Fábio Moon e Gabriel Bá: os quadrinistas internacionais

Fábio Moon (esquerda) e Gabriel Bá em conversa com o público no FestA! de Bauru. (Foto: Sesc Bauru/Juilio Riccó)
Fábio Moon (esquerda) e Gabriel Bá em conversa com o público no FestA! de Bauru (Foto: Sesc Bauru/Júlio Riccó)

Em entrevista exclusiva ao Persona, a dupla fala um pouco de seus quadrinhos internacionais e a relação com o público

Adriano Arrigo

Portugal, Argentina, Argélia, Itália e Suécia. Esses são alguns dos países que os quadrinistas brasileiros Gabriel Bá e Fábio Moon já visitaram, por conta do sucesso de suas obras. Na palestra “O Quadrinista Internacional”, que ambos trouxeram para Bauru como parte do FestA! – evento que aconteceu entre os dias 13 e 14 de março, em todas as unidades do Sesc – foram precisos mais de cinco mapas-múndi para mostrar todos os países que eles percorreram. “Faz tempo que não brinco de War”, brinca Moon, ao não saber mais que países são aqueles pintados no mapa.

Tanto sucesso ao redor no mundo não é por pouco. Os irmãos gêmeos começaram a desenhar, com 14 ou 15 anos, pequenos quadrinhos que hoje pouco se assemelham com os traços que lhe consagram. Já na faculdade, vendiam fanzines para os amigos sobre temas cotidianos. Porém, foram exatamente esses temas que lhes carimbaram o estilo peculiar e reflexivo sob as coisas ditas banais.

Após a faculdade, consagraram-se com uma vasta série de HQs, com destaque para as tirinhas dominicais na Folha de São Paulo, intituladas Quase Nada, a série 10 Pãezinhos (2000-2007) e O Alienista (2008), adaptação do livro de Machado de Assis, vencedor do prêmio Jabuti.

Tirinha da coleção Quase Nada (Foto: Reprodução)
Tirinha da coleção Quase Nada (Foto: Reprodução)

Chegaram ao reconhecimento internacional com Daytripper, Umbrella Academy e a recente adaptação do livro Dois Irmãos do consagrado escritor brasileiro Milton Hatum, ganhadora do Eisner, o prêmio mais importantes dos quadrinhos. Para o Persona, os irmãos contaram um pouco sobre quadrinhos autorais, a relação com os diversos públicos e o mercado internacional de HQs.

Gostaria de saber de vocês sobre a questão dos quadrinhos independentes já que, de uns anos pra cá, as pessoas começaram a olhá-lo de outra forma, até como uma nova forma de linguagem. Temos Joe Sacco e Marjane Satrapi, por exemplo. Isso ajudou vocês de alguma forma?

Gabriel Bá: Primeiro, eu não acho que esses quadrinhos sejam independentes. Quadrinhos independentes são aqueles que não dependem da editora, que fazem tudo sozinho. Tanto o Joe Sacco quanto a Satrapi publicam com editoras. Mas também não dá para chamar de quadrinho alternativo. Quadrinho alternativo é mais Robert Crumb.

Fábio Moon: É autoral.

Gabriel Bá: Isso! É quadrinho autoral. É onde a gente também se encaixa com o nosso trabalho. Isso atinge um público que não lê quadrinhos, já que você não precisa gostar do Super-Homem nem do Batman e, muito menos, acompanhá-los. Você vai ler uma história que tem começo, meio e fim. Então, o que eu acho é que no Brasil, finalmente – e isso também é um processo longo e mundial – os quadrinhos servem para contar qualquer tipo de história, inclusive histórias profundas e sérias. E nós percebemos isso há 20 anos. Só que tinha menos exemplos 20 anos atrás para poder se basear neles. Só tinha super-herói para mostrar ou Turma da Mônica. Não dá para convencer uma pessoa sem antes fazer.

Então vocês acham que hoje tem mais quadrinho autoral no Brasil?

Bá: Acho que sim…

Moon: Acho que sim. A maioria dos quadrinhos no Brasil é autoral. Porque é isso: se você não trabalha pra Turma da Mônica, faz seu próprio gibi.

É, então, um caminho inicial para as pessoas…

Moon: Não é um caminho inicial. É uma escolha mesmo, de tipo de trabalho. Hoje em dia, as pessoas não querem ser o novo Maurício de Souza, ninguém está querendo criar um personagem e montar uma indústria, nem império, merchandising….

Bá: O que cresceu foi a visibilidade do quadrinho como uma forma de expressão pessoal. Então aumentou o número de eventos de quadrinhos, e isso ajuda que o público vá e descubra estilos diferentes. E isso ajuda o cara que tem seu estilo descobrir o seu público. Então, essa troca mútua de público e de autor estimula que ele continue desenvolvimento seu trabalho próprio ao invés de buscar o que existe no mercado que ele próprio lê. Isso aumentou o conhecimento do público da diversidade e, além disso, estimula a diversidade do artista. O que tem crescido muito no Brasil são esses eventos de quadrinhos e essas plataformas virtuais de financiamento coletivo, que são eventos. Isso resolve um pouco um dos problemas do quadrinho nacional que é a distribuição. Tem crescido o número de eventos que facilita essa interação entre público e leitor, e elimine esse meio caminho que é a distribuição dos quadrinhos.

