Os Melhores Discos de 2022

Entre a vida e a morte, o sagrado e o profano, composições íntimas e inovadoras são o combustível do Melhores Discos de 2022 (Arte: Henrique Marinhos/Texto de Abertura: Ana Júlia Trevisan)

A Música é o tom indispensável da vida. No amor, na alegria, na tristeza, na solidão, as canções preenchem playlists embalando a vida e refletindo a alma. As composições são o espelho de como artista e ouvinte enxergam a existência, fazendo com as mudanças sejam necessárias e novidades refresquem o imaginário auditivo de quem aguarda ansiosamente por um single, quiçá um disco de seu intérprete favorito. É impossível me conformar com a potência transformadora da Música. Assim como é inevitável usar tanto floreio para introduzir esse que reúne o melhor do que foi feito em 2022.

Com o formato de vendas modificado pelas plataformas digitais, os álbuns se tornam cada vez mais inviáveis para cantores inseridos na indústria, que coage produções única e exclusivamente voltadas a músicas virais para o TikTok. Quebrando aquilo que parece ter virado regra, o Persona emerge os ossos do ofício e abocanha 73 produções que marcaram o ano na Música.

Dominando a tarefa de trazer um novo fôlego para sua arte, The Weeknd lançou a rádio Dawn FM, vislumbrando dias melhores. Coroando o topo dos rankings, ROSALÍA acelerou com muita autenticidade sua MOTOMAMI. Ao lado da catalã, montada em seu cavalo prata, a musa-mor do pop renasceu. Kendrick Lamar ficou entre a cruz e a espada, SZA pediu socorro, Björk celebrou os recomeços, Sabrina Carpenter finalmente enviou seus e-mails, Florence and the Machine renovou seu nome na lista das netas das bruxas e a loirinha mais querida cantou seus terrores noturnos.

A música haitiana foi lembrada em notas do Topical Dancer. Cruzando o oceano, no mundinho do k-pop, enquanto 2022 serviu para SEVENTEEN se consolidar de vez como uma das maiores boybands da Coreia, artistas de outros grupos tão grandes quanto embarcaram em viagem solo, com novas perspectivas, sonoridades exuberantes e trabalhos coesos que entregam turbilhões de sentimentos. No território russo a boa surpresa veio do metal vampiresco da dupla IC3PEAK.

Em solo brasileiro Acorda, Pedrinho caiu na boca do povo, Bala Desejo ganhou o grande público, Ludmilla mais uma vez provou que nasceu para interpretar pagode, Maria Rita cantou para Xangô, e os calos de Alaíde Costa a fizerem – merecidamente – a cantora nacional mais citada nos rankings. Em meio a isso, o amargo das perdas imperaram no território com os álbuns póstumos de Marilia Mendonça e Elza Soares, o adeus a Erasmo Carlos, e aquela que foi a despedida mais cruel do ano, Gal Costa, a Doce Bárbara, se encantou. 

O Melhores Discos de 2022 é dedicado a Gal Costa. Coisas sagradas permanecem!


Capa do álbum 333 da cantora Tinashe. Ao centro está a artista despida, usando apenas uma luva transparente em sua mão. Ela é uma mulher negra de cabelos longos e pretos que está agachada em uma estrutura circular de concreto. Ao redor dessa estrutura estão plantas rasteiras e árvores. No canto superior esquerdo está o símbolo 333, integrado na letra “T”.
333 é o sucessor de Songs for You, de 2019, e foi anunciado com um vídeo de ficção científica, uma das predileções e inspirações da cantora quanto ao seu hobby de jogar video-games. (Foto: Tinashe)

Tinashe – 333

O álbum 333, produzido e interpretado por Tinashe, sintetiza R&B, eletrônica, pop e bass em uma produção experimental e inovadora. Através de uma trajetória minuciosa e sofisticada, a cantora combina batidas complexas com melodias cativantes e vocais emocionantes, tudo enquanto explora temas criativos e profundos, como amor, liberdade e auto-descoberta.

Sua voz é o principal instrumento do álbum, criando camadas e texturas sonoras que se misturam perfeitamente com os instrumentais. A colaboração com artistas, como Kaytranada, Chanel Tres, Kudzai e Quiet Child, adiciona uma profundidade e variedade únicas à produção. No entanto, algumas faixas podem não cativar tanto quanto outras, principalmente pela sonoridade experimental, 333 se dirige àqueles que buscam músicas que vão além do convencional, mas não deixam o mainstream de fora. 

Com seu lançamento, a artista mostra uma evolução impressionante, demonstrando sua habilidade de misturar gêneros e criar um timbre único e envolvente. Em suma, o álbum evidencia talento e  ousadia, além de seu significado através da numerologia como um símbolo de crescimento pessoal, confiança e inspiração. Para a cantora, o número representa um momento de renascimento e de conexão com sua espiritualidade. Henrique Marinhos

Faixas Favoritas: Small Reminders, The Chase, X (feat. Jeremih)


Capa do disco 5SOS5. Na imagem temos quatro silhuetas nas cores rosa e azul representando cada integrante da banda em um fundo rosa claro.
5SOS5 registra o amadurecimento, a fraternidade e a nova identidade musical do 5 Seconds of Summer (Foto: Warner Music )

5 Seconds of Summer – 5SOS5

Marcando a nova fase da banda australiana, 5 Seconds of Summer deixa de lado suas raízes punk rock e abre novas portas para o pop em seu novo disco, 5SOS5. Sendo seu quinto álbum, a obra é, senão, um dos trabalhos mais maduros que compõem a discografia dos meninos. Saindo da zona de conforto e brincando com novas maneiras de produzir arte, 5SOS5 demanda muito dos sintetizadores e das alternâncias instrumentais para abordar a clássica temática da juventude e dos relacionamentos amorosos que constituem suas composições. 

Após saírem da gravadora Interscope, 5SOS5 é o primeiro trabalho independente da banda em parceria com a BMG. Essa oportunidade dos integrantes conseguirem controlar a sua própria musicalidade foi benéfica e relevante para sua evolução musical em vários aspectos. Se libertando das amarras, o álbum explora o melhor de cada um dos membros. Contemplando com 19 faixas, as canções Take My Hand, BLENDER e Bloodhound, exemplificam inteiramente essa nova fase alternativa e fresh dos australianos. – Ludmila Henrique

Faixas Favoritas: Me Myself and I, BLENDER e Older


O álbum de estreia do projeto de Thom Yorke, Jonny Greenwood e Tom Skinner foi lançado em Maio de 2022 (Foto: Self Help Tapes LLC/XL Recordings)

The Smile – A Light for Attracting Attention

Muito tempo se passou desde que Thom Yorke e Jonny Greenwood migraram seu som do post-punk para o experimental, mas o trabalho de ambos manteve algo reconhecível ainda sob o efeito do tempo. Juntos no Radiohead, os dois consolidaram os reflexos de uma cultura que tende a glorificar os inconstantes; agora, anos depois, a novidade surge de um projeto paralelo com Tom Skinner, cujo nome foi retirado de um poema de Ted Hughes. Com A Light for Attracting Attention, The Smile debutou de forma fantástica e tornou o ano de 2022 um marco musical.

You Will Never Work in Television Again talvez seja a música de protesto mais forte em todo o disco. Ao estilo de 2 + 2 = 5, ela parece ser uma ofensa direta ao degenerado Harvey Weinstein, desde seu título até sua letra. transcendência através do caos liga as 13 canções do disco, revestidas pelos dedilhados de guitarra, bases de violão e uma bateria limpa em meio aos ecos e sintetizadores. We Don’t Know What Tomorrow Brings – uma das melhores de todo o trabalho – se espelha em Jigsaw Falling Into Place e Bodysnatchers, de In Rainbows (2007), e, assim como todo o álbum, talvez seja melhor compreendida quando enxergamos suas capacidades negativas, cuja capacidade onírica de sintetizar ansiedades é interessante.

Talvez devido a produção de Nigel Godrich – que colabora com o Radiohead desde os anos 1990 e que se juntou a Yorke em Atoms for Peace –, a sonoridade do disco do power trio é familiar às primeiras produções do quinteto inglês. Nas letras, Thom Yorke reflete sobre algo maior, que nunca é de fato explanado, deixando o conteúdo sempre no campo da subjetividade. Os suspiros, sussurros e sintetizadores expansivos – como em A Hairdryer e Speech Bubbles – dão vida a um doppelgänger que parece habitar o trabalho, um tipo de espectro fantasmagórico que vaga por A Light for Attracting Attention. É possível que o prato principal servido por The Smile seja a concepção de uma Música efêmera, que ainda assim evoca sentimentos profundos enquanto escutamos. Se o “novo” Radiohead for Yorke, Skinner e Greenwood, estaremos todos bem. – Bruno Andrade

Faixas Favoritas: Open The Floodgates, Thin Thing, Free In The Knowledge


Capa do disco Acorda, Pedrinho. Em baixo, da direita para a esquerda, temos Rafael Duna, homem branco e ruivo, ao lado dele temos Gabriel Mendes, homem branco de cabelo castanho claro. Na parte superior, também da direita para a esquerda, temos Gustavo Karam, homem branco com cabelo castanho escuro, ao meio temos Bernardo Pasquali, homem branco, usando óculos e de cabelo platinado, ao lado dele temos Bernardo Hey, homem branco e loiro. Todos os integrantes estão vestindo camiseta azul e calça preta. Eles estão em frente a uma cortina verde musgo e em cima temos o logo da banda.
Acorda Pedrinho foi a canção mais pesquisada no Google em 2022 (Foto: Sony Music Entertainment)

Jovem Dionísio – Acorda, Pedrinho

2022 foi o ano da Jovem Dionísio e quem falar que não, está mentindo. A banda formada em 2019 pelos cinco amigos de infância, finalmente deixou o estreito bar do Dionísio em Curitiba e dominou todas as paradas do Brasil em seu álbum de estreia Acorda, Pedrinho. Os garotos não entregaram apenas um clipe para sua faixa-título, mas sim um curta-metragem, em uma narrativa marcante e original que engloba toda a identidade visual do álbum, compondo inúmeras referências da história dos integrantes. 

A banda indie pop explorou de ritmos especificamente brasileiros para compor em sua primeira discografia, arranjos conduzidos por batidas de funk em Tu Tem Jeito Se Quem Gosta, até os acordes de violão da bossa-nova em Ai De Mim. Marcando esse brasileirismo, o álbum alcançou no ano passado a marca de 6,7 milhões de ouvintes no Spotify e mais de 170 mil vídeos com a canção título no TikTok. Sendo um dos nomes em ascensão do pop atual, Jovem Dionísio deixou sua marca logo em seu primeiro disco, fazendo todos os ouvintes acordarem para os próximos lançamentos da banda. – Ludmila Henrique 

Faixas Favoritas: Belnini, Cê me viu ontem, Não foi por mal


Kilo Kish prossegue com sua parceria com Vince Staples na faixa NEW TRICKS: ART, AESTHETICS AND MONEY (Foto: Kilo Kish)

Kilo Kish – AMERICAN GURL

Reflections in Real Time, o primeiro álbum da multiartista Kilo Kish, é uma representação estilística e temática de amadurecimento pessoal e artístico — em um modelo de mixtape que abrange os mais variados gêneros de instrumentais e vocais —  que consegue ser um dos mais subestimados projetos da cena R&B contemporânea. Mesmo que mais conhecida por suas colaborações com Vince Staples, pouco muda em seu novo lançamento, não reverberado na cena crítica quanto deveria. A partir de memórias ressonantes da vida de consumo, da MTV e do eletropop de 2010, AMERICAN GURL também constrói tal marco, expandido para além de suas faixas e dos 40 minutos do álbum, no pop alternativo.

Kish estende um olhar satirizado e exagerado à cultura estadunidense, feito antes por Santigold e CSS, para construir um posicionamento sobre poder, escolha e identidade dentro das normas da indústria da música pop; um raciocínio ainda mais fortuito em sua condição independente, na qual é capturada pelo dilema de possuir controle acerca de sua própria narrativa enquanto artista ou de ter o necessário, dado por uma gravadora, para colocar sua Arte no mundo. Em faixas como AMERICAN GURL, DEATH FANTASY e TV BABY V.2 (LATCH KEY MARCH), a cantora pensa as definições que a revestem enquanto uma artista e um produto na indústria. Revestida por suas expectativas e pressupostos vindos de mulheridade, raça e idade, Kish busca subverter o sonho americano para atestar a validade de seu objetivo: estar completamente livre de si mesma.  — Enzo Caramori

Faixas Favoritas: AMERICAN GURL, NEW TRICKS: ART, AESTHETICS AND MONEY, SUPER KO LOVE


A banda é formada por João Soto, João Vazquez e Leandro Bessa (Foto: Bolo de Rolo/Selo Rockambole)

Aquino e a Orquestra Invisível – Aquino e a Orquestra Invisível

Depois do lançamento do disco Os Prédios Cinzas e Brancos da Av. Maracanã, a Aquino e a Orquestra Invisível faz seu retorno com um EP homônimo. No projeto, o trio carioca trouxe três singles lançados anteriormente, e duas canções inéditas: MTV e Eu e Ela. Indo de músicas cheias de brasilidades, que trazem notas de samba, MPB e bossa-nova, e chegando até sons oitentistas, com sintetizadores e batidas rápidas, os 14 minutos do Aquino e a Orquestra Invisível são como uma salada mista, funcionando muito bem juntas.

