Quem precisa de Sonic Mania?

Matheus Fernandes

O Sonic já esteve no topo. Literalmente. Em algum momento dos anos 90, o simpático porco espinho, então mais popular que o próprio Mickey Mouse, teve seu próprio balão na monumental parada de ação de graças da Macy’s, algumas décadas antes de qualquer outro personagem dos jogos ter reconhecimento suficiente para isso. O Sonic era amigo do Michael Jackson. O Sonic aparecia nos carros de F1. O Sonic foi capa da i-D quando a revista era a bíblia do cool. Então, em algum momento, assim como o balão de 1993 que explodiu durante a parada, tudo deu errado.

FFFFF

É difícil apontar o momento exato. A escolha mais comum seria na transição para o 3D, mas não é inquestionável. Sonic X-treme nunca viu a luz do dia, e os jogos da série Adventure estão longe de Mario 64, mas tem seus momentos, como em City Escape. O fato é que em um momento os jogos consistiam no carismático personagem título correndo por paisagens idílicas, e em outro não muito distante haviam dezenas de versões de Sonic, viagens temporais, armas de fogo e relacionamentos interespecíficos (esses sim, merecendo a proibição pelos movimentos liberais™).

Por que???

A ruindade foi tanta que começou a afetar o que mais importava para Sega, o retorno financeiro. Após uma série de pedidos de desculpas dos executivos da empresa pela traição aos fãs™, começa uma jornada incessante ao passado. Em termos, já que as versões modernas continuam recebendo investimento corporativo e fazendo sucesso com os fãs sem idade suficiente para nostalgia, como a animação Sonic Boom.

“a melhor forma de consertar a série é com o cachecol da apropriação cultural” – disse ninguém, nunca

O primeiro passo desse reposicionamento foi lançar um jogo com o ambicioso nome de Episódio 4, que não correspondeu ao título. Depois foi a vez de Generations, que tentou fazer a ligação entre as gerações do porco-espinho, mas ainda não teve o sucesso na tarefa impossível de conciliar história e inovação.

arte oficial (créditos: SEGA de Bauru)

A aposta da vez é Sonic Mania, o jogo mais retrô de toda a franquia. Após uma série de tentativas frustradas de agradar os fãs, a Sega percebeu que a maneira mais eficiente era entregar o desenvolvimento ao público, escolhendo para a tarefa Christian Whitehead, dev responsável por fangames e pelos ports recentes dos jogos antigos.

A escolha se provou certeira. Sonic Mania não estaria fora de lugar em 1995. Os efeitos sonoros são os mesmos, os sprites também, até mesmo a animação de abertura inspirada em Sonic CD. E o mais importante, o jogo foca nas características essenciais da franquia, esquecidas há tempos, como a velocidade e o ritmo do gameplay. Os níveis são grandiosos e oferecem uma multiplicidade de caminhos. Os bosses, um dos grandes diferenciais da série, também oferecem bons momentos, como a memorável batalha com a versão Puyo Puyo de Eggman.

um dos melhores momentos do jogo, o throwback a Dr. Robotnik’s Mean Bean Machine.

A dose passa do limite em alguns momentos. Com uma predominância de fases reutilizadas, o jogo fica no limiar entre lançamento e reissue. Mesmo as fases novas, como Studiopolis, parecem mera reskins das antigas, no caso a Casino Nights Zone. Outros aspectos antigo não deixariam saudades se fossem removidos, como voltar para o começo da Zona a cada Game Over, o que acaba implicando em perdas repetidas de 20 minutos de gameplay nos últimos estágios.

Sonic Mania é sim um bom jogo, e como repetido constantemente pela crítica, o melhor em vários anos. A questão principal é o que isso significa. A aclamada trilogia inicial data do início dos anos 90. De lá até hoje os platformers 2D já acabaram e se reinventaram novamente. A revolução causada por Braid já tem quase 10 anos. Assim, Mania acaba se tornando uma espécie de anacronismo eletrônico, preso na auto homenagem a um passado distante, em uma escolha deliberada por fugir de qualquer inovação.

diretamente de 1991

>Com um preço de R$36,99 (apesar do marketing digno de AAA), o jogo entra na concorrência com o nicho indie. Ainda assim, Sonic Mania está estruturalmente mais próximo dos remasters de Crash Bandicoot do que de Cuphead. Outros games dos 90s descobriram formas de se reinventar. Rayman se reencontrou em um platformer altamente musical. Tomb Raider resolveu seguir o molde de Uncharted. Aos 25 anos, Sonic saiu da adolescência faz tempo, mas continua com seus problemas de identidade.

Tudo que o mundo precisava era um jogo sério e pós apocalíptico do Sonic.

Em poucas semanas sai Sonic Forces, anunciado junto de Mania. A principal novidade do jogo é um sistema de criação de personagens, adição que só faz sentido para a comunidade do DeviantArt. O trailer mostra cidades cheias de fogo e metal retorcido, frases clichês como “revolução” e “resistência” e mais uma nova versão maligna do personagem principal, Infinite, que se junta a Shadow, Metal Sonic e uma outra infinidade de vilões. Assim, a Sega continua mostrando que não sabe o que fazer com seu principal personagem, combinando cada passo na direção certa com dois na errada.

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