Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão continua relevante 25 anos depois

Com este álbum, Marisa Monte se consagrou definitivamente na música popular brasileira

(Foto: Reprodução)

 

Guilherme Hansen

Quando Marisa Monte começou a carreira, em 1987, com o show Veludo Azul, naturalmente foi exaltada e posta como estrela do MPB. No entanto, não foi isenta às críticas que todo artista sofre. De origem rica, era acusada de ter um estilo aristocrático demais em sua música e de ser uma nova-iorquina que canta música brasileira, em uma crítica de Maria Bethânia que ficou famosa em entrevista à revista Playboy.

Com o CD “Mais”, de 1991 e com a ajuda de hits como “Beija eu” e “Eu sei (Na mira)”, conseguiu se tornar mais popular, mas, ainda assim, era considerada distante do público médio. 

Chegamos então no clássico “Verde, anil, amarelo, cor-de-rosa e carvão”. Lançado em 1º de agosto de 1994, Marisa mais uma vez faz a sua mistura de estilos, porém, como bem disse Bethânia, colocou toques de Paulinho da Viola e o violão de Gilberto Gil. Ela abrasileirou muito mais seu repertório e, consequentemente, agradou mais o público e a crítica. 

Quem acompanha a carreira de Monte, sabe que ela tem um controle criativo sobre sua criação musical. No caso de Cor de rosa e carvão, cujo nome vem da música “Seu Zé”, feita pela cantora em parceria com Nando Reis e Carlinhos Brown, ela co-produziu o álbum – gravando demos com voz, violão e ideias de arranjos – e consolidou parcerias.

Muito antes dos Tribalistas, Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown já tinham uma prolífica parceria musical. Para Cor de rosa e carvão, ela ganhou deste músicas como “Maria de verdade”, “Na estrada” e “Segue o seco”. (Foto: Adriano Fagundes)

Além de Brown e Arnaldo Antunes, que colaboraram no disco, também convidou novamente o produtor Arto Lindsay, que trabalhou em “Mais”, para produzir o CD; Laurie Anderson, com quem já cantara (esta participa de “Enquanto isso”) e Gilberto Gil, com quem se apresentou em shows internacionais e deu o ar da graça em “Dança da solidão”. 

Voltando ao repertório, é claro que ainda há um lado americanizado no álbum com “Pale blue eyes”, regravação de Lou Reed, nos tempos de Velvet Underground. Vale ressaltar que a cantora, embora com uma raiz sambista em sua formação musical com influências como Cartola, Monsueto e Custódio Mesquita, além de seu pai ter sido presidente da Portela, tem também no pop/rock internacional algumas de suas inspirações – vide “Give me love”, do sucessor Barulhinho bom, original de George Harrison com pot-pourri de músicas de Janis Joplin e Lenny Kravitz.

Em relação ao samba, duas músicas dignas de menção são “Dança da solidão” e “De mais ninguém”. A primeira, regravação da canção de Paulinho da Viola, mantém as raízes fiéis à original, mas a moderniza. A outra, por sua vez, é uma seresta (estilo que é uma espécie de evolução das serenatas, na qual várias pessoas se reúnem em bares e restaurantes e continuam cantando as músicas iniciadas pelo titular da serenata). A letra, aliás, merece destaque pelo seu eu-lírico sofredor sem a amada: Se ela preferiu ficar sozinha, ou já tem um outro bem; Se ela me deixou, a dor é minha, a dor é de quem tem…”

Sem dúvida, o grande destaque do disco – e talvez da carreira de Marisa – é “Segue o seco”. Com a ajuda de figuras de linguagem, sendo elas a assonância (repetição de vogais), aliteração (repetição de consoantes) e anáfora (repetição de palavras), a música expressa o drama de quem sofre com a seca no Brasil. A letra não fala só sobre a ausência de água, mas também de expectativas de vida. Pode parecer exagero, mas o clipe, um dos melhores da videografia brasileira, reproduz em sua estética a aridez vivida pelo povo nordestino, que embora espera por uma chuva que nunca vem, não perde a fé em dias melhores. 

Pelo vídeo, Monte ganhou cinco Video Music Awards (VMB), finada premiação da MTV Brasil, em 1995. Ela arrebatou o troféu de clipe do ano, clipe de MPB, mais direção, edição e fotografia em videoclipe.

Como já citado, Marisa tem uma ligação com a Portela desde cedo e decidiu colocar isso no disco. “Esta melodia”, canção que fecha o álbum, de Bubu da Portela e Jamelão, tem participação justamente da Velha Guarda da escola. A música começa como um MPB comum, mas sobe a um pagode típico de Sapucaí com uma letra que gruda na cabeça – “Não suporto mais a tua ausência/Já pedi a Deus paciência…”

De fato, Cor de rosa e carvão é um disco quase irrepreensível, pois, além da brasilidade, possui letras ricas, com vários recursos linguísticos (além dos supracitados) e, como todo trabalho de Marisa, é muito difícil apontar defeitos. Talvez o ponto mais fraco do CD vem por “Alta noite”, música de Arnaldo Antunes que ela cantou com o parceiro em seu LP “Nome”. A canção, a despeito de sua letra apurada, tem um estilo que destoa das demais e pode não agradar aos que não gostam de músicas mais tranquilas. 

O fato é que qualquer resenha feita sobre o disco soa insuficiente. Monte, como todos sabem, mantém-se reclusa quanto à vida pessoal e pouco se manifesta quanto a críticas feitas ao seu trabalho. Além de seu controle criativo, já citado anteriormente, e que faz toda a diferença no resultado final de seus álbuns.

Pelo trabalho, a intérprete ganhou dois prêmios da Associação Paulista de Críticos de Arte, a APCA (disco do ano e melhor compositora, com Nando Reis), em 1994 e o Troféu Imprensa de 1995 como melhor cantora. 

Consagrado como um dos melhores álbuns da música brasileira de acordo com levantamento da revista Rolling Stone, “Verde, anil, amarelo, cor-de-rosa e carvão” certamente foi a prova definitiva que Marisa Monte não só era brasileira como também tinha raízes multifacetadas e podia mostrar isso em um disco. Vida longa a essa obra prima!

 

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