Representada pelo Bolo de Rolo, sub-selo do selo Rockambole, a banda entra em uma fase mais madura, mesmo que ainda trate temas joviais, como o amor e a vida na cidade. As composições do extended play, feitas pelos três integrantes, conseguem situar o ouvinte no tempo-espaço, falando sobre praias, varandas e interiores de casas. Com versos bem pensados, como “o tempo passou, mas nem tanto assim, sempre que eu me olho vejo um pouco de você em mim”, os cariocas conseguem descrever o crescer, e as mudanças que ocorrem entre épocas. – Laura Hirata Vale

Faixas Favoritas: MTV, Eu e Ela, 20 Anos e Meio.


Disponibilizado como se fosse uma despedida do vocalista Isaac Wood, o segundo álbum do grupo talvez seja seu melhor (Foto: Ninja Tune)

Black Country, New Road – Ants From Up There

Em 31 de Janeiro, Black Country, New Road anunciou que Isaac Wood estava deixando o grupo para tratar questões de sua saúde mental. Apesar de toda a dúvida que se seguiu, Ants From Up There foi lançado em 4 de Fevereiro, e inevitavelmente foi visto como um álbum de despedida. Embora muito da estética da banda seja resumida no estilo vocal de Wood, soando como o Arcade Fire de Funeral (2004), o novo disco parece sinalizar para a importância dos sentimentos em detrimento da técnica.

Ainda assim, a técnica é algo que o grupo também domina. Basta ouvir Snow Globes, um épico expansivo de mais de 9 minutos que antecede o fim do álbum, e dá total autonomia para a bateria, como se fizesse parte de um exercício de jam session no qual se mantém o maximalismo como força motriz. De forma surpreendente, porém, o segundo álbum da banda londrina traz canções explosivas, que conduzem o ouvinte em progressões enérgicas e culmina num disco que já nasceu obra-prima. – Bruno Andrade

Faixas Favoritas: Chaos Space Marine, Bread Song, Concorde


Capa do álbum BRASILEIRA. Arte digital quadrada. Ao fundo, vemos um tecido vermelho, estampado com flores amarelas e folhas verdes. Ao redor da capa, vemos uma borda formada por tecidos brancos e vermelhos. Nos tecidos vermelhos da borda, lemos várias vezes as palavras Anná e Brasileira, escritas em letras amarelas. Ao centro, vemos mestra Geovana e Dandara. Mestra Geovana é uma mulher negra, idosa, maquiada e olha para o lado esquerdo da capa. Dandara é uma menina negra, está no lado direito da capa, traz um girassol perto da orelha direita e olha para frente. Tanto Geovana quanto Dandara vestem roupas feitas com o mesmo tecido que estampa o fundo da capa.
Anná tem potencial para chegar ao mainstream brasileiro (Foto: Júlio César Almeida)

Anná – BRASILEIRA

Há discos que fogem de qualquer imediatismo. Assim é BRASILEIRA, último lançamento da multiartista Anná: uma obra que nos conquista de escuta em escuta. Desenvolvido como movimento constante, que se desdobra em diversas camadas, o mais recente álbum da neta tropicalista consegue colocar presente, passado e futuro em único plano, sem soar desconexo, confuso ou inacabado. Anná abre os caminhos de uma viagem espiralada, respeitando e inovando as tradições para sintetizar um século inteiro de música nacional.  

Com a abertura perfeita, BRASILEIRA evidencia desde a primeira faixa que estamos diante de uma proposta bem diferente de Colar, incomparável álbum de estreia da cantora mocoquense. Assumindo coragens e riscos, Anná reitera seu potencial inventivo em um disco sintético, mas nada superficial. Fruto de novos experimentalismos – estes, sim, permanentes na artista -, BRASILEIRA comprova o que já parecia óbvio: Anná sabe se reinventar e dificilmente cairá na mesmice para agradar aos mercados e públicos. – Eduardo Rota Hilário

Faixas Favoritas: Rito de Passá, Valdineia e Somos Resistência   


Capa do álbum Being Funny in a Foreign Language, da banda The 1975. Fotografia quadrada em preto e branco. Na imagem, vemos um carro escuro abandonado com diversos rabiscos brancos. No teto, há um homem inteiramente vestido de preto com os joelhos flexionados e com os braços abertos. Ele olha para o chão. O cenário é uma praia vazia.
Being Funny in a Foreign Language coloca a banda em um estado de relaxamento que ela nunca sentiu em toda a sua carreira (Foto: Dirty Hit)

The 1975 – Being Funny in a Foreign Language

Em Being Funny in a Foreign Language, Matty Healy não está interessado em excessos. O vocalista não quer utilizar metáforas que explicam como é difícil se relacionar na era digital, tampouco falar apenas sobre drogas, sexo ou niilismo, assuntos recorrentes em seus últimos trabalhos. Ele não quer falar sobre sinceridade, mas sim ser sincero da forma mais sucinta e direta possível e, para isso, ele decide falar sobre o amor. Apesar de seguir um caminho diferente do que a banda estava acostumada, o amor está no âmago de um registro honesto e terno que carrega muito da essência artística de The 1975, sintetizando-o em cativantes 44 minutos de duração.

Se fosse roteirizado, o álbum seria aquele momento alguns anos após o fim de filmes coming of age, nos dizendo que envelhecer é bom e simplifica a maioria das coisas pelas quais sofremos hoje. As composições de Healy, co-produzidas pelo onipresente Jack Antonoff, são levadas a novos patamares ao que ocorre uma elevação da intimidade no processo criativo de escrita do vocalista. Ao fazer isso, essa obra que dá ênfase não só na razão, mas principalmente na emoção, passa a ser uma experiência intensamente íntima e visceral para todos que a ouvem. – Raquel Freire

Faixas Favoritas: Oh Caroline, I’m In Love With You e About You


Capa do disco BLUSH do grupo PVA. A imagem mostra uma mulher branca com batom marrom e blush vermelho, que usa uma peruca rosa lisa, comprida e com franja, e um sobretudo marrom de látex com um cinto da mesma cor e material. Ela está em um fundo com degradê de azul e há uma mão segurando seu braço, que sai do lado esquerdo de fora da imagem.
A vocalista Ella Harris descreve o debut como uma série de “personagens em momentos de tensão, turbulência e dificuldades internas” (Foto: Ninja Tune)

PVA – BLUSH

Tendo conquistado sua fanbase através de insanos sets ao vivo e seu EP de estreia, Toner, existia o grande desafio de aumentar a aposta com o lançamento do primeiro álbum do trio londrino de música eletrônica dance pop PVA, que recentemente produziu um gélido remix gótico industrial do hit ‘Welcome To My Island’, de Caroline Polachek. BLUSH é um impressionante disco de estreia, com uma abordagem emocional muito mais desenvolvida do que os trabalhos anteriores da banda, que consolida uma pulsante energia dançante, bruta e poderosa, além de revelar mais sobre os sentimentos do trio.

As 11 faixas de BLUSH esbanjam ácido, disco, sintetizadores latejantes, post punk, texturas ásperas, transições escorregadias, pistas de dança underground e melodias faladas, acompanhadas por uma identidade visual futurista, ousada e caótica. O álbum gera a visão de um ser humano dividido entre dois estados, preenchido com a sensação de estar preso e no processo de se libertar: “Você me deixou livre ontem/Eu me sinto como um bebê recém-nascido agora/Absorvendo todas as cores e formas e visões e cheiros/Como se fossem todos novos/Eu me sinto novo”. –  Bruno Alvarenga

Faixas Favoritas: Untethered, Hero Man e Bunker


Capa do álbum BORN PINK. Nela, um quadrado branco apresenta, na parte superior central, dois ganchos cor-de-rosa que se estendem até o centro. Na parte inferior central, com fontes estilizadas, está o escrito “BLACKPINK”. Logo abaixo, no mesmo estilo, está o escrito “BORN PINK”.
Com o lançamento, BLACKPINK se tornou o primeiro grupo feminino a atingir o topo da Billboard Hot 200 desde 2008 (Foto: YG Entertainment/Interscope Records)

BLACKPINK – BORN PINK

Bem antes de articularem seu primeiro disco, Jennie, Jisoo, Lisa e Rosé já dominavam a arte de fechar o pop coreano para balanço, revisitando raízes e despejando uma pitada de identidade que impulsionou o sucesso de BLACKPINK além do oceano pacífico. Porém, se THE ALBUM tentava medir a cativação internacional do grupo mergulhando em milhares de ritmos, BORN PINK mostra que, em 2022, as garotas propagandas da YG Entertainment sabem exatamente a autoridade que possuem. Sondando seu passado multifacetado e cortando as colaborações externas, elas aposentam a exploração para mirar na consolidação de seu trabalho inconfundivelmente rico em vertentes do hip hop, trap e EDM.

A execução do LP repete as estratégias marketeiras de Teddy Park, produtor do girlgroup desde sua estreia e fator limitante do escopo criativo das artistas. Com isso, apesar de reter BLACKPINK à fórmula mediana de oito faixas, o conjunto consegue retratar vozes seguras de suas verdades e investidas na reafirmação desse poder transcendental. Recheando a era com trocadilhos e homenagens às fases que percorreram em seu espaçoso currículo, as quatro cantoras reúnem um sentimentalismo apaixonante, valorizando seu frescor consciente e, só para dar uma palhinha na experimentação, entregando primores no rap refinado por rock e música clássica. O veredito? Felizmente, as titãs do k-pop sempre estão pintando e bordando na nossa área. – Vitória Vulcano

Faixas Favoritas: Shut Down e The Happiest Girl.


capa do álbum Clearing, a cantora Hayden Dunham está no meio da capa, com o corpo mergulhado em água e o rosto exposto.
Hyd é nova na indústria musical, mas já produz música de muita qualidade (Foto: PC music)

Hyd – Clearing

Hayden Dunham ou Hyd, seu nome artístico, é uma estreante no electro pop internacional, mas desde seu primeiro álbum Hyd, em 2021, só vem lançando sucessos eletrizantes. Suas músicas passam a sensação de velocidade e Clearing nos traz muito desta energia, com letras que vão do amor próprio à desilusão romântica. Seu trabalho no álbum também consegue ser delicado e intimista.

Dunham vem trabalhando no disco há um tempo considerável. Desde 2014, ela planejava e tentava reunir artistas amigos como Alex Somers e Caroline Polachek. O resultado não poderia ser melhor, e 2022 trouxe a ela o sucesso merecido com uma turnê de apresentação e sua apresentação no Pitchfork Music Festival em Julho do mesmo ano – Guilherme Dias Siqueira

Faixas Favoritas: Fallen Angel, Trust e Glass


Capa do álbum Crash da cantora Charli XCX. Na imagem, a artista, uma mulher branca de cabelos castanhos longos , está com seus joelhos acima do capô de um carro enquanto suas mão estão apoiadas no vidro quebrado, sua testa está sangrando. Acima está o azul do céu e abaixo está a visão de dentro do carro. Um volante preto e parte do painel atrás.
Charli afirma sobre Crash que tinha dificuldades com dicotomia de, tipo, ‘quem sou eu?’, ‘sou uma garota pop ou sou uma artista mais disruptiva?’. E chega a conclusão que ambas coexistem. (Foto: Charli XCX/Asylum/Atlantic/Warner UK)

Charli XCX – Crash

O álbum Crash da Charli XCX é um retorno triunfante à sonoridade pop que catapultou a cantora para o estrelato. Em um momento em que muitos artistas exploram sonoridades alternativas e experimentais, como ela mesma em seus últimos projetos, em Crash se destaca justamente por sua habilidade de criar um som vibrante e acessível que ainda se mantém atual e fresco.

Celebrando verdadeiramente o gênero, a obra é repleta de melodias chicletes e refrões contagiantes. A produção é refinada e polida, dando o espaço necessário para brilhar como vocalista e performer. As letras, apesar de em alguns momentos parecerem superficiais, mostram uma clara autoconsciência por parte da artista, revelando um lado vulnerável e emocional que adiciona profundidade ao álbum.

Embora possa ser criticado por sua falta de experimentação e risco, é inegável que Charli XCX é uma das melhores em criar um som pop que atinge o seu objetivo, when I wanna go pop, I’ll pop/I got them hits. O álbum oferece aos ouvintes uma dose saudável de diversão, energia e entusiasmo que pode ser difícil de encontrar em outros gêneros, e prova o talento e carisma da artista, mostrando que ela é capaz de conquistar os corações dos fãs e de manter-se relevante no mundo pop. Henrique Marinhos

Faixas Favoritas: Baby, Used To Know Me, Move Me


Kao (Foto: Som Livre)

Maria Rita – Desse Jeito

Dentro da música nacional, poucos artistas possuem um trabalho tão meticulosamente articulado, intensamente dedicado e iminentemente regenerador como o de Maria Rita. A cantora não faz mea culpa em afirmar o compromisso com seu trabalho e com o perfeccionismo, lançando apenas aquilo . E assim, quatro anos após Amor e Música, Maria Rita voltou às plataformas digitais com o refinado e poderoso Desse Jeito. O EP, que conta com seis faixas, passeia pelos territórios que a intérprete mais domina: amor e religião.

