Melhores discos de Agosto e Setembro/2019

Linn, Glória, Karol discos
Da esquerda para a direita: Linn da Quebrada, Glória Groove e Karol Conká. A música brasileira vai muito bem, obrigada! (Divulgação)

Gabriel Leite Ferreira, Leandro Gonçalves e Leonardo Teixeira

“A música brasileira está uma merda”, afirmou Milton Nascimento em entrevista polêmica para a coluna de Mônica Bergamo da Folha de S. Paulo, no último dia 22. E armou-se o circo. A assessoria do cantor do clube da esquina logo tratou de esclarecer o que seria um mal-entendido, já que Nascimento estaria se referindo à produção musical do mainstream brasileiro.

O que deveria amenizar as discussões, deu mais pano pra manga. Em meio a manifestações de apoio e repúdio à fala do cantor e compositor mineiro, a bolha cultural da internet tirou o dia para discutir a produção musical brasileira. Afinal de contas, a nossa música, popular ou independente, estaria uma merda?

Nossa curadoria dos meses de agosto e setembro prova que não. Numa semana em que o cantor Jaloo anunciou — em um desabafo que revelou a dificuldade de se fazer música por conta própria no Brasil — que não deve trabalhar por muito mais tempo, fica um pensamento: a arte merece apoio. A arte brasileira e a estrangeira, a arte de gravadora e a underground.

Confira abaixo os nossos momentos preferidos, dentre todas essas cenas, dos dois últimos meses. Boa leitura!

Charli XCX discos

Charli XCX – Charli

pop, pc music

Liberdade artística é um conceito que muitos artistas do cenário que chamamos de mainstream nem sonham em alcançar. Para a arte de Charli XCX, no entanto, a autonomia é condição de existência. E ela consegue aqui provar isso novamente. Seu disco auto-intitulado é ouro pop, com doses generosas, quase cavalares, de PC music e muito a dizer sobre o futuro. Da impecável “Gone” nasce uma viagem coesa e até bastante chiclete, mas que sugere caminhos cada vez mais metálicos e complexos para a música pop. “2099”, fechamento do registro e segunda parceria da britânica com o príncipe Troye Sivan, coroa o casamento de XCX com o estranho e o inovador.

Longe de querer inventar a roda, o registro retoma referências já sedimentadas do gênero e as perverte, numa viagem robótica mas cheia de alma. Repleto de participações marcantes, o novo trabalho da intérprete de “Vroom Vroom” não tem medo de incomodar, mas suas brincadeiras são feitas num terreno familiar e frutífero. Até a diva Pabllo Vittar teve espaço, na faixa mais longa (e doida) do projeto. (LT)


Davi discos

Davi – Ritual

ambient pop

Chique. Se tem uma palavra que, sozinha, consegue definir o registro de estreia do goiano Davi Sabbag, aqui está. Ritual é chiquérrimo. A produção, encabeçada pelo cantor e alguns parceiros, evoca o intimismo de um quarto de apartamento e todos os desdobramentos que esse ambiente rende. Dessa forma, sexo, auto-cuidado, romance e reflexão fazem parte da teia que o ex-Banda Uó desenvolve nas faixas.

Mesmo em momentos como o dancehall de “Não Faz Diferença” ou  a sexualmente carregada “Banquete” — respectivamente em parceria com Urias e Jaloo —, sutileza e delicadeza comandam a experiência, estética que Sabbag vem amadurecendo desde o início de seu projeto solo e merece ser ainda mais explorada. (LT)


Jaloo discos

Jaloo – ft (pt. 1)

pop, tecnobrega

Menos de meia década se passou desde a sua estreia, mas uma coisa é certa: o Jaloo de ontem é bastante diferente do Jaloo de hoje. Não se preocupe, brincadeiras com regionalismos, letras contemplativas e melodias grudentas continuam parte importante na obra do cantor paraense. Mas é impossível não notar o seu amadurecimento em ft (pt. 1).

