Melhores discos de Janeiro/2019

Na capa do terceiro disco de estúdio de Cássia Eller, Cafi captou muito bem a personalidade reservada da cantora (Reprodução)

Carlos Botelho, Egberto Santana, Gabriel Ferreira, Jho Brunhara e Leonardo Santana

O ano já começou com gosto amargo. No dia 01 de janeiro, morria Carlos da Silva Assunção Filho, o Cafi, vítima de um infarto. O fotógrafo recifense ganhou fama a década de 70, através suas capas icônicas para grandes discos da MPB. Talvez sua obra mais famosa seja a capa de Clube da Esquina, disco antológico de Milton Nascimento e Lô Borges.

Seus trabalhos com Chico Buarque, Alceu Valença e Cássia Eller (acima) também são parte do legado de mais de 300 capas, além de colaborações com poetas e artistas visuais. Ele completaria 69 anos de idade em fevereiro.

Deerhunter – Why Hasn’t Everything Already Disappeared?

indie rock, rock psicodélico

Apesar do título aparentemente pessimista e da capa cifradamente sombria, o oitavo disco desse grupo de Atlanta é pura psicodelia beatlemaníaca. Os teclados são tão ou mais importantes que as guitarras e a variedade percussiva é contagiante. Nem importa se os vocais de Bradford Cox não são tão bons ou se os riffs poderiam estar mais a frente no mix quando as teclas ditam todo o ritmo tão bem.

A tracklist é pontuada por instrumentais exóticos e a faixa final, “Nocturne”, tem os 6 minutos mais fora da casinha do álbum. Se você gosta dos Beatles de Magical Mystery Tour e de indie rock britânico, vale conferir. (GF) 


DJ Healer – lostsongs vol.2

música eletrônica

Pra quem é iniciado, o mix desse DJ alemão não é tão desafiador – as programações frenéticas do Aphex Twin e os samples melancólicos do Burial marcam presença em um trabalho homogêneo. Pra quem não é familiar com essas referências, basta olhar a capa: mesmo na mais profunda escuridão há uma fresta de luz.

lostsongs vol.2 soa como aquela melancolia doce dos dias chuvosos ou do domingo modorrento, véspera de uma semana exaustiva. A nacionalidade do artista explica a atmosfera gelada. Mas mesmo nesse calor opressivo, vale a pena dar play e desanuviar. (GF)


 James Blake – Assume From

r&b

Três anos após o lançamento do gélido e melancólico The Colour In Anything (2016), o inglês James Blake retorna com o apaixonado Assume Form. O disco representa uma mudança na carreira do artista. O r&b triste e experimental dá lugar a um registro mais acessível e a temática central voltada aos relacionamentos amorosos deixa de ser sinônimo de uma experiência dolorosa e desoladora, se transformando em algo positivo e catártico.

Outra grande novidade do disco é a participação expressiva de outros artistas e produtores. Nomes como Andre 3000, Travis Scott e Rosalía somam forças ao trabalho e transformam a sonoridade do cantor em algo mais palpável ao grande público, sem perder a identidade e complexidade. Assume Form vem para quebrar o mito de que apenas as desilusões amorosas geram grandes registros e mostra que James Blake não é um artista de um só tema. (CB)


Lealani – Fantastic Planet

art pop, synthpop

“Girl with some instruments”, diz a bio da página de Lealani no Soundcloud. A modéstia faz parte da estética caseira de Fantastic Planet, seu álbum de estreia. Talvez o único traço de ambição seja a duração (14 faixas). Fora isso, o disco transborda honestidade juvenil. Lealani compõe melodias assobiáveis como quem anda de bicicleta e o fato de todos os instrumentos (em sua grande maioria sintetizadores) serem tocados por ela só aumenta o charme do registro. Pense na simplicidade orgânica dos primeiros trabalhos de Grimes e Liz Phair. Destaco “Lonely Stars”, “Floating”, “Long Stroll”, “Slow on the Weekend” e “Miniscule”. (GF)


Mia Badgyal – Mia EP

pop

A música drag brasileira já é referência mundial e não pára de crescer. Badgyal não é exatamente cara nova na cena, mas traz elementos somente seus para somar em um nicho já tão rico e diverso. Ainda que não abra mão de sua veia pop,  Mia é uma mistura bem sucedida de influências e sons que vão do tecnobrega ao eletrônico experimental — o cover do clássico Telefone, da Banda Djavú, e o remix da mesma faixa são prova disso.