Sempre intima às canções, Maria vozeia paixões, desamores e fé, e de quebra marca sua estreia como compositora, nas faixas Por Vezes e Canção Pra Erê Dela. É a faixa-título, composta por Luiz Antônio Simas em parceria com Fred Camacho que norteia as sensações envolvidas em todo o processo do projeto. Desse Jeito denuncia a intolerância religiosa, traz a ancestralidade, a força e a simplicidade dos orixás, em vigorosos versos que coordenam as emoções do ouvinte, enquanto a cantora toma posse da letra com seu vocal inigualável: “Axé, mojubá, zambi, kolofé/Qual é? Cada um com a sua fé”. – Ana Júlia Trevisan

Faixas Favoritas: E Eu?, Desse Jeito, Canção Pra Erê Dela part. Teresa Cristina


Capa do álbum Dawn FM, de The Weeknd. Fotografia quadrada com fundo preto. No centro da imagem, vemos o cantor; ele é um homem negro envelhecido com a ajuda de maquiagem. Seus cabelos e sua barba são grisalhos. Ele veste uma camisa social preta e olha diretamente para a câmera com as sobrancelhas levemente franzidas, sem expressar nenhuma outra emoção.
“É hora de caminhar para a luz/E aceitar o seu destino de braços abertos” (Foto: Republic Records)

The Weeknd – Dawn FM

Depois que The Weeknd foi retratado enfaixado e ensanguentado em After Hours, a capa de seu quinto álbum de estúdio o retrata precocemente envelhecido, como se seus exageros do passado o tivessem alcançado. Há múltiplas interpretações acerca do significado dessa imagem, e uma delas é a de que os temas que marcaram as composições do cantor canadense – dentre eles, autodestruição e relacionamentos tóxicos – passaram a soar tão antigos quanto ele aparenta. Dawn FM marca, talvez pela primeira vez, o vislumbre de “dias melhores” nas canções de Abel, realçando sua evolução dentro da indústria musical.

A rádio fictícia transmitida do além pouco se importa em ter grandes hits que agradam as rádios do mundo atual. É notório como, dessa vez, o álbum possui uma maior expressão da essência do artista, com faixas que aprofundam suas influências oitentistas deslumbrantemente. Passando pelas músicas mais elétricas às mais contemplativas e contando com a participação de grandes nomes como Swedish House Mafia, Tyler, the Creator e as ilustres presenças de Jim Carrey e Quincy Jones como uma espécie de narradores do programa, o mais recente trabalho de The Weeknd oferece o som de um artista que sabe que é um dos melhores de seu jogo. – Raquel Freire

Faixas Favoritas: Gasoline, Sacrifice e Here We Go… Again


Os filmes que serviram de inspiração para o disco foram assistidos por Florence Welch durante a pandemia (Foto: Universal)

Florence + the Machine – Dance Fever

Pode até soar inofensivo, mas nada é mais assustador do que existir, e Florence + the Machine parece entender muito bem sobre essa sensação. Dance Fever, quinto álbum da banda britânica de indie rock, se inspira em filmes de terror como Midsommar e Suspiria para invocar cada nota rebelde e libertária de um dos discos mais intensos e melódicos do ano.

Com uma discografia onde a essência mística de Florence Welch é presente, Dance Fever se destaca pelo profundo intimismo explícito em cada uma das faixas. É como se entrar numa viagem pelo córtex cerebral de Welch e ser recebido em um altar composto por velas, incensos, cristais, sal grosso e uma taça de vinho. Entre o frenético e o singelo, os instrumentos se mesclam entre canções formando uma verdadeira dança febril, que apenas Florence + the Machine poderia proporcionar nesse pós-apocalíptico 2022. – Ana Júlia Trevisan

Faixas Favoritas: King, Dream Girl Evil, Heaven Is Here


Capa do álbum emails i can’t send. No canto esquerdo dela, Sabrina Carpenter, uma mulher branca de cabelos longos, loiros e soltos, está sentada, em uma cama branca, de costas para a imagem. Ela usa vestido longo preto e aberto nas costas, enquanto apoia os braços na lateral do corpo para virar a cabeça no sentido contrário. Ao lado dela, um computador cinza está aberto e posicionado na lateral. No canto direito da imagem, há uma cortina azul na parede, além de botas pretas de cano alto e uma televisão analógica no chão.
A tracklist de eics não possui um padrão para capitalização das canções, que foram criadas a partir de desabafos rascunhados, desde o começo da pandemia, na caixa de entrada de Carpenter (Foto: Island Records)

Sabrina Carpenter – emails i can’t send

Você usou um garfo uma vez, acontece que eles estão por todos os lugares” talvez soe como a lírica mais banal para alegorizar um coração estraçalhado, mas Sabrina Carpenter não está afim de maximizar nada além das dores do crescimento. how many things é só uma confissão no meio da intensa sessão de terapia que estrutura emails i can’t send, quinto álbum de estúdio da artista e o primeiro da carreira disposto a derrubar sua típica armadura de autoconfiança. Priorizando o urgente processo de sentir colisões, naúseas e mudanças, a coletânea valoriza o conforto da música pop enquanto atravessa pianos, trompetes, batidas eletrônicas e outros ritmos que poderiam tranquilamente sair de Ariana Grande ou Kylie Minogue.

Entretanto, os ares familiares nem chegam perto de influenciar a narrativa que lidera o álbum: a de Carpenter, sozinha com seus próprios pensamentos. O divertido labirinto emotivo de Tornado Warnings logo é substituído pela afiada because i liked a boy, referência totalmente explícita às ameaças de morte que embalaram a vida da loira nos últimos dois anos. Confrontando quem lhe regala os títulos de puta e destruidora de lares, Sabrina se exorciza das amarras colocadas por um suposto triângulo amoroso, inclusive, em seu domínio criativo. Depois da revanche, vem a liberdade para encerrar ciclos e até curtir um sleeperhit inédito no currículo musical. Ela apertou o botão de envio, graças a Deus. – Vitória Vulcano

Faixas Favoritas: Vicious, Fast Times e decode.


Capa do álbum Elza Ao Vivo No Municipal. Arte digital quadrada, com fundo branco. O nome Elza ocupa grande parte da capa. A letra Z é a maior de todas e está centralizada. As letras foram preenchidas com uma foto de Elza Soares. A artista ocupa principalmente a letra Z. Elza é uma mulher negra, idosa, maquiada, olha para frente, com semblante sério, e veste uma roupa cor de laranja. Abaixo do nome Elza, lemos Ao Vivo No Municipal em letras pequenas, cor de laranja.
Levanta, sacode a poeira e dá volta por cima: é impossível esquecer Elza Soares (Foto: Deck)

Elza Soares – Elza Ao Vivo No Municipal 

É difícil fugir do clichê: Elza Soares realmente cantou até o fim. Ao gravar o disco Elza Ao Vivo No Municipal dois dias antes de partir para a eternidade, a Mulher do Fim do Mundo encerrou sua carreira de forma brilhante. Como uma verdadeira lenda da música brasileira, Elza da Conceição Soares protagonizou um show extremamente simbólico, capaz de sintetizar e representar décadas ímpares de uma carreira incomparável. Abraçando desde Se Acaso Você Chegasse até Comportamento Geral, o álbum póstumo da Voz do Milênio é feliz ao registrar a trajetória viva de uma artista-fênix.  

Os mínimos detalhes tornam Elza Ao Vivo No Municipal um disco apoteótico. Há coroas e tronos no palco e nas canções do espetáculo. Elza aparece majestosa já na capa do álbum, com um olhar que nos convida a conhecer melhor sua grande despedida. Tudo é muito sublime e bem planejado, e a carreira de Elza Soares é nitidamente projetada diante dos nossos olhos. Encerrando o repertório com Mulher do Fim do Mundo, em uma escolha assustadoramente profética, Elza Ao Vivo No Municipal coroa o imenso legado de uma diva inesquecível. – Eduardo Rota Hilário    

Faixas Favoritas: Meu Guri, Volta por Cima e Mulher do Fim do Mundo


Capa do álbum Foi Eu Que Fiz. Na parte superior esquerda, está escrito “Deize Tigrona” em amarelo. Preenchendo toda a imagem de fundo turquesa, há 2 fotos da artista Deize Tigrona, divididas por um risco branco. Ela é uma mulher negra e tem cabelo vermelho. A foto da esquerda mostra Deize com a boca aberta, de modo a mostrar os dentes. A foto da direita mostra Deize com um semblante sério e com a parte esquerda do rosto em destaque. Na parte inferior esquerda, está escrito “Batekoo Records” em amarelo. Na parte superior direita, está escrito 2 vezes “Foi Eu Que Fiz” em amarelo, no formato de círculo e em uma fonte estilizada. Dentro do círculo, “Deize Tigrona” aparece escrito em amarelo e, também, em uma fonte estilizada. Na parte inferior direita, está escrito “Foi Eu Que Fiz”.
Deize Tigrona, mesmo não oprimindo professores ou descolorindo a sobrancelha, consagra-se como um dos maiores nomes da história do funk (Foto: Batekoo Records)

Deize Tigrona – Foi Eu Que Fiz

A ascensão de Deize Tigrona foi um grito estrondoso diante do silêncio que assombrava o território feminino do funk. Em outros termos, a artista carioca ousou desbravar biomas dominados por predadores os quais, acima de tudo, temem a extinção do conservadorismo. Na perspectiva histórica, há muitos mistérios a respeito da origem do universo e do desaparecimento de espécies. Todavia, na perspectiva musical, não há dúvidas: Deize Tigrona foi o Big Bang do universo explícito e feminino do funk e, ao mesmo tempo, o meteoro que aniquilou mentes caducas e quadradas.  

Foi Eu Que Fiz supera a definição limitante de álbum e se apresenta como um ato confessional de uma mulher que colocou a cara a tapa. Ademais, é válido enfatizar que a artista moradora da Cidade de Deus quebra, magistralmente, o contraste das ideias de sensibilidade e explicitude, e as torna quase que sinônimos. Tal fato fica nítido na faixa Monalisa na qual Deize convida o ouvinte a dançar com as incertezas e reviravoltas da vida que, no fim, podem ser boas companhias. A volta de Deize Tigrona é um pequeno passo para o funk carioca, mas um grande salto para a cena feminista sáfica da música brasileira.  – Ana Cegatti

Faixas Favoritas: Monalisa, Bondage, A Mãe Tá On


O terceiro volume de Decretos Reais será lançado ainda em Março (Foto: Som Livre)

Marília Mendonça – Decretos Reais, vol. 1 & 2

Definitivamente o Brasil não estava pronto para perder de maneira tão trágica e tão precoce uma de suas maiores vozes. É como se o mundo tivesse ficado um tanto mais calado depois da morte de Marília Mendonça ser anunciada no fatídico 5 de Novembro. Coroada Rainha da Sofrência, a manutenção do legado da cantora, traduzido em Decretos Reais, é a comprovação concreta da imensidão da obra de Marília. 

O projeto póstumo conta com as faixas remasterizadas extraídas da live Serenata, realizada pela artista em maio de 2021. A saudade da cantora, misturada à excelência de seu trabalho, fizeram com que ambos volumes permanecessem por semanas no topo das paradas. Decretos Reais exibe um lado brega-romântico de Marília, que toma para si canções como Te Amo Demais e Morango do Nordeste. A grande notoriedade fica a cargo de Leão, faixa presente no volume 2. A música feita para o álbum Zodíaco do rapper Xamã, foi um dos últimos feats feitos pela cantora. Te Amo Demais, Marília. – Ana Júlia Trevisan

Faixas Favoritas: Te Amo Demais, Sendo Assim / Muito Estranho (Cuida Bem de Mim), Morango do Nordeste


Capa do disco Fossora, da artista Björk. A imagem mostra um ambiente escuro em que está Björk, uma mulher branca com cabelo branco, redondo e volumoso, que veste um colarinho de fios verde água, uma roupa verde água que cobre seu corpo inteiro abaixo dos ombros. Ela está agachada acima de várias espécies de cogumelos brancos, vermelhos e verdes, que formam a palavra “Fossora”.
Em uma viagem acolhedora de volta ao lar, Björk é filha, mãe, cogumelo e um universo inteiro (Foto: One Little Independent Records)

Björk – Fossora

Björk comentou em entrevistas sobre como Fossora é seu álbum mais festivo, como uma rave pós-distanciamento social. No entanto, a obra se mostra mais densa e nebulosa que uma festa de techno, conforme a islandesa explora temas profundos de seu interior, como a morte de sua mãe, sua existência feminina, relações amorosas e familiares. Foi produzido durante um período de isolamento e luto, uma jornada que exigiu força, inovação e emoções. O 10º disco de Björk é uma união complexa, pesada, intensa e espinhosa de sonoridades, perdas, dores, e ao mesmo tempo, uma celebração da vida e de recomeços sensíveis.