Primeira metade de um projeto de parcerias com artistas dos mais diversos universos, o novo disco tem tudo o que esperamos de Jaloo e mais um pouco. Inclua neste mais um pouco uma produção menos experimental, encabeçada pelo próprio intérprete, mas que nunca deixa de empolgar, assim como encontros inusitados de gêneros e referências. Cabem mil brasis no mundo em expansão de Jaloo. Continuamos apaixonados, com a certeza de que o pop brasileiro está muito bem servido(LT)


Jay discos

Jay Som – Anak Ko

indie rock, dream pop

Anak Ko começa onde exatamente parou o aclamado Everybody Works (2017) da multiinstrumentista Melina Duterte, ou Jay Som – com a diferença que agora ela não gravou tudo sozinha. A aposta em um indie rock mais soturno, com inclusão de sintetizadores e cordas, revela-se acertada: os 34 minutos de música são coesos e agradáveis.

Destaque para o desempenho de Melina na guitarra – pura destreza e sutileza. A única deficiência de Anak Ko está nas letras, principalmente nos momentos feitos sob medida para a catarse (“If You Want It”, “Superbike”) que acabam por soar derivativos. Nada que prejudique o produto final. Destaques para a supracitada “Superbike”, “Nighttime Drive” e a faixa-título. (GF)


Jenny Hval discos

Jenny Hval – The Practice of Love

art pop, eletrônico, experimental

Mesmo que pouco conhecida pelo grande público, Jenny Hval está longe de ser iniciante na cena. Responsável por sete elogiados registros, a compositora e romancista sempre deu tratamento complexo a temas incômodos. Não havia razão lógica para alterar esse time ganhador, mas, em The Practice of Love, a norueguesa reflete feminilidade e amor acompanhada de uma produção influenciada pelo house de Detroit e o synthpop da década de 80. Trata-se de uma abordagem mais acessível que esforços anteriores, ainda que a efervescência criativa de Hval opere mais forte do que nunca. (LT)


luisa discos

Luísa e os Alquimistas – Jaquatirica Print

tecnobrega, electropop

A melodia é chiclete. A batida, dançante. Sem esquecer-se das letras irreverentes. O quarteto potiguar entrega, em seu terceiro registro de estúdio, tudo que era de se esperar. Mas Jaquatirica Print consegue, ainda, surpreender. Com produção arrojada e cheia de excessos bem-vindos, o disco é grudento sem soar manjado ou repetitivo, devido à mistura de tecnobrega com referências do pop de vanguarda oitentista, como Pet Shop Boys e Grace Jones, que é pra lá de inusitada. O single “Furtacor” tem estética romântica e psicodélica, sendo um dos destaques do LP; ao passo que “Descoladinha”, ato de abertura, tem tudo para hitar nas festas queer moderninhas Brasil afora. (LT)


pharma discos

Pharmakon – Devour

death industrial

O Black Sabbath foi um dos primeiros grupos do século XX a entender que o público gosta de sentir medo. Traçando uma linha evolutiva torta, pode-se dizer que a música industrial levou essa lógica a um novo patamar, praticando sons que não raro desafiavam as limitações do rótulo “música” através do extremismo visual e sonoro. 2019 tem se provado terreno fértil para esse tipo de experimentação.

Após o opressivamente opulento Caligula, da revelação Lingua Ignota, chega Devour, da sempre ameaçadora Pharmakon. Nada de opulência aqui; o death industrial de Margaret Chardiet é minimalista. Basta uma base em loop e camadas de puro e simples barulho para ela atacar o microfone. Em seu quinto álbum ela finalmente transfere o clima dos shows para o disco. As 5 faixas fluem entre si, proporcionando um pequeno espetáculo de masoquismo. Segundo a resenha do site Resident Advisor, em Devour Chardiet quer que nós aceitemos a pequenez de nossa existência. Nós aceitamos, Margaret. (GF)


sant discos

Sant & LP Beatzz – Fazendo Arte

rap

Primeiro disco do rapper carioca desde 2015, Fazendo Arte vem menos verborrágico que seus sucessores. Sant’Clair Araújo Alves de Souza parece estar de bem com a vida, reflexivo após anunciar o fim de sua carreira em abril. Aqui ele canta basicamente sobre o papel do rap em sua vida  e sobre amores, embalado pelas bases jazzísticas de LP Beatzz. A duração do EP (4 faixas totalizando cerca de 10 minutos) tanto prejudica quanto beneficia: não há tempo para as faixas mais estruturadas e quase épicas de O que separa os homens dos meninos – Vol. 1 (2015), mas o replay é certo. (GF)


slayyyter discos

Slayyyter – Slayyyter

pop

Vocais melindrosos, refrões-chiclete e uma apurada sonoridade comercial compõem a mixtape homônima da artista americana Slayyyter, uma espécie de “cantora pop side b dos anos dois mil”. A estreia é um prato cheio para quem sente saudade das cantoras adolescentes de outrora, como Britney Spears e Jessica Simpson, mas que atualmente escutam Charli XCX, SOPHIE ou outras artistas vanguardistas da PC Music.