Essa aproximação de públicos diferentes ajudou vocês a conseguirem a adaptar livros, como é o caso do O Alienista de Machado de Assis e Dois Irmãos, do Milton Hatum? A editora que chamou vocês pensou nessa expansão que os quadrinhos estão tendo?

Bá: As nossas primeiras adaptações foram um pouco antes, mas existe o pensamento de outro público. Fazer uma adaptação literária é uma chance de conversar com o público da literatura, e mostrar para eles que a história que eles gostam também dá uma boa história em quadrinhos. E quando bem feita, ela funciona. Tem muita gente que descobriu nosso trabalho depois do O Alienista, e tem gente que descobre o nosso trabalho através de Dois Irmãos, do mesmo jeito que a gente espera que as pessoas descubram Machado de Assis depois de ler nosso O Alienista ou que vai descobrir o Milton depois do nosso Dois Irmãos. Então essa interação é uma das possibilidades de se fazer uma adaptação.

Ilustração da adaptação de Dois Irmãos (Foto: Reprodução)
Ilustração da adaptação de Dois Irmãos (Foto: Reprodução)

E quando vocês foram para outros países, vocês perceberam uma relação diferente entre o público de lá em questão de quadrinho autoral? Já que no Brasil se lê muito apenas um tipo de quadrinho, já consolidado…

Bá: Tem mercados e mercados. E tem produção de quadrinho mainstream e autoral, alternativo. Então o mainstream chega em mais gente, é mais bem distribuído, atinge mais gente. Nos Estados Unidos, são os super-heróis, na França, é o Asterix e tem também os mangás que são mais mainstream e os menos mainstream. O mercado francês, americano e japonês é muito grande. Ou seja, se produz muito e tem muita gente lendo. O mainstream desses países ultrapassa barreiras e chega em outros lugares. Então por isso que pouca coisa que não seja super-herói chega aqui – e quando chega, chega em uma editora pequena, tiragem menor e, assim, atinge menos gente.

A gente não faz super-herói e sabe que independe do que a gente faça, vai ter menos gente lendo comparado ao Batman, por exemplo. Mas o mercado americano é maior que o brasileiro. No exterior tem mais gente que lê nosso livro, mesmo se a gente fizesse sucesso aqui. Não importa onde a gente publica primeiro, importa a gente publicar histórias – e elas vão chegar em vários lugares. Mas o mais legal é que a gente atinge um público que não lê quadrinhos…

…como o menino agora pouco que disse que a mãe chorou lendo Daytripper.

Bá: É! A mãe… o Daytripper é o primeiro quadrinho de um monte de gente. De quem nunca leu quadrinho e alguém falou “não, lê esse aqui que você vai gostar”. Isso aí pra gente está ótimo. Porque assim a gente consegue atingir novos públicos.

Página de Daytripper (Foto: Reprodução)
Página de Daytripper (Foto: Reprodução)

Vocês produziram muitas coisas diferentes para públicos diferentes. Temos desde de pessoas que conheceram vocês por Quase Nada até quem conheceu vocês por The Umbrella Academy. Qual a diferença entre esses públicos?

Bá: Ah, tem diferença porque a entrada para os trabalhos são diferentes e os trabalhos são diferentes. Tem semelhanças – que é o que faz a gente escolher os trabalhos – mas também tem diferenças, por exemplo: quem lê o Quase Nada só conhece os quadrinhos curtos. Outras pessoas vão se acostumando, entendendo o estilo, mas são tiras – historinhas igual à gente fazia com os fanzines, de uma página, só um pensamento, uma reflexão. É muito diferente de Daytripper, por exemplo. É o mesmo pensamento por trás, mas Daytripper tem toda uma história.

Então, a gente veio a descobrir que tinha gente que só conhecia o Quase Nada porque a gente colocava na Internet. E tinha gente do Brasil inteiro e achava que aquilo lá era nosso. Tem muita gente que começou pelo Umbrella Academy, porque gostava do My Chemical Romance, então foi lá e descobriu nossa trabalho. Enfim, o importante é isso, lê esse e descobre outro, descobre o outro, e outro. Quando a gente faz uma adaptação, é para fazer um público diferente descobrir nossos quadrinhos e o nosso trabalho.

Então o interessante é isso: mostrar que dá para contar histórias legais em histórias em quadrinhos, mesmo que você não goste de história em quadrinho; talvez você não tenha achado o quadrinho certo, dado a chance para um quadrinho. Tem quadrinho para todo mundo.

Moon: Até os filmes de super-herói.

Vocês acham que os filmes de super-herói abrem acesso para o mundo dos quadrinhos?

Bá: Ele é o que faz mais sucesso no cinema mainstream. E as pessoas sabem que aquilo veio de quadrinhos. Então o público de quadrinhos cresceu muito por causa desses filmes. E nem sempre eles compram mais filmes; eles vão lá e compram mais quadrinhos, descobrem novas coisas.

Volume da edição americana de The Umbrella Academy (Foto: Reprodução)
Volume da edição americana de The Umbrella Academy (Foto: Reprodução)

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