As composições estreitam as relações da artista com diferentes colaboradores, como serpentwithfeet, Kasimyn, os experimentalistas eletrônicos indonésios Gabber Modus Operandi, que ajudaram Björk a criar um biological techno, e a própria filha, Ísadóra Bjarkardóttir Barney. Fossora não é uma obra acessível, ele necessita de tempo e atenção para nos conduzir por caminhos e sonoridades imprevisíveis, num fascinante universo de fungos e acalentadoras paisagens islandesas. – Bruno Alvarenga

Faixas Favoritas: Atopos, Victimhood e Fossora


Em um aceno ao pop, o quarto disco dialoga com o público sobre sentimentos sinceros e memórias borradas (Foto: Balaclava Records)

Terno Rei – Gêmeos

Em 2019, Terno Rei lançava o que seria seu maior sucesso de público até então. Com Violeta, o grupo testou novas sonoridades e flertou com o pop em músicas de versos poéticos e certeiros. Com a sinceridade que também esteve presente nos trabalhos anteriores da banda, Vigília (2014) e Essa Noite Bateu Como Um Sonho (2016), os quatro músicos alcançaram elogios da crítica e uma turnê de sucesso, que se desmanchou em 2020 com o isolamento, necessário em decorrência da pandemia da covid-19. Em um período de isolamento, de medos e inseguranças, refletindo sobre as mudanças sofridas durante os muitos anos de banda e em uma carta aberta sobre a juventude, Alê Sater, Bruno Paschoal, Greg Vinha e Luis Cardoso constroem, juntos, um novo álbum.

Assim como na capa, em Gêmeos o ouvinte é apresentado a um lado mais colorido, ainda mais pop na sonoridade que explora novos ambientes e letras que conversam com o ouvinte de maneira aberta, em canções ainda auto reflexivas. Em 12 músicas que embalam o público em uma nostalgia dos anos 2000, tanto sonora quanto visual, a essência da banda ainda pode ser captada, mas com um toque especial.

Observando tudo que já havia sido produzido e subindo o nível, o grupo aqui se apresenta ainda mais sutil, mais delicado e mais vulnerável. Em uma ambiguidade presente já no título, as composições passeiam entre as dúvidas que surgiram com tanta facilidade em um período onde o tempo hábil era muito e a inquietação, tão naturalizada em uma juventude que não se permite parar e contemplar, realmente ouvir. E que bom é poder ouvir Terno Rei de novo, mesmo que esse não seja exatamente o ano mais triste das nossas vidas – Aryadne Xavier.

Faixa Favorita: Olha Só, Difícil e Esperando Você


A foto é a capa do álbum Gemini Rights, de Steve Lacy, mostrando o rosto do cantor, usando óculos escuros e com dois chifres brancos desenhados em sua cabeça. O rosto do artista está sobre um fundo azul e tem partes em uma coloração avermelhada, é notável que ele usa uma camiseta branca.
Antes de debutar com seu álbum solo em 2019, Steve Lacy fazia parte da banda The Internet (Foto: RCA Records)

Steve Lacy – Gemini Rights

O segundo álbum de estúdio de Steve Lacy, Gemini Rights, segue as propostas de seu antecessor, Apollo XXI, ao dialogar com o inseparável R&B, porém, se diferencia na pluralidade de ritmos e melodias alcançadas em seu lançamento. Lacy mostra que consegue sair da zona de conforto e passear entre diversos gêneros, da bossa-nova perfeitamente encaixado em Mercury, ao neo-soul já conhecido de Static. Foi assim que o cantor conseguiu uma evolução clara de seu álbum de estreia. 

Assim como grande parte do repertório musical, Steve também fez uso de acontecimentos e sentimentos particulares para compor suas letras. E no resultado final, o artista tem a mistura perfeita: um disco com personalidade e com o toque singular do jovem cantor, capaz de deixar até mesmo um pop comum como o de Bad Habit único e cativante. – Amábile Zioli

Faixas Favoritas: Mercury, Sunshine e Amber


Capa do álbum Glitch Princess, da artista yeule. A imagem mostra uma arte renderizada de yeule em frente a um fundo preto. Elu é uma pessoa asiática, com olhos verdes, batom preto, um corte horizontal no nariz e cabelo longo, verde, com franja e penteado maria-chiquinha, que usa um maiô futurista que possui padrões de luzes no tecido e algumas partes metálicas; seus braços inteiros possuem tatuagens.
“Eu gosto de texturas bonitas no som/Eu gosto de como algumas músicas me fazem sentir/Eu gosto de inventar meu próprio mundo” (Foto: Bayonet Records)

yeule – Glitch Princess

A música de yeule apresenta uma perspectiva pós-humanista, conforme a artista explora a relação entre identidade e tecnologia através de melodias melancólicas de post-pop que constroem um labirinto no ciberespaço. Em seu segundo álbum, a artista avant-pop de Singapura, Nat Ćmiel, se autointitula Princesa do Glitch e conduz o ouvinte por um caminho sombrio e pixelado, cheio de códigos de computador quebrados e mensagens de erro.

Destacando-se de seus trabalhos antecedentes, Glitch Princess se desafia criativamente e é apresentado de forma marcante e estranhamente acessível, sendo capaz de transmitir sua essência com ambientações oníricas e texturas eletrônicas experimentais. A obra é repleta de vulnerabilidade e pessimismo, onde desastres pessoais são a principal catástrofe. Os versos são construídos de forma sensível e pessoal, e o uso das batidas e sintetizadores é calculado para ecoar e proporcionar a imersão dentro de uma dimensão cibernética que atua como um consolo e um vício: “Em volta do meu pescoço, uma máquina amigável/Finge limpar minha memória/Finge fazer tudo ir embora/Finge me fazer sentir muito bem”. –  Bruno Alvarenga

Faixas Favoritas: My Name is Nat Cmiel, Don’t Be So Hard on Your Own Beauty e Bites on My Neck


Com uma carreira solo desde 2016, FLETCHER lançou 3 EPs antes de liberar seu primeiro álbum (Foto: Snapback Entertainment LLC)

FLETCHER – Girl Of My Dreams

Pegar um coração partido e transformá-lo em Arte não é tarefa das mais simples, mas o resultado é um dos que mais se aconchega junto a quem o compartilha com o artista. Se a dor é combustível para a criação e o meio artístico, uma via para externalização, FLETCHER transformou um término de relacionamento e o seu processo de superação em glória: fruto da sua jornada até aqui, surge Girl Of My Dreams, álbum de estreia da norte-americana.

Se em THE S(EX) TAPES, o fim era recente e Fletcher lidava como os novos sentimentos através da tristeza, da raiva e da recaída, como quem passa por uma fase de luto, o disco, lançado dois anos depois do EP, aproveita o tempo para deixar a ferida cicatrizar. Agora, o que predomina é a aceitação, a saudade, a nostalgia, o amor próprio e a esperança de seguir em frente. Ressoando com quem se identifica com o momento, Girl Of My Dreams segue o estilo musical da artista em faixas ora dançantes e animadas, ora lentas e melancólicas, provando os altos e baixos de qualquer momento. – Vitória Gomez

Faixas Favoritas: Better Version, Becky’s So Hot, Serial Heartbreake


Capa do álbum Grey Suit de SUHO. Na imagem, SUHO, um homem sul-coreano de cabelos e olhos escuros, aparece em pé em meio a um mar de girassóis. A câmera captura todo o seu corpo que está coberto de flores até a altura dos joelhos. Ele veste jaqueta e calça jeans sobre uma camiseta, mas as cores não são visíveis pois SUHO é o único elemento da arte de capa que não está colorido. Ao centro, o título do álbum está escrito em letras cursivas amarelas “Grey Suit” e é dividido pela presença de SUHO no meio: “Grey” está ao lado esquerdo da imagem e “Suit” está ao lado direito. Logo abaixo de “Suit”, no canto direito central, o nome do artista está escrito de forma estilizada e em letras garrafais amarelas “SUH20”.
Grey Suit celebra um novo ciclo na carreira de SUHO após a dispensa do serviço militar obrigatório (Foto: SM Entertainment)

SUHO – Grey Suit – The 2nd Mini Album

Grey Suit continua a pintura impecável da trajetória musical solo de SUHO, integrante do grupo sul-coreano EXO. Valorizando as sensações e emoções como os artistas do movimento pós-impressionista, o cantor simula na sonoridade a mudança visual de tom encontrada nas telas da sua grande inspiração, Van Gogh. Se em Self-Portrait, a estreia de Kim Jun-myeon, um plano de fundo melancólico foi adotado nos instrumentais, o segundo mini álbum traz a tona cores quentes que iluminam e tornam leve a composição. Dos autorretratos confusos, ele surge em meio aos girassóis.

Com uma produção detalhista que, surpreendentemente, mira em riffs de guitarra que soam como as clássicas baladas românticas da banda Scorpions, Grey Suit coloca o k-pop em uma perspectiva inédita. De volta após o afastamento de dois anos dos palcos para servir o exército militar obrigatório, o disco celebra um novo ciclo ao lado dos fãs, para quem SUHO é a personificação do significado de seu nome artístico, guardião: “Bem onde você está/Você foi como um milagre que eu conheci em uma noite de verão/Como uma flor que desabrochou no final do inverno”. – Nathalia Tetzner

Faixas Favoritas: Morning Star, Hurdle e Bear Hug


“No meio da noite, eu posso sonhar à vontade/Mudar o que eu quero e voltar para o futuro de novo” (Foto: Virgin Records Limited)

Bastille – Give Me The Future

Se a Bastille teve uma década para descobrir e redescobrir sua identidade musical, renová-la e depois inová-la novamente, a solução para a próspera carreira dos donos de Pompeii foi apostar no conceito. Logo no início da frutífera safra de discos de 2022, a veterana resolveu abraçar um universo distópico e futurístico, e traduziu a ficção científica no álbum Give Me The Future. O quarto trabalho de estúdio do grupo seguiu à risca o que se propuseram a fazer: com vozes de robôs durante as faixas e seguindo sua linha de videoclipes narrativos e imersivos, o quarteto também estendeu a experiência única do álbum para o âmbito audiovisual, corroborando com o universo conceitual. 

Evocando cores e luzes a partir de uma sonoridade sintética – se diferenciando do indie rock pelo qual a banda ganhou espaço na indústria musical -, a liricidade também é imaginativa, inventando situações e pipocando referências a obras da cultura pop e da ficção, como Thelma & Louise, Blade Runner, De Volta Para o Futuro, 1984 e elementos de Aldous Huxley. Com seu futuro ultra tecnológico e solitário, Give Me The Future alcança até o cyberpunk no que aborda sobre o cerceamento da liberdade e a linha divisória entre real e fictício, criando uma das experiências mais divertidas da Bastille desde Doom Days.

Faixas Favoritas: Thelma + Louise, Back To The Future e Future Holds


Capa do álbum Harry 's House. A imagem é uma sala de estar de ‘ponta cabeça', de maneira com que um sofá marrom está com os pés apoiados no teto, e o lustre de cristal brota do chão. Todas as paredes são brancas. Na parte do lado esquerdo há um espelho, também invertido e na parede do lado direito há uma janela. Próximo a essa janela está o cantor Harry Styles, em pé. Ele veste uma calça jeans e uma bata branca com listras horizontais bordadas em rosa. O cantor é um homem branco de cabelos castanhos despenteados. Ele faz uma pose de quem está reflexivo, com um branco apoiado na cintura e outro segurando o queixo.
Harry’s House é o terceiro álbum da carreira solo de Harry Styles (Foto: Columbia Records)

Harry Styles – Harry’s House

Em Harry ‘s House, o britânico convida o ouvinte para entrar em sua casa, deixando todas as gavetas abertas, molduras coloridas nas paredes e poeiras nos rodapés dos quartos. O disco, composto por treze faixas, traz uma tour completa pela morada do músico e faz questão de mostrar como esse está amadurecendo, por meio de referência aos seus ídolos dos anos oitenta, samples de autorias da década de setenta e uma estética sonora familiar, que remete ao confronto de um lar. Na porta de entrada, Harry recebe quem o visita com ritmos animados, nos singles Music for a Sushi Restaurant e Late Night Talking. Ao adentrar mais na casa, passando pelos corredores com as fotografias de família, são apresentadas as batidas e as letras melancólicas de Little Freak e Matilda, para então conduzir ao seu jardim, no quintal dos fundos, com baladas românticas como em Love of My Life.

