Ingrid Vai Para o Oeste: o uso descontrolado do Instagram

Uma trama adolescente com críticas preocupantes em relação ao abuso das redes sociais (Foto: Reprodução)

Gabriel Gomes Santana

Lançado em 2017 pela Star Thrower Entertainment, Ingrid Vai Para o Oeste (2017)  vem causando muitas reflexões sobre o poder de influência das redes sociais no estado de saúde mental de seus usuários. Adicionado no início de maio no catálogo da Netflix, o filme retrata o descontrole obsessivo de Ingrid Thorburn perante o seu uso do Instagram. Além de trazer Matt Spicer na direção, a obra ainda conta com o protagonismo de Aubrey Plaza e Elizabeth Olsen.

Logo no início do filme somos apresentados pela protagonista de maneira inusitada, na qual ela invade um casamento e agride a noiva que não a convida à celebração. Sua decepção lhe causa transtornos agressivos de personalidade, recebendo ajuda em um centro psiquiátrico para tratar seu vício no consumo da plataforma digital.

Percebemos que Ingrid é uma adolescente extremamente solitária. Por conta da morte de sua mãe, a jovem acabou restringindo ao máximo sua conexão com grupos sociais no ambiente externo (vizinhos, colegas e familiares), criando uma forte identidade com a comunidade ativa das redes sociais (seguidores e membros de grupos online).

A expressão da personagem não condiz com uma postura amigável que ela interpreta no ambiente digital (Foto: Reprodução)

Seu isolamento presencial fez com que toda sua atenção fosse voltada exclusivamente ao Instagram, como se suas interações fossem de fato reais. A necessidade de ter um amparo emocional fez com que ela procurasse perfis que compartilhassem seus mesmos gostos, um relacionamento que proporcionasse o encontro de estilos de vida semelhantes que pudessem construir uma amizade na vida real. 

Compulsiva pelo desejo de criar laços online, a jovem encontra o perfil de Taylor,  uma blogueira de sucesso que vive na Califórnia. Ela, que por sua vez é popular dentro do aplicativo, começa a responder os comentários de Ingrid. Tal gesto afetará diretamente a trajetória de nossa protagonista, fazendo com que ela transforme toda a sua vida ao se mudar para a Costa Oeste somente para encontrar sua nova amiga celebridade.

Elizabeth Olsen e Aubrey Plaza na cena em que Taylor induz Ingrid diversas vezes a posar “o melhor ângulo” para a foto ideal, e pela cara de Ingrid, parece que o sorriso não é dos mais fiéis (Foto: Reprodução)

O longa consegue cumprir seu papel em nos alertar sobre o uso desenfreado das redes sociais. A principal crítica presente em Ingrid Vai Para o Oeste são os excessos. Seja através do comportamento da protagonista na internet, pelo instinto insaciável de Taylor em expôr sua linda e perfeita vida em Los Angeles ou pela necessidade devastadora de pertencimento que Ingrid deposita em si mesma. 

Quem nunca ficou insatisfeito por não ser mencionado em algum stories de algum colega? Quem nunca teve inveja por não ser convidado à festa que seu amigo postou no feed? Quantas pessoas já stalkearam seu perfil sem você saber? Todas estas indagações são representadas no filme, ainda que de maneira exagerada, para ilustrar o quão influente nosso comportamento no Instagram pode ser na vida real. 

Matt Spicer neutraliza muito bem o drama da narrativa através da comicidade de muitas cenas. O personagem secundário Daniel Pinto é chave necessária para ativar o lado cômico do filme, sem contar sua importância para o desfecho da trama. Embora o longa assuma um nítido objetivo crítico, ele não deixa escapar a oportunidade de trazer humor, atraindo com sucesso o público adolescente.

Aubrey Plaza e O’Shea Jackson Jr. interpretando os papéis de Ingrid e Dan no filme (Foto: Reprodução)

Ao longo do enredo o espectador presencia diversas cenas em que Ingrid demonstra seu vício contínuo, mas são poucas as cenas que abordam a maneira com que Taylor administra sua vida fora do alcance midiático. A influencer constantemente publica fotos sobre tudo o que acontece em seu cotidiano, sem se preocupar com a exposição de sua vida pessoal e o quanto isto afeta o psicológico  de seus seguidores. Ingrid por outro lado, é incapaz de perceber que estava se tornando uma pessoa sociável no momento em que se aproxima de Daniel. Indiretamente, o filme nos mostra um ciclo de relações que são pautadas por interesses pessoais.

