is Gone” ser um (indie) rock de arena de respeito; ou então a pungente “Darkness and Cold” ter um clipe extremamente engraçado.

A banda de apoio não reinventa roda alguma (a sensação de se estar ouvindo um álbum dos anos 70 é constante), mas diante de interpretações tão tocantes de Berman isso só aumenta o charme da obra. Afinal, é um disco sobre tempos que passaram e a paralisia diante dos tempos que vieram (vide as dolorosas “She’s Making Friends, I’m Turning Stranger” e o encerramento com “Maybe I’m The Only One For Me”). Recomendado para amantes da sofrência folk do século passado. (GF)

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