Além do amadurecimento, o álbum trata de um Harry apaixonado, que quer transpassar para o mundo os prazeres e as desventuras dessa sua condição. Ainda que não tenha apresentado nada revolucionário para o mundo da música, o disco trouxe algo novo na carreira do artista. As It Was encontrou o equilíbrio dos singles de álbuns anteriores, entre a tristonha Sign of the Times e o verão despreocupado de Watermelon Sugar. Iniciando polêmicas, o disco acabou levando o prêmio de melhor do ano no Grammy 2023, escolha muito contestada pelo público, perante aos outros álbuns indicados na categoria. Contudo, mesmo que não seja “o” melhor, não fica de fora dos Melhores do Ano, afinal o disco diverte e aconchega, chegando em casa com segurança. – Costanza Guerriero

Faixas Favoritas: Matilda, Keep Driving, Love of My Life


Ainda em 2022, fomos agraciados com a parte dois de HER MIND, com mais quatro faixas de um projeto que promete ser uma trilogia de EPs (Foto: Metaderos)

Urias – HER MIND, PT. 1

Para os fãs que têm acompanhado avidamente cada passo da era HER MIND, é até difícil imaginar que, ainda em 2022, Urias nos entregava a versão final do incrível FÚRIA, seu primeiro álbum de estúdio. Entretanto, pouco mais de quatro meses depois, a cantora enterrou o preto-e-branco para, ao invés, saturar suas cores ao limite. O azul e amarelo vibrantes da arte que estampa a primeira parte de HER MIND ilustram a sonoridade assumidamente psicodélica do EP, que une a música eletrônica e latina no mais próximo de um projeto de hyperpop que o mainstream brasileiro proporcionou até aqui.

No auge de sua criatividade e inventividade, Urias toma o caminho inverso do que propõe Linn da Quebrada em sua obra. Dona de uma identidade constantemente reduzida aos encargos do corpo, HER MIND extrapola a experimentação da artista para mergulhar no âmago de sua própria mente. Os versos que misturam inglês, espanhol e português – em uma progressão que preza pelo caos –, traduzem os processos intrincamente internos de uma mulher trans que, depois de tornar-se visível e adquirir acessos que nunca teve, enfim permite-se à individualidade. E ainda assim, ao invés do que poderia-se antecipar, a proposta íntima intensifica a personalidade combativa de Urias, reafirmando, através das faixas mais pujantes de sua carreira, que ninguém é capaz de copiar seu Je ne sais quoi. – Enrico Souto

Faixas Favoritas: R.I.P., Je ne sais quoi, The way I drop


Com Hold The Girl, Rina Sawayama entra em uma nova era de amadurecimento tanto pessoal quanto musical (Foto: Dirty Hit)

Rina Sawayama – Hold The Girl

Com uma estreia grandiosa em 2020, as expectativas para o segundo álbum da cantora e compositora Rina Sawayama eram altas, e através de treze faixas que percorrem do pop ao rock à eletrônica, ela não deixa a desejar. Com Hold The Girl, Sawayama abre feridas e muitas vezes canta para sua ‘eu’ mais nova, refletindo sobre sua inocência passada ao passo que busca se curar e se libertar de tudo aquilo que um dia a prendeu, dando um quê esperançoso à obra.

Na faixa de abertura, Minor Feelings, Rina atinge o limite de tudo que guarda para si e expressa a necessidade de tomar controle da própria vida. A canção é sequenciada pela faixa-título, onde ela se encontra falando com a criança que um dia foi, tentando confortá-la e aprender com seu passado. Os vocais e produções marcantes em cada música fazem de Hold The Girl um álbum espirituoso, que combinados com as canetadas sinceras de Rina Sawayama, a torna uma das artistas mais autênticas na cena pop atual. Por fim, a obra se encerra com To Be Alive, onde tudo aquilo que foi almejado ao longo da jornada é alcançado, e Sawayama finalmente encontra paz em todas as versões de si mesma. – Ana Eloisa Leite

Faixas Favoritas: Hold The Girl, Frankenstein e Phantom


“Eu me odeio, quero festejar/E fingir que sou uma estrela de novo” (Foto: Zelig Records)

King Princess – Hold On Baby

Meu deus, é muito difícil ser amada, mas é a vida”, entoa King Princess em Too Bad, faixa integrante de Hold On Baby. Já na canção que fecha o álbum, ela admite que “Sabia que isso aconteceria/Você está brava e se sentindo presa/Eu sinto a pressão/Eu não sou sua captora/Eu odeio me sentir sem esperança”. Depois de Cheap Queen, disco de estreia da cantora indie nova iorquina, a êxtase do começo da carreira e do início de um relacionamento dão lugar a uma estabilidade em ambos sentidos, com letras maduras e afiadas acertando em cheio o que a compositora expõe. Estabilidade essa, porém, que é refletida em sua musicalidade só parcialmente: a certeza de alguns aspectos levanta dúvidas sobre outros, e dão espaço para a artista se questionar – e externalizar tais ponderamentos em sua personalidade musical

No trabalho, as 12 faixas perpassam os questionamentos que surgem em um relacionamento duradouro, a identidade enquanto musicista (agora) consolidada na indústria musical e as suas próprias inseguranças enquanto jovem adulta ansiosa, triste e sexy. Como um sinal claro de que Mikaela Straus se sente mais confiante musicalmente – no álbum, ela participa da produção de suas canções -, a artista abraça a mistura de estilos e sonoridades durante as faixas: longe da falta de uma única identidade, ela assume o seu caos. Misturando solos de guitarras indie a baladas com pianos melódicos, e ampliando o alcance de sua voz, Hold On Baby demonstra uma liberdade ainda inédita para a promissora carreira de King Princess. – Vitória Gomez

Faixas Favoritas: Cursed, Sex Shop, Let Us Die


Cults ainda é uma das melhores bandas de indie (Foto: Sinderlyn)

Cults – Host B-Sides & Remixes

Em Host B Sides & Remixes  a banda de indie rock Cults, traz doçura e paixão a um 2022 de guerras e conflitos. Agrupando os singles My Window, Sleeping Through Sunshine e versões remixadas do álbum Host , a vocalista Madeline Follin e o guitarrista Brian Oblivion se mantêm entre as melhores “novas” bandas de indie, mesmo completando 12 anos de trajetória.

Artistas como Johnny Jewel e Tama Gucci conferem ao álbum uma roupagem eletrônica, mas que preserva a essência da banda que sempre remeteu ao frescor e a suavidade, além de um apego à juventude. Este já é o oitavo álbum de Cults se considerarmos os EPs, mas ainda sim há a preservação da qualidade que foi vista nos primeiros álbuns Cults e Static . – Guilherme Dias Siqueira

Faixas Favoritas: Sleeping Through Sunshine, My Window e Trials (Johnny Jewel Remix)


A estética e conceito de Icarus exalam inteligência e refino (Foto: Bruna Sussekind)

Icarus – BK

Preso dentro de labirintos, BK almeja asas para voar. O quarto álbum de estúdio do rapper nos guia por uma jornada até nossa emancipação. Uma busca que esbarra em temas políticos, mas não deixa, é claro, de cantar sobre a droga mais perigosa e saborosa: o amor. Com referências da mitologia grega, o cantor explora em Icarus a crescente até sua libertação – vemos em cada faixa um pouco da esperança, das contradições, dos defeitos e dos sonhos do próprio BK mesclados com a trágica história de Ícaro e Dédalo. 

Para adicionar pluralidade, contraste e profundidade às faixas, o álbum contou com a colaboração de Marina Sena, L7NNON, Julia Mestre, Bebé Salvego e Luccas Carlos. A combinação trouxe lirismo, batidas e um ritmo não tão inovador, mas encantador no jeito BK. Entre passos e tropeços, acertos e erros, Abebe Bikala conseguiu entregar o equilíbrio que faltou para Ícaro, e contou com seu legado de Gigantes e O Líder em Movimento para conquistar ainda mais admiradores no cenário nacional e consolidar-se como um dos álbuns mais notáveis e viciantes de 2022. – Clara Sganzerla

Faixas Favoritas: Continuação de um sonho, Só me ligar e Músicas de amor nunca mais


“E eu posso voar, no meu sonho infinito, onde nada nunca é o que parece” (Foto: Atlantic Records)

Bazzi – Infinite Dream 

Em um passeio sonoro, construído por meio de sonhos, Bazzi lançou seu segundo álbum de estúdio, Infinite Dream. Antecedido por três singlesWill It Ever Feel The Same?, Miss America e Heaven –, o projeto possui uma mistura de sentimentos. O cantor continua seu trabalho com uma temática parecida com a do primeiro disco: viagens estratosféricas e noturnas, que levam ao amor, à dor, à decepção e à reflexão. 

Indo de sons de sintetizadores, vindos direto dos anos 80, para canções com uma pegada country, chegando até a um pop dançante, o álbum é cheio de melodias interessantes. Infinite Dream realmente parece ter saído dos sonhos de Bazzi, como se fosse uma trilha sonora para a imaginação do subconsciente. O disco consegue retratar diversas emoções que fazem parte da vida, como a sensação de estar apaixonado e de ter o coração partido. Além disso, a composição é inteligente, pois o cantor consegue se auto-referenciar durante as canções, por utilizar versos idênticos em diferentes contextos. – Laura Hirata Vale

Faixas Favoritas: Little Miss Sunshine, Uh Oh, Human (Cocaine)


Capa do álbum INVU de TAEYEON. Na imagem, TAEYEON, uma mulher sul-coreana de cabelos azulados e olhos escuros, aparece olhando para o canto esquerdo da imagem enquanto a câmera a captura a partir da cintura. Ela apoia a mão direita em uma mesa de vidro no canto esquerdo da imagem e posiciona a outra mão na altura de sua boca. TAEYEON usa um vestido de alça na cor azul acinzentado. Ao fundo, o cenário é a sala de uma casa monótona, essencialmente colorida entre o azul e o cinza, exceto pela maçã vermelha em uma redoma de vidro na mesa posicionada no canto esquerdo da imagem. No centro da arte de capa, o título do álbum “INVU” aparece em letras garrafais brancas. Já na parte inferior, o nome da artista “TAEYEON” aparece em letras brancas.
TAEYEON estende o seu reinado como uma das maiores solistas do K-pop com INVU (Foto: SM Entertainment)

TAEYEON – INVU – The 3rd Album

Sozinha, de cabelo descolorido e com o ego mais inflado do que nunca, TAEYEON transforma até os defeitos em qualidades com o disco INVU e estende o seu reinado no K-pop. Entre sintetizadores, batidas eletrizantes e vocais esplêndidos, a integrante do grupo Girls’ Generation abre alas para letras agressivas. Ao contrário da delicadeza de My Voice ou da sinceridade sutil de Purpose, o seu terceiro álbum de estúdio vai direto ao ponto: “Dias ruins estão se repetindo/Eu me sinto miserável, os sentimentos estão acabando/Girando como um anel solto”.

Investida em entregar um trabalho coeso, a veterana arremata algo difícil de se alcançar na atual indústria da Música, a união da sonoridade com uma construção visual marcante. Em 2022, INVU demonstrou ser uma verdadeira era do pop, traçando caminhos semelhantes ao de Future Nostalgia de Dua Lipa. Ainda que inserido no contexto sul-coreano em que as produções ocorrem de modo cada vez mais frenético, o disco parece envelhecer como vinho graças a iniciativa de TAEYEON em deixar as 13 faixas levarem o tempo necessário para causar a imersão plena do ouvinte. – Nathalia Tetzner

Faixas Favoritas: INVU, Heart e No Love Again


Capa do disco KISS OF DEATH, da dupla IC3PEAK. A imagem mostra uma lápide em preto e branco com a foto dos integrantes simulando um beijo. A esquerda está Nick, um homem pálido com batom e sombra preta e, ao lado direito, com a mão em seu rosto, está Nastya, uma mulher branca de batom e sombra preta; e ambos vestem preto. Abaixo, está escrito “KISS OF DEATH” em letras cursivas, e no canto superior direito da lápide há a silhueta de uma cruz ortodoxa.
O sétimo álbum de Nastya e Nick conduz perfeitamente o ouvinte a um sonho folclórico invadido lentamente por pesadelos obscuros (Foto: IC3PEAK)

IC3PEAK – Kiss Of Death

KISS OF DEATH é o álbum de metal da vampiresca dupla IC3PEAK, formada pelos russos Nastya Kreslina e Nikolay Kostylev, que traz colaborações com vozes inusitadas, como Grimes, Oli Sykes, de Bring Me The Horizon, e Kim Dracula. O duo de ativistas, que sempre criticou o governo de Vladimir Putin de forma ácida e direta em seus visuais e canções, entrega novamente letras sombrias e ousadas com refrões cativantes, juntamente com sua estética ora urbana e militar, ora barroca e gótica. 

