A Cor Púrpura: adaptação musical é imersiva e emocionalmente poderosa

Cena do filme A Cor Púrpura. Na imagem vemos as personagens Celie e Nettie ainda jovens conversando e sorrindo. Celie, mulher negra de cabelos pretos, veste um vestido branco e usa um laço também branco em seus cabelos. Nettie, uma mulher negra com cabelos pretos, veste um vestido branco parecido com o de sua irmã e usa um chapéu marrom em sua cabeça. Elas estão em uma floresta, sentadas em um tronco de árvore.
A Cor Púrpura é formado por um elenco totalmente negro (Foto: Warner Bros. Pictures)

Vitória Borges

Remake do longa original dirigido por Steven Spielberg e transformado em musical da Broadway, o filme A Cor Púrpura (2023) conta a trajetória perturbada e comovente de Celie Harris, interpretada por Fantasia Barrino, como uma mulher negra vivenciando experiências reais e violentas nos Estados Unidos do século XX. A produção explora o desenvolvimento da protagonista em busca de sua liberdade e autorrealização de maneira clara e envolvente.

Com cores vibrantes e elenco que encanta o público, o longa produzido por Oprah Winfrey, Quincy Jones e Spielberg e dirigido por Blitz Bazawule se diferencia muito do primeiro, lançado em 1985. A versão musical da produção suaviza temas pesados abordados na história original de Alice Walker, como machismo, racismo, abusos e até mesmo misoginia. Além disso, o toque especial dado por Bazawule foi de manter a estruturação da mesma forma que foi apresentado anos atrás na Broadway, adaptando somente o ritmo da narrativa ao gênero e utilizando números musicais para fazer quebras em determinados pontos da história.

Apesar de performances cativantes e uma direção sensível, que mergulha nas vidas dos protagonistas, dando-lhes voz e dimensão, algumas sequências da obra parecem muito apressadas, carecendo o desenvolvimento detalhado de certos aspectos da trama em favor de um ritmo mais acelerado. Isso deixa o público desejando uma exploração mais profunda de certos temas e relacionamentos entre os personagens.

Halle Bailey vive o papel de Nettie Harris adolescente (Foto: Warner Bros. Pictures)

Acompanhar a jornada de Celie rumo à liberdade e triunfo é, de certa forma, comovente e emocionante. A capacidade da união e amizade entre a personagem com Sofia (Danielle Brooks) e Shug Avery (Taraji P. Henson) faz com que ela parta em busca de sua independência, mostrando o poder da resistência feminina diante de um sistema opressor. É dessa forma que a protagonista encontra sua voz e se sente encorajada para enfrentar todos os seus problemas e finalmente sentir-se viva novamente para poder desfrutar de sua autonomia.

A maneira como a produção foi adequada para os dias atuais é de se impressionar: o melodrama vivido por Barrino durante o filme é marcado por uma mistura cativante de vulnerabilidade e força, capturando a essência da luta e da resiliência que define a jornada de sua personagem. A cantora não apenas se destaca em cenas dramáticas, mas também demonstra um talento surpreendente em momentos de leveza e humor, adicionando camadas ricas à complexidade de sua persona.

Cena do filme A Cor Púrpura. Na cena, vemos a personagem Celie cantando com uma feição de muita alegria. Celie, mulher negra de cabelos pretos, veste um conjunto de calça e camiseta vermelhos. Ao fundo encontram-se as personagens Shug Avery, Sofia e Squeak, ambas mulheres negras e de cabelos pretos também vestem conjuntos de calça e camiseta coloridos. Todos os personagens presentes na cena estão cantando e dançando.
Fantasia Barrino estreia nas telas como a protagonista de A Cor Púrpura (Foto: Warner Bros. Pictures)

Em 1986, o longa original, produzido e dirigido por Spielberg, concorreu a onze categorias do Oscar, sendo uma delas a de Melhor Atriz Coadjuvante – com Oprah Winfrey no papel de Sofia Johnson. Esnobado mais uma vez pela bancada da premiação, a trama que carrega de The Color Purple parece estar amaldiçoada. Dessa vez, a versão de 2023 foi indicada a uma única categoria, a de Melhor Atriz Coadjuvante, destacando o talento excepcional de Danielle Brooks.

Revivendo o mesmo papel da Broadway nas telas do cinema, a atriz  compete com America Ferrera (Barbie), Da’Vine Joy Randolph (Os Rejeitados), Emily Blunt (Oppenheimer) e Jodie Foster (Nyad). É a primeira vez que a artista é indicada à premiação e é esperado que ela esteja entre as favoritas para levar a estatueta para casa. A estrondosa habilidade de Brooks em cena é de tirar o fôlego, sua indicação é mais do que merecida e serve como um lembrete do poder duradouro do Cinema para inspirar, provocar reflexão e promover a empatia.

Cena do filme A Cor Púrpura. Na cena vemos Sofia segurando um bebê em seu colo e outras personagens enfileiradas uma ao lado da outra encarando alguém. Sofia, mulher negra de cabelos pretos, veste vestido verde e usa um chapéu marrom em sua cabeça. As outras personagens também são todas negras de cabelos pretos e vestem vestidos com aventais de cozinha coloridos, algumas ainda estão usando chapéu. Ao fundo, é possível ver que elas estão em uma estrada de terra com árvores ao redor e uma espécie de carroça com móveis em cima.
Danielle Brooks já foi indicada ao Tony Awards em 2015 por seu papel como Sofia (Foto: Warner Bros. Pictures)

Embora se mantenha fiel à trama original em muitos aspectos, a história de The Color Purple poderia ter sido rejuvenescida através de uma experimentação mais audaciosa com a forma e o estilo cinematográfico. Da mesma maneira que a produção acompanha a capacidade de superação dos protagonistas, ela acaba perdendo parte de sua complexidade e da crueza do material original. Além disso, as canções mereciam mostrar mais ousadia e profundidade nas cenas.

Por fim, A Cor Púrpura é uma poderosa celebração da resiliência humana, da força feminina e da busca pela redenção. Sua direção ousada e abordagem honesta sobre questões sociais cumpre muito bem o papel de captar a atenção do público e mantém uma experiência cinematográfica extremamente imersiva e emocionalmente poderosa, além de ser considerado como uma contribuição importante para o cenário cultural contemporâneo.

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