O sentimento de não pertencimento da protagonista é o que vem afetando a maioria dos usuários do Instagram, que buscam no aplicativo uma forma de se comunicar e ter uma identidade que os identifique como membros de algum grupo. Segundo uma pesquisa britânica disponibilizada pela Royal Society for Public Healthy, o Instagram foi considerado o aplicativo mais nocivo à saúde mental. Cerca de 90% de seu público consumidor é composto por jovens entre 14 a 24 anos de idade, em que a maioria relata já ter sofrido pressões psicológicas por conta das imagens e vídeos da plataforma. 

Ansiedade, desconforto com o próprio corpo, insegurança e inveja são emoções que compõe os distintos cenários presentes no feed dos usuários. Hoje em dia, ter um perfil em uma rede social faz com que você fique por dentro de tudo o que acontece no mundo, ou no churrasco clandestino do seu amigo que não respeita o isolamento da pandemia. Não à toa, Spicer nos conduz ao sentimento de pena pela protagonista, uma vez que ela apresenta dificuldades em lidar com seus traumas e aposta todas as suas fichas em uma bola de neve composta por mentiras.  

Mesmo estando na praia de Los Angeles com um paisagem fantástica, Ingrid se preocupa com a foto tirada por Taylor na qual a protagonista não está presente (Foto: Reprodução)

Ingrid queria relembrar como eram os momentos de alegria passados ao lado de sua mãe. Em troca, ela se vê em um emaranhado de confusões devido à inveja que ela guarda pela nova melhor amiga. Dificilmente, conseguimos desvincular nossas imagens virtuais de nossas reais identidades, impactando diretamente a maneira pela qual moldamos nossa identidade cultural.

O fenômeno da identidade cultural, desde os primórdios da civilização humana, sempre esteve aliado às inúmeras tentativas de que os indivíduos têm de se encaixarem em grupos. Ingrid dá exemplos disso nas cenas em que ela arquiteta todas as ações para se aproximar cada vez mais de Taylor (incluindo cometer crimes para tal). 

A convivência é uma norma que exige comportamentos semelhantes de um ser entre seus pares. Ao longo dos anos, nos adequamos de acordo com rituais, danças, gostos musicais, memes, vídeos do TikTok e outros elementos que estabelecem padrões de comportamento na sociedade. Com isso, nos vemos diante de novos mecanismos que nos condicionam a estabelecer vínculos para além dos limites físicos, conectando terra-planistas, adeptos da anti-vacina e negacionistas do aquecimento global ao longo de todo o mundo.

Mais do que apreciar o momento ao lado das pessoas, sentimos a necessidade de registar o que vivemos (Foto: Reprodução)

Assim como Ingrid se recusa à aceitação de perda de sua mãe, nós nos recusamos a aceitar que o meio ambiente está se degradando e que nossos representantes públicos são corruptos. Ou que estamos vivendo uma pandemia, que nossas religiões são moldadas por seres humanos que também são falhos ou ainda que as mídias sociais são ambientes que podem ser muito hostis. A característica psicológica que liga todas estas recusas é influenciada pela maneira que encaramos nossas atitudes. Administrar nossas decisões e pensar que elas sofrem consequências nos traz desconforto e dor, por isso, tentamos construir perfis dentro do espaço virtual onde o desagradável perante a sociedade não existe.

Constantemente somos induzidos a nos conectar com tudo aquilo que nos cerca e quando um padrão de comportamento, ainda que negativo à saúde, se torna efetivo para criar vínculos e identidades, a irracionalidade se torna ainda mais frequente. O impacto das redes sociais pode ampliar ou diminuir o modo pelo qual observamos a realidade. Por isso Ingrid Vai Para o Oeste é lançado no catálogo da Netflix no melhor momento, de grande relevância para discussão sobre o uso excessivo das redes sociais. 

 

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