Apesar de deslizar em sua consistência, KISS OF DEATH é surpreendentemente mais diversificado e imprevisível que o notável trabalho anterior do grupo, o intenso До Свидания. O destaque é, certamente, a melodia e os vocais de Nastya, que vão de um belo ser angelical, com cantos folclóricos, a uma criação infernal cheia de ódio, com gritos estridentes e sons guturais. As melodias calmas e acústicas são quebradas com a percussão pesada e sintetizadores afiados, que soam como explosivos e abraçam uma produção sonora de witch house e trap metal industrial, familiar a Kostylev. – Bruno Alvarenga

Faixas Favoritas: Kiss Of Death, Bad Night e I’m not evil, I’m sad


Na capa, existe um carro vermelho. Em sua placa está escrito "GG 2022", referência ao nome da intérprete do álbum e ao ano de lançamento. Em cima do carro está Gloria Groove, drag queen brasileira, usando um boné vermelho, um cropped e um short conjunto listrado de vermelho e preto, luvas pretas da mão ao braço e um meião preto, com um sapato vermelho de salto nos pés. Ao fundo está um posto de gasolina com o nome Lady Leste no letreiro. É noite na composição, que é iluminada pelas luzes do posto e pelo farol do carro. Em seu rosto Gloria Groove utiliza uma maquiagem marcante nos olhos, com delineado, e um batom vermelho forte nos lábios.
Em seu novo projeto, Gloria Groove veio confirmar que não está de graça: ela sabe a força que tem e a usa em sua máxima potência (Foto: SB Music)

Gloria Groove – Lady Leste 

Quando surgiu em O Proceder, com o despontar de Gloriosa em um rap marcante, de batidas dançantes e um refrão que fica na memória, Gloria Groove se tornou uma promessa nas principais plataformas de música. Nos anos seguintes, após cada lançamento, a promessa foi se confirmando, se destacando e o público teve a oportunidade de acompanhar o nascimento de uma estrela. Em uma ode a vida, aos sonhos, aos medos e em um depoimento sincero, suas canções representam a realidade de milhares de brasileiros, que a reconheceram. Em Lady Leste, Gloria Groove se mostra ainda mais potente e versátil, exibindo, em sua voz e em seu corpo, toda a pluralidade que compõe as periferias (vide que Leste vem de Zona Leste) em suas diferentes camadas.

Em 13 grandes faixas, que vão do funk ao rock, passeando por diferentes gêneros de maneira confiante, Gloria Groove se reafirmou, mais uma vez, como um grande nome da cena musical brasileira na atualidade. Em uma carta de amor às mulheres de sua vida e com um gesto singelo e bonito de “Saber para onde está indo, mas sem se esquecer de onde veio”, o segundo álbum da drag queen explora suas principais influências e referências na música. Com a assinatura de Pablo Bispo e Ruxell na produção, a obra, como um todo, soa coesa, mas ainda mantém a disponibilidade de que canções brilhem sozinhas, criando diversos hits que marcaram 2022. – Aryadne Xavier

Faixas Favoritas: LEILÃO, SFM E PISANDO FOFO


Capa do álbum Língua Brasileira. Arte digital quadrada. Ao redor da capa, vemos uma borda vermelha. Uma figura cor-de-rosa parecida com um quadrado ocupa quase toda a imagem. Dentro dessa figura, vemos pequenos quadrados coloridos. Esses quadrados guardam as letras do título Língua Brasileira. Cada letra traz em si uma mistura de tons de verde.
Como qualificar a criatividade de Tom Zé? (Foto: Selo Sesc)

Tom Zé – Língua Brasileira

As obras de Tom Zé são certamente curiosas. O tempo passa e as nuances contidas na heterogênea discografia do último tropicalista ainda são descobertas com muito entusiasmo. Em Língua Brasileira, a realidade não poderia ser diferente: estamos diante de um disco que pode inquietar os fãs de música nacional por um bom tempo. Extremamente empenhado em suas criações, Tom Zé sabe bem o que faz. Com curiosidade nata, o veterano brasileiro pesquisa a fundo elementos naturalizados do cotidiano para poder dar vida a álbuns que muito têm a ensinar.  

Em relação ao repertório de Língua Brasileira, dez canções inéditas e a já conhecida música-título foram reunidas graças a um espetáculo homônimo de teatro, dirigido por Felipe Hirsch. Com um nascimento poderoso, o mais recente disco do tropicalista foi certeiro desde que tocou Os Clarins da Coragem em alto e bom som. Do primeiro single até aqui, muita coisa mudou – mas as inquietações provocadas pela criatividade de Tom Zé permanecem as mesmas. Contagiante como poucos, eis um veterano que merece nossa celebração. – Eduardo Rota Hilário    

Faixas Favoritas: Hy-Brasil Terra Sem Mal, A Língua Prova Que e Os Clarins da Coragem 


Capa do disco Lowlife Princess: Noir, da cantora BIBI. Foto quadrada e quadrada. Nela, BIBI, uma mulher asiática, com cabelos escuros e compridos, está sentada em cima de diversos sacos de lixo que, juntos, formam a silhueta de um trono. Ela usa um vestido preto longo, com saltos pretos de formato circular. Em sua cabeça, pode-se ler os dizeres, que se apresentam no formato de uma coroa preta, “Lowlife Princess”. No canto inferior direito da imagem, também pode-se ler em preto “BIBI”. O fundo da fotografia é um papel de parede branco.
Seu primeiro projeto sob a gravadora 88rising – ‘a Disney do hip-hop asiático’ –, BIBI assina tanto na composição quanto na produção de Lowlife Princess: Noir (Foto: Feel Ghood Music/88rising)

BIBI (비비) – Lowlife Princess: Noir

Uma mulher fina, que veste um longo vestido e saltos chiques, sentada sob um trono de sacos de lixo. É esse contraste absurdo que dita o tom colérico de Lowlife Princess: Noir, álbum de estreia de BIBI, uma das principais expoentes do R&B na Coreia. A cantora assimila-se às contradições da sociedade sul-coreana, não com uma pretensão política, mas para tecer uma série de contos urbanos que só adquirem o choque desejado pois emergem de uma mente que se apresenta no centro daquele cenário. A sujeira, a desigualdade e a luxúria são incorporadas em uma estética inebriante e uma lírica indecorosa, para, então, ratificar a manifestação de humanidade nessas profanações.

A voz leve e hipnotizante da artista contrapõe radicalmente a raiva pungente que traduz a essência da retaliação em BIBI Vengeance, ou a conversão ao lúdico da objetificação da mulher e da obsessão fálica masculina em Animal Farm, apenas para que os mesmos homens vejam-se castrados logo depois. Ainda que intrinsecamente violento, Lowlife Princess: Noir representa o trabalho mais pop de BIBI até então, que, ao beber da inesgotável fonte do k-pop, se apossa de inspirações de todos os cantos – do reggaeton ao rock – para criar uma sonoridade própria e instituir-se como a única e indistinguível rainha do submundo. – Enrico Souto

Faixas Favoritas: BIBI Vengeance, MotoSpeed 24, Wet Nightmare


Capa do álbum Magic Man de Jackson Wang. Na imagem, Jackson Wang, um homem chinês de cabelos loiros e olhos escuros, olha em movimento diretamente para a câmera, que o captura a partir do busto. Ele veste somente uma jaqueta de couro preta sobre os ombros. Wang está iluminado por uma luz vermelha intensa que combina com o fundo pintado na mesma cor e com o desfoque decorrente do seu movimento com a cabeça.
Jackson Wang desembarca no Brasil com a Magic Man World Tour em 2023 (Foto: Team Wang Records)

Jackson Wang – Magic Man

Vermelho é a cor que preenche a imaginação de quem escuta Magic Man, o segundo álbum de estúdio de Jackson Wang, nunca antes tão intenso, forte, calorento e apaixonado. Repetindo a dose de liberdade criativa encontrada em Mirrors, o selo próprio e independente da gravadora Team Wang Records novamente coloca a cultura chinesa em destaque para o mundo. Dessa vez, o integrante do grupo GOT7 arma um circo extremamente convidativo e, através de uma produção alucinante, constrói o seu próprio espetáculo decorado por performances artísticas surreais.

Wang deixa explícito o amadurecimento pessoal e profissional na composição audiovisual do disco. Se, antes, ele batalhou para encontrar a si mesmo entre instrumentais pesados e versos carregados, hoje, o artista transita sem medo desde o maior número de batidas por minuto até as passagens cadenciadas que valorizam o timbre de voz grave: “As paredes estão desmoronando de novo/Eu ouço você chamando meu nome”. Em Magic Man, Jackson Wang vocaliza emoções conflitantes, fantasmas do passado e, principalmente, a felicidade de se realizar por completo. – Nathalia Tetzner

Faixas Favoritas: Come Alive, Drive It Like You Stole It e Go Ghost


A capa do álbum mostra, na frente, Kendrick Lamar em um quarto, de costas segurando seu filho no colo, o cantor usa uma coroa de espinhos na cabeça e uma arma na cintura. Atrás, sentada na cama bagunçada, está Whitney Alford, sua esposa, segurando o segundo filho do casal.
O décimo álbum de Kendrick Lamar foi premiado na categoria de Melhor Álbum de Rap no Grammy de 2023 (Foto: Interscope Records)

Kendrick Lamar – Mr. Morale & The Big Steppers

Sucessor de um de seus álbuns mais aclamados, Damn , Mr. Morale & The Big Steppers é apresentado ao público como uma das produções mais pessoais de Kendrick Lamar. No disco duplo, o cantor é sincero sobre suas imperfeições e expõe seus traumas e dificuldades em melodias que tiram qualquer dúvida da humanidade do rapper que, pelos fãs, é visto como um deus. Essa pode ter sido a intenção ao vestir uma coroa de espinhos na capa do disco.

O disco conta com diversas colaborações – Summer Walker, Kodak Black e Ghostface Killah são alguns nomes que compõem a obra. Em Mother I Sober, que conta com a voz angelical de Beth Gibbons, fica claro que as parcerias não afetam a personalidade da faixa. Na citada, Kendrick revive abusos em seu relacionamento maternal e admite a repercussão que teve em sua vida, mostrando novamente a capacidade inigualável do artista de transformar suas questões particulares em arte. – Amábile Zioli

Faixas Favoritas: Purple Hearts, N95 e United In Grief


Capa do álbum MOTOMAMI. Nela, está centralizado o corpo inteiro da cantora ROSALÍA, uma mulher branca de cabelos longos e pretos, presos em um penteado maria-chiquinha. Ela usa um capacete de motoqueiro preto, enquanto cobre os seios com a mão esquerda e a virilha, com a mão direita. Em letras garrafais e grafitadas por cima da imagem, há o escrito “MOTOMAMI”.
Arrematando cinco gramofones entre as divisões latina e estadunidense do Grammy, MOTOMAMI desafia as metas que ROSALÍA estipula na canção-título: “e eu já não quero competir, se não há comparação” (Foto: Columbia Records)

ROSALÍA – MOTOMAMI

Para quem nasceu remodelando os horizontes do flamenco e da música pop, se conformar com pouco nunca foi conveniente. Sendo esse fenômeno singular, que coloca o espanhol na boca e nos ouvidos do povo, ROSALÍA não criou MOTOMAMI apenas como um manifesto de suas crescentes intenções artísticas, mas convicta de que pode ser tudo, ao mesmo tempo e onde quiser, em completa contradição e constante metamorfose. Aqui, cantando e produzindo 24 faixas – contabilizando a edição deluxe do LP -, a catalã descasca os turbilhões que acompanharam sua ascensão à fama, confessa seu amor pela família e performa autenticamente numerosas versões de si

Com toques de Michael Uzowuru e Pharrell Williams, o estilo experimental que eletriza o álbum marcou presença nos shows da cantora e em tweets virais da era, enfatizando sua construção não-linear e extremamente magnetizante. Da bachata ao dembow, passando por distorções eletrônicas, boleros e até um samba brasileiro, a curadoria sonora é o coração de MOTOMAMI, nome que simboliza a agressividade e vulnerabilidade que, unidas, edificam ROSALÍA. Brincando entre pianos intimistas, evocações sensuais e sons de sintetizadores estratosféricos, em prol de um mosaico de experiências, ela se transforma, sob todas as cores, como a borboleta musical unânime de 2022. – Vitória Vulcano

Faixas Favoritas: CANDY, BULERÍAS e COMO UN G.


Taylor quebra a distância com o público ao revelar suas mais profundas reflexões em Midnights (Foto: Universal Music)

Taylor Swift – Midnights

Taylor nos mostra, mais uma vez, que sua invejável habilidade de dar brilho ao ordinário nunca irá sair do topo. Após agraciar com a genialidade da dupla folklore e evermore , Midnights chega como aquele abraço depois de um longo dia. O aconchego que encontramos no décimo álbum da cantora é quase que palpável. Em 20 faixas que exploram as falhas e interrogações que muitos de nós gostaríamos de esconder, contamos também com alguns velhos assuntos vistos por outra perspectiva – traição, justiça, amor, vingança e inseguranças adaptados para todo o conceito reflexivo da obra.