Composta por 14 faixas, a tracklist é repleta de mensagens provocativas, típicas de quem só quer se divertir sem assumir compromissos. Em faixas como “Devil”, Slayyyter canta sobre atrair garotos estúpidos e deixá-los malucos. Já em “Touch My Body” – alô, Mariah! – a loira fala sobre esperar a ligação de alguém minimamente especial. E por aí vai, quarenta minutos de pura efervescência.

Assim, o trabalho não é liricamente pretensioso. Pelo contrário, é frívolo e soa confortavelmente fútil na maior parte do tempo. Afinal, não é sempre que queremos ou precisamos mergulhar profundamente em algo. Nesse sentido, Slayyyter é uma boa pedida para quem quer curtir uma vibe sexy e debochada, para cantar na frente do espelho enquanto se sente a última bolacha do pacote.

Mas, um detalhe. Não ouça “Daddy AF” em público sem fones de ouvido. Avisa quem amigo é. (LG)


slipknot discos

Slipknot – We Are Not Your Kind

metal alternativo

Um comentário de internet sobre o novo disco do Slipknot: “O disco foi gravado em uma frequência que só é audível para ouvidos de pessoas abaixo de 14 anos”. Não é de hoje que o metal alternativo (ou new metal) é visto como juvenil e poser, principalmente pelos metalheads mais fervorosos. Esse tipo de miopia prejudica a recepção de bons discos do gênero, como este We Are Not Your Kind, o sexto do Slipknot.

Uma evolução notável do saturado .5: The Gray Chapter, We Are Not Your Kind não converterá os detratores, agradará os fãs e, de quebra, pode conquistar os indiferentes. A mistura do metal alternativo (incluindo aí guitarras em tom menor, andamentos retos e refrões melódicos) com influências mais extremas deu forma a um produto perfeitamente equilibrado entre o mainstream e o underground. O Slipknot, aliás, pode ser considerado um dos grupos de metal mainstream mais extremos dos últimos anos, vide o apelo visual e, claro, a música.

Nesse último aspecto, nada mudou: a porradaria é garantida na maior parte do tracklist, com destaque para os riffs cirúrgicos de Jim Root e Mick Thomson e a interpretação impecável do vocalista Corey Taylor. O maior destaque às nuances eletrônicas, sempre presentes na discografia do grupo, dá respiro entre as 14 faixas, trazendo coesão. Mas não espere um rolo compressor inclemente: o apelo pop de faixas como “Nero Forte” e “Orphan”, com seus refrões feitos sob medida para grandes arenas, é inegável. Isso sem falar nas baladas que fecham o disco, mais próximas do Nine Inch Nails do que do Slayer. Metal também é música pop, afinal. (GF)


taylor discos

Taylor Swift – Lover

pop, synthpop

A temática amorosa não é exatamente novidade na discografia de Taylor Swift. A cantora e compositora, que é conhecida por destilar as dores de seus relacionamentos fracassados em letras bastante pessoais, canta corações partidos como ninguém. Lover é mais uma bem-vinda adição ao clube, mas vem com o pulo do gato: o amor aqui não é passado, é presente. E futuro. Como que num revival do synthpop jovem, e ao mesmo tempo nostálgico, do importante 1989 (2013), a estrela pop de Nashville faz grudar na mente narrativas de um amor que é confortável e tranquilo, que não machuca.

A produção brilha mais nos momentos em que o queridinho Jack Antonoff assume, com a sua já conhecida estética igualmente melodramática e cool – a desoladora “Cruel Summer” é exemplo disso. O disco guarda algumas das melhores letras de Taylor, que consegue conquistar até os críticos mais céticos da música pop. (LT)

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