Muitas influências são claras aqui: as confissões sobre um amor à distância na viciante LCD gritam os primeiros trabalhos do The Weeknd na mesma medida em que a faixa de abertura bebe na fonte da PC Music. No entanto, muito mais do que um apanhado de referências atualíssimas, o primeiro registro de estúdio de Mia Badgyal é um cartão de visitas que traduz muito bem o visual transgressor e único da intérprete. (LS)


Nego Gallo – Veterano

rap, dancehall

Um pouco de fora do mainstream do cenário do rap nacional, Nego Gallo se destacou pelas suas memoráveis parcerias com Don L, como na faixa Aquela Fé. Amizade que vem de longa data, desde a formação do grupo Costa a Costa, que os dois faziam parte, com MCs da periferia de Fortaleza, no Ceará. E é esse Estado que marca presença em Veterano.

A mixtape é repleta de vivências de Carlos Gallo na periferia, desde a violência das ruas, paz, amores e superação, e mesmo nesse formato, a montagem das faixas deixa o projeto redondinho, dialogando uma com a outra. A produção de Coro MC não desaponta e segue como o forte do disco, deixando o reagge, o trap e o funk pesados no projeto. Mesmo com tantos temas fortes, as músicas impõem uma tranquilidade, através do beat e do flow de Carlos, que fazem deste um disco para ouvir, cantar, curtir, e conhecer numa tacada só. (ES)


Saint Mela – First Bloom

r&b, experimental

Para escrever o presente texto, vasculhei a internet à procura de informações sobre Saint Mela; obtive poucos resultados. Sei que trata-se de um quarteto novaiorquino, que até o fechamento desta edição contabiliza cerca de mil e novecentos ouvintes mensais no Spotify e é liderado pela vocalista Wolf Weston.

First Bloom tem o poder de despertar no ouvinte a vontade de saber mais sobre esses artistas que lhe falam. A destreza com que combinam fórmulas já manjadas do R&B e do soul com pitadas experimentais de rock e rap cativa logo de cara. Os arranjos são crus e ásperos, ainda que não consigam competir com a voz incrível de Weston. A explosão de Jericho impressiona pela entrega emocional. Vale o nosso play. (LS)


Tantão e Os Fita – Drama

música industrial

Difícil transmitir Drama em palavras. A primeira que me vem é “esquelético”. Mas não se engane: o segundo disco do Tantão e Os Fita tem 28 minutos que pesam uma tonelada. O som é exclusivamente percussivo; quem dá a cara de cada faixa são os vocais rudes de Tantão, colados e repetidos aleatoriamente em meio aos sintetizadores crus.

As letras não entregam nada além de frases desesperadas repetidas até quase a exaustão, e é mais que suficiente. Antes do lirismo, a atmosfera – a nossa atmosfera, de convulsão política, de tragédias anunciadas, de despedidas amargas. Como a resenha do Floga-se bem apontou, Drama é um disco de protesto. “A brutalidade do Estado / A conquista da liberdade / Liberté / Fraternité / Cocainé”. Extremo e necessário. (GF) 


YMA – Par de Olhos

indie pop, dream pop

Em uma atmosfera que entrelaça o indie rock ao dream pop, a cantora paulistana YMA mostra em seu estreia Par de Olhos seu potencial em associar um som incrível a um conceito genuíno. Com 8 faixas, o trabalho traz composições em português e em inglês, sintetizadores, guitarras, e poesias abstratas em forma de música.

Parte de uma nova leva de artistas mais compromissados do que nunca com seus conceitos – como Geo e DUDA BEAT –, a capa do disco e o clipe de Vampiro, um dos destaques do LP, ilustram perfeitamente a sensação de ouvir as músicas: ser transportado para outro ambiente. Por mais que todas as faixas do álbum sejam boas, YMA se destaca no português, e lembra em certos pontos um Carne Doce psicodélico. Sem dúvidas uma artista para ficar de olho e ouvir até enjoar. (JB)


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