Poderíamos estar surpresos por Midnights quebrar recordes, virar assunto em todas as redes sociais e ter melodias que não saem da nossa cabeça, mas Taylor Swift consolidou-se de maneira tão memorável na indústria que seus altos padrões tornaram-se triviais. A cantora consegue, mesmo partindo de níveis elevados, surpreender a todos com a profundidade e reinvenção que alcança. A verdade é que foi um prazer acompanhar Swift em suas madrugadas melancólicas e perceber que, no fundo, não há muito que a distancie de todos nós. – Clara Sganzerla

Faixas Favoritas: Karma, Lavander Haze e You’re On Your Own, Kid


Em Mil Coisas Invisíveis, Tim Bernardes reflete sobre a vida e a arte (Foto: Coala Records)

Tim Bernardes – Mil Coisas Invisíveis

Tim Bernardes aspira à grandeza. Com simplicidade, domínio musical e simplesmente talento, Mil Coisas Invisíveis é um reflexo do que o cantor mostrou anos antes, na sua estreia com O Terno e com seu primeiro trabalho individual, Recomeçar (2017). Nesse projeto, a melancolia e o existencialismo são elementos fundamentais na composição, que olha para o passado em uma jornada filosófica – descrita em Fases e Meus 26. Contudo, não se engane: Mil Coisas Invisíveis é o melhor trabalho solo feito pelo artista.

Aos 31 anos, a visão musical de Tim Bernardes é extremamente sólida. O virtuosismo técnico – na execução das músicas no violão e guitarra – dão base para as suas preocupações atemporais e proféticas, entregues logo na faixa de abertura, Nascer, Viver, Morrer. Com uma aparente influência em Nick Drake, Beatles e Beach Boys, Bernardes conseguiu capturar em Mil Coisas Invisíveis uma tolice quase juvenil da vida, enxergando magia nela. – Bruno Andrade

Faixas Favoritas: Fases; Nascer, Viver, Morrer; Meus 26


DPR IAN é mais sincero e caótico do que nunca em Moodswings in To Order (Foto: Dream Perfect Regime)

DPR IAN – Moodswings in To Order

Christian Yu, conhecido artisticamente como DPR IAN, iniciou sua carreira musical no grupo de K-Pop C-Clown em 2012, até o fim do grupo em 2015 Em seguida, o artista assumiu o papel de produtor e diretor criativo de sua própria empresa e gravadora, Dream Perfect Regime, a qual fundou ao lado de seus colegas DPR LIVE, CREAM e REM. Já tendo provado em seus trabalhos visuais a extensão de sua criatividade e a singularidade de sua visão artística, ele não deixou de impressionar quando deu partida em sua carreira solo, iniciando uma jornada espetacular repleta de produções marcantes, que tomaria proporções ainda maiores em 2022 com sua segunda obra de estúdio, Moodswings in To Order

MIITO, como o álbum é apelidado pelos fãs e pelo próprio artista, conta o passado de Mito, personagem construído por IAN, baseado em seus episódios maníacos de bipolaridade, tema constante em suas composições. O cantor eleva o nível da obra ao combinar 4 faixas e transformá-las em um curta. No processo, é utilizado todas as ferramentas a seu alcance para contar a história do personagem, da melhor forma possível, transmitindo para o espectador a paixão e genuinidade do trabalho. Christian Yu deixa o ouvinte de Moodswings in To Order comovido após encarar um álbum de forte vulnerabilidade, além de despertar curiosidade e antecipação pelos próximos passos de Mito. – Ana Eloisa Leite

Faixas Favoritas: Ballroom Extravaganza, Calico e Merry Go


Capa do disco Multitude, do cantor Stromae. Imagem quadrada e colorida. Nela, vemos cinco clones de Stromae reunidos em círculo enquanto olham para cima. Ele é um homem negro, de olhos claros e cabelos lisos penteados em formato de disco, que veste um terno xadrez da cor azul. O fundo da imagem é azul-claro.
Meses depois do lançamento oficial, um remix da faixa Mon amour com Camila Cabello foi adicionado à tracklist de Multitude (Foto: Mosaert Label)

Stromae – Multitude

Depressão, envelhecimento, masculinidade, colonialismo e violência de gênero são alguns dos temas que perpassam a discografia de Stromae, que podem passar despercebidos por ouvidos que não compreendem o francês de suas batidas eletrônicas, dançantes e contagiantes. Em seu novo projeto de estúdio, depois de nove anos de hiato, o cantor não apenas expande esses tópicos para uma infinidade de perspectivas, como também supera o típico EDM europeu de seus álbuns anteriores para resgatar suas raízes como imigrante e moldar uma Multitude de sons. Folk, funk carioca e afropop são algumas das inspirações que o cantor cita como formativas ao disco – sempre unidas a outros elementos inusitados, como corais búlgaros ou flautas chinesas.

O contido e o explosivo se convergem nas letras de Multitude, que unem com elegância humor e melodrama enquanto uma coleção de personagens antagônicos disputam território entre versos e faixas. Seja em um eu-lírico que enxerga no inferno uma alternativa mais plausível que a vida em L’enfer, ou na tentativa de um homem que trai sua esposa de relativizar sua infidelidade em Mon amour, Stromae coloca-se como agente de todas essas retóricas – não importa o quão contraditórias forem –, ao mesmo tempo que busca sua própria subjetividade no olho do furacão. Uma experiência desafiadora, mas que, em contrapartida, descobre nesta incitação o propósito de um artista singular por natureza. Enrico Souto

Faixas Favoritas: La solassitude, L’enfer, Pas vraiment


lalalaura traz o poprock e o indierock da Geração Z (Foto: Papaya Music)

lalalaura – n sei usar excel

O primeiro EP de lalalaura, n sei usar excel, chegou aos ouvidos do público em Julho de 2022. Durante cinco faixas, a cantora reflete sobre os dramas presentes na vida de uma jovem adulta, como amor, inseguranças e relacionamentos. Com muitas referências espalhadas pelas músicas, como Alice no País das Maravilhas, Wonderwall do Oasis e muitas menções a John Mayer, o extended play é um mix de emoções, indo das mais gostosas e positivas, até as mais tristes e negativas.

A artista se expressa de uma forma em que outras pessoas conseguem se identificar com as canções. Em uma combinação de indie rock com pop rock, lalalaura se mostra como alguém que está tentando entender a vida, o cotidiano e as mudanças causadas pelo crescer. A musicalidade do EP possui guitarras, toques sonoros de WhatsApp, risadas e vocais melódicos, além de trazer letras bem-humoradas. Produzido pela Papaya Music, selo musical de Pe Lu, do Restart, em colaboração com Renato Frei, do Bloco do Caos, e com Fred Vieira, de SUBB, n sei usar excel é um mergulho no mundo jovem, formado pela Geração Z. – Laura Hirata Vale

Faixas Favoritas: alice (só que sem as maravilhas), vc n é o john mayer (rlx), voltas (áudio de whatsapp)


New Jeans alcançou mais de 400 mil cópias vendidas em sua pré venda, sendo a maior marca de uma girl group sul coreana (Foto: ADOR)

New Jeans – New Jeans

Vestindo a musicalidade dos anos 90, o novo grupo feminino da ADOR, empresa subsidiária pela HYBE, chegou para alterar o mercado sul-coreano, impactando todo o cenário musical com o seu EP homônimo, New Jeans. Minji, Haerin, Hyein, Hanni e Danielle, presentearam os fãs com o lançamento surpresa de Attention no dia 22 julho, uma canção acompanhada de melodia, dança e identidade visual original e impactante, na qual o k-pop estava necessitando. 

Como um respiro em meio a leva do mais do mesmo que a indústria sul-coreana tem sofrido desde 2020, New Jeans simboliza o começo de uma nova tendência. Além de Attention, o EP também integra os hits Hype Boy, Hurt e Cookie, fora os singles de Ditto e OMG. Em menos de um ano de estreia, New Jeans deixou sua marca no k-pop sendo uma das maiores referências de 2022, ganhando o prêmio de canção do ano por Attention no Golden Disk Awards e a estatueta de Artista Revelação no Seoul Music Awards. – Ludmila Henrique 

Faixas Favoritas: Hype Boy, Attention, Hurt


‘‘ Eu não sei explicar o que rola no meu coração sem ser cantando, ser sem pela música.’’ (Foto: Ana Frango Elétrico)

Bruno Berle – No Reino dos Afetos

‘‘(…) é preciso ter amor / Ter amor e ser amor’’. O imperativo de delicadeza e simplicidade das composições de Bruno Berle constrói, para sua carreira solo, um trabalho de estréia único, onde suas imperfeições — ruídos e dissonâncias — são a marca maior de sua sensibilidade. Tropical, noturno, vasto e quente, No Reino dos Afetos mostra-se também como um novo mergulho sonoro de um artista que, em suas palavras, quer se afastar do violão para aproximar-se ao eletrônico e, nesse desprendimento, dedicar-se ao máximo à sua própria expressão. Mesmo que as cordas do instrumento sejam ainda uma personagem na faixa Até Meu Violão, Berle, um jovem alagoano no olho do furacão emocional da metrópole paulistana, procura os beats lo-fi, com o encontro inesperado do ritmo de bossa nova e da vivacidade do high life — gênero musical oriundo de Gana e da Nigéria —, para traduzir seus sentimentos, sempre a flor da pele. 

O gesto íntimo das canções são, para além de uma marca da produção independente do cantor, que atreveu-se nas mais variadas ferramentas para a arquitetura do seu sentir — do atabaque ao piano! —, está também em sua poesia, permeada por imagens de afeto. O amor, o diálogo como uma torrente, o assimilar e a perda da individualidade de duas pessoas, presas em seu próprio mundo; estas são construções que estão presentes em canções como Quero Dizer, a lufada máxima dessa liricidade única, quase parente das canções mais melancólicas de Frank Ocean, em Blonde.

Só Nós Dois, devota ao ato de se estar junto, carrega a luminosidade de um violão tropical e dos sons de uma cidade para estender essa raridade da paixão à vida cotidiana. O que Bruno Berle atinge, em No Reino dos Afetos, não são sentimentos bem definidos com palavras certeiras, mas sim, algo de maior beleza: uma gagueira que entende que certas coisas não podem ser ditas e que, às vezes, o balbucio e a vontade de querer dizer, já basta. – Enzo Caramori

Faixas Favoritas: Até Meu Violão, Quero Dizer, Só Nós Dois


Capa do álbum Nymph, da artista Shygirl. A imagem está desfocada e mostra, do lado direito, Shygirl, uma mulher asiática de cabelos longos e escuros, e que usa pequenas pedras brilhantes no cabelo e um casaco azul claro e grande. Ela está de lado e olha para a câmera, segurando a gola do casaco na altura de sua boca, de forma que cobre o seu queixo. Ao fundo, há uma paisagem de floresta em preto no canto inferior, e um céu azul escuro.
Em seu debut, Shygirl ressignifica feminilidade e sexualidade através de sua perspectiva íntima (Foto: Because Music)

Shygirl – Nymph

O tão aguardado e aclamado álbum de estreia de Shygirl, Nymph, foi desenvolvido com um grupo familiar de amigos e colaboradores, incluindo Mura Masa, Sega Bodega e Arca, junto com produtores como Danny L Harle e BloodPop. Recentemente, Shygirl anunciou edição deluxe do álbum, Nymph_o, que contém remixes das faixas originais feitas por um grupo de artistas multifacetados como Björk, Tinashe e Sevdaliza.

Nymph mostra a jornada e a autorreflexão interior de Shygirl, que simultaneamente afirma seu poder e liberdade enquanto anseia por amor, e nos traz uma jornada de fantasias e desejos sexuais, frustrações românticas, e intimidade de uma mulher que é procurada e negligenciada ao mesmo tempo: “Gostosa demais para lidar”. As melodias suaves e etéreas da artista se entrelaçam e fluem perfeitamente com os sons de hip hop, melodias de dança descontruídas, batidas eletrônicas obscuras, juntamente com aspectos do pop clássico Y2K. –  Bruno Alvarenga

Faixas Favoritas: Shlut, Coochie (a bedtime story) e Poison


Com o dobro de faixas de seu antecessor, Ludmilla repete seu affair com o pagode em Numanice #2 (Foto: Warner Music Brasil)

Ludmilla Numanice #2

Ninguém poderia prever que Ludmilla, vindo do funk e do pop, faria não apenas um, mas dois álbuns de pagode. Numanice #2 é um compilado de 10 músicas que trouxe este gênero musical para o mainstream com influências do R&B, mostrando a artisticidade e versatilidade da cantora. No entanto, este projeto brilha mesmo em sua versão ao vivo. Disponível nas plataformas com 17 faixas e com participações especiais de outros artistas, além de Brunna Gonçalves, esposa da compositora, no hit Maldivas, ao dizer o desejo de muitos e muitas fãs: “Me bate, Ludmilla!”.

Um dos pilares deste disco, que o torna tão memorável, é a sua autenticidade. Cantores tentam entrar em novos gêneros como uma alternativa de aumentar seu sucesso comercial, o que acaba resultando em trabalhos superficiais. Aqui, não é o caso. Ludmilla cresceu nas ruas do Rio de Janeiro e aos oito anos já cantava para a família inteira ouvir os pagodes do momento. Essa naturalidade, somada a qualidade de suas canetadas, foi o que levou à criação com maestria desta obra, que merecidamente levou o Grammy Latino 2022 de Melhor Álbum de Samba/Pagode. – Arthur Caires

Faixas Favoritas: Meu Homem é Seu Homem, Fora de Si e 212


A capa é uma foto em preto e branco da cantora Alaíde Costa, uma mulher negra de 86 anos e cabelos crespos de cor escura. Seus olhos estão fechados, ela tem poucos pelos na sobrancelha e uma expressão ainda serena no rosto. Em sua orelha está um brinco delicado e ela veste uma blusa branca.
Aos 86, Alaíde toca um trabalho só seu, feito para que ela possa realizar o que sempre foi capaz de fazer: grandes canções em sua voz única (Foto: Samba Rock)

Alaíde Costa – O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim 

Ao completar 86 anos, uma das vozes mais marcantes que surgiu com o movimento da bossa nova é apresentada a uma geração com um dos álbuns mais elegantes do ano, digno de sua interpretação. Contando com a produção de Emicida e Marcus Preto, O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim é uma história, um relato. Com letras escritas por nomes mais do que reconhecidos da música brasileira, cantando palavra por palavra em um ritmo espaçado e adornada por arranjos caprichados, misturando passado e presente. O novo projeto da compositora e cantora carioca é dotado de ritmo próprio, guardando em orquestrações sublimes que guiam o ouvinte a conhecer a história de vida de Alaíde Costa

Em sua beleza melancólica, a cantora ressignifica seus quase 70 anos de trabalho para a música brasileira, que por vezes estiveram à margem do público e não tiveram o reconhecimento merecido. Ao regravar “Aos Meus Pés”, composição de João Bosco e Francisco Bosco, Alaíde dita um novo tom, apropriando a canção em sua trajetória O meu caminho eu mesma fiz / não foi ninguém que me apontou / eu me virei sozinha / comi o pão todinho / que o Diabo amassou”. A produção é de uma grandeza e delicadeza que reverenciam a cantora, demonstrando um resgate a uma referência da cultura negra de maneira respeitosa e admirável – Aryadne Xavier

Faixas Favoritas: Turmalina Negra, Tristonho e Aos Meus Pés


capa do álbum Once Twice Melody, Capa em branco com uma borda dourada e o título dourado e estilizado
Victoria Legrand e Alex Scally lançam o oitavo álbum (Foto: Mistletone Records)

Beach House – Once Twice Melody

Once Twice Melody  é o oitavo álbum da banda americana de dream-pop, Beach House. Com o mesmo vigor e psicodelia do seu álbum anterior, 7 , a vocalista Victoria Legrand mostra seu fôlego neste disco duplo, com 18 músicas e 1 hora e 24 minutos. Com músicas completamente alucinantes, que conseguem fazer qualquer um se sentir levemente embriagado no banco de carona enquanto vê as luzes de uma cidade, Once Twice Melody demonstra uma aproximação do rock.

Beach House tem cada vez mais assumido o papel de farol do dream-pop nas últimas duas décadas em que está em atividade. Entre os grandes trunfos do duo está a ótima química entre Legrand e o instrumentista e compositor Alex Scally, e o disco é a maior prova disso. Sucesso entre a crítica  especializada da música indie, a dupla de Baltimore alcança um público nichado porém espalhado pelo planeta, já que em 2022 eles estiveram em várias edições do Primavera Sound, incluindo o de São Paulo. – Guilherme Dias Siqueira

Faixas Favoritas: Once Twice Melody, Pink Funeral e Masquerade


Na capa de seu álbum, Beyoncé, uma mulher negra, aparece vestindo uma roupa prata brilhante, que mostra grande parte de seu corpo. Ela usa uma sombra roxa e batom rosa, e seus cabelos, castanho com luzes loiras, de comprimento longo, estão soltos. Ela está sentada sobre um cavalo prata brilhante.
Em seu sétimo álbum, Beyoncé comprova sua versatilidade e relevância na cena pop (Foto: Parkwood Entertainment)

Beyoncé – RENAISSANCE

Lançado como primeiro ato em uma trilogia, o tão aguardado novo projeto após o aclamado Lemonade (2016) chegou flertando com os fãs, a crítica e tendo uma das recepções mais calorosas possíveis. Com seu novo lançamento, Beyoncé se consagrou como a artista com mais indicações ao Grammy na história. Ao chegar nos 40 anos, tendo passado três décadas dentro da indústria da música, a cantora já havia feito praticamente de tudo: abrangeu diferentes gêneros musicais, falou sobre diferentes pautas e levou suas canções a bilhões de ouvintes. Em seu novo trabalho, ela proporciona um renascimento, se entregando a uma jornada para criar coisas distintas do que já havia feito e comprovando, mais uma vez, sua habilidade de levar até o mais simples a perfeição. 

Em REINASSANCE, a cantora escreve sobre quem ela é, reafirma sua identidade e representa, com orgulho, suas influências. Indo da dance music ao r&b, utilizando diversos samples de cantores que a precederam e criando, com a participação de muitas mãos (aqui vale um enfoque ao time de co-compositores e produtores que tornaram palpável o trabalho), experiências sonoras ligadas por uma maestral sequência, que leva o ouvinte, entre uma música e outra, ditando um ritmo marcante em sua hora de duração. Em seu novo projeto, Beyoncé comprova como é possível criar música pop com densidade que chega convidativa aos ouvidos de quem decide dar play. – Aryadne Xavier

Faixas Favoritas: ALIEN SUPERSTAR, VIRGO’S GROOVE E AMERICAN HAS A PROBLEM


Capa do álbum Senhora das Folhas. Arte digital quadrada, com fundo marrom. Uma moldura formada por folhas e flores ocupa as bordas da imagem. No lado esquerdo da moldura, lemos, de baixo para cima, Áurea Martins, em letras verdes. Já no lado direito, lemos, de cima para baixo, Senhora das Folhas, em letras igualmente verdes. Ao centro, podemos observar a cantora Áurea Martins. Ela é uma mulher negra, idosa, de olhos fechados, mãos em sinal de oração, veste uma roupa preta e utiliza um adereço também preto na cabeça.
Senhora das Folhas é pérola verdadeira da MPB (Foto: Biscoito Fino)

Áurea Martins – Senhora das Folhas

Senhora das Folhas é um álbum para se ouvir na íntegra. Coeso, o disco de Áurea Martins desenvolve, no conjunto da obra, uma experiência de imersão e introspecção digna de enaltecimento. Buscando, na sacralidade e nos afetos, os caminhos para conectar suas canções, o lançamento da veterana brasileira alcança uma maturidade artística admirável, firmada em um repertório que não se divide em músicas de maior ou menor relevância. Cada palavra importa e cada som tem seu porquê. Cada escolha leva à cura e cada trajeto traz uma sensibilidade sem fim.

Moldando-se nos detalhes mais sutis, Senhora das Folhas dificilmente brilharia em singles isolados, embora faixas como A Rezadeira/Citação: Relampiano e Me Curar de Mim assinalem um possível ápice do disco. A graciosidade de Áurea Martins, no entanto, está presente desde O Ramo/Incelença da Chuva, faixa que abre o álbum com os traços únicos da voz da artista – além da atmosfera sagrada que percorre delicadamente toda a obra. A verdade é que Senhora das Folhas é uma jornada que toca o coração de quem se entrega por inteiro. – Eduardo Rota Hilário                  

Faixas Favoritas: O Ramo/Incelença da Chuva, A Rezadeira/Citação: Relampiano e Me Curar de Mim


Capa do álbum SIM SIM SIM. A imagem é predominantemente preta com efeito granulado. Descentralizado para o lado esquerdo estão um par de braços dobrados, como no movimento que se faz para tocar o rosto. Os braços estão vestidos de uma blusa de manga longa vermelha, que está em parte encoberta por uma sombra .Os cotovelos apontam para cima. Ao lado direito, na vertical, está o título “Bala Desejo” em cinza claro. Em baixo das letras “bê”, “de” e “ó” está a palavra “sim”, em letras pequenas.
Ao Bala Desejo dizemos SIM SIM SIM e mais, por favor (Foto: Coala Records)

Bala Desejo – SIM SIM SIM

SIM SIM SIM, o debut do coletivo Bala Desejo, é uma experiência sonora de parte da América Latina e da brasilidade carnavalesca de sol e mar. Sim, é possível sentir o calor das ruas e uma briza fresca ao longo das quatorze faixas do disco que misturam, nas letras e nos ritmos, o belo casamento do português com o espanhol. Esse trabalho foi fruto da investida dos quatro integrantes do coletivo, Dora Morelenbaum, Julia Mestre, Lucas Nunes e Zé Ibarra, de produzirem durante seu isolamento da pandemia. As músicas expressam justamente o anseio pelo fim do confinamento: é sobre o primeiro carnaval pós pandêmico, é o proposto ‘Recarnaval’.

A complexidade oferecida nas composições recebem um toque performático, como em um trio elétrico, que ao longo do desfile vai revelando suas diversas atrações. Em Baile de Máscaras (Recarnaval) está a premissa de todo o álbum, em uma pegada à la Rita Lee, seguido por Lua Comanche que remete ao samba dos anos setenta. Na faixa Lambe Lambe está presente o desejo e o carnal, que é equilibrado pelo frescor e independência de Passarinha. Toda essa conexão e câmbio de informações instrumentais e referências do SIM SIM SIM, convergem em um álbum conciso, ainda que experimental. Essa proposta rendeu o prêmio de Melhor Álbum em Língua Portuguesa no Grammy Latino de 2022. – Costanza Guerriero

Faixas favoritas: Baile de Máscaras (Recarnaval), Dourado Dourado, Passarinha


O terceiro disco de Fontaines D.C. é uma obra-prima expansiva e surpreendente (Foto: Partisan Records)

Fontaines D.C. – Skinty Fia

Em Abril de 2022, Fontaines D.C. lançou seu disco mais exigente e experimental desde a explosão inicial de Dogrel (2019). Terceiro álbum do quinteto, Skinty Fia é uma aposta arriscada, trazendo referências de Literatura e camadas complexas de guitarra, afinadas às letras vocalizadas por Grian Chatten. Temas como solidão, alienação e conexão humana real podem até passar pelo tracklist de 10 faixas, mas o verdadeiro conceito reside no “não pertencimento”. Isso porque Fontaines D.C. propõe uma narrativa da condição dos imigrantes irlandeses numa Inglaterra que pode não ser tão receptiva quanto parece.

As referências do disco perpassam James Joyce, John Williams e Vladimir Nabokov, cujos singles Roman Holiday e Jackie Down the Line são facilmente destacáveis. As referências ao Joy Division – principalmente pela postura vocal de Chatten, em contraste com Ian Curtis – e ao Gang Of Four não passam despercebidas, mas a junção desses elementos resulta em um projeto original dentro do post-punk. Mergulhado nas referências internas de Fontaines D.C. – como estranhos em uma terra desconhecida –, vislumbramos medos comuns ganharem forma artística (a morte, o tédio, o envelhecimento e a tristeza). Skinty Fia, na verdade, é um álbum corajoso e maduro, que demonstra a evolução meteórica de uma banda que nunca fez menos que um execelente trabalho. – Bruno Andrade

Faixas Favoritas: Jackie Down the Line, Roman Holiday, Nabokov


Em Julho de 2022, o SEVENTEEN voltou com o relançamento de seu quarto álbum de estúdio (Foto: Pledis Entertainment)

SEVENTEEN – SECTOR 17

Em seu sétimo ano de carreira, o quarto álbum de estúdio do SEVENTEEN os consolida como gigantes do k-pop. O grupo, que em 2015 tinha apenas uma empresa à beira da falência e um sonho, mostra que o trabalho árduo ao longo dos anos, escrevendo e produzindo as próprias músicas, valeram a pena e resultaram em uma forte identidade musical. Em SECTOR 17 é evidente o amadurecimento dos treze integrantes, que levam seus ouvintes em uma jornada pelos altos e baixos da juventude através de sua discografia. 

O SEVENTEEN prova que ainda tem muito a oferecer, e que a química entre os integrantes é um dos ingredientes principais para seu sucesso e qualidade. Na faixa Circles, o membro Woozi, que também atua como produtor principal do grupo, entrega uma mensagem emotiva de união à seus colegas de grupo. A faixa _WORLD resgata as raízes do SEVENTEEN com seu tom alegre e leve, contrapondo a intensa HOT, a qual apresenta uma faceta inédita, e os entrega a chance de mostrar nos palcos que quem sabe faz ao vivo, não deixando dúvidas sobre sobre o lugar do SEVENTEEN na realeza do k-pop. – Ana Eloisa Leite

Faixas Favoritas: Circles, HOT, DON QUIXOTE


Capa do álbum SOS. Na imagem, SZA está sentada em um trampolim com apenas o mar à sua volta.
A capa de SOS com inspiração na Princesa Diana reflete o chamado de SZA: ajuda (Foto: RCA Records)

SZA SOS

Após uma longa espera de 5 anos, devido a uma série de desentendimentos com a própria gravadora, SZA lançou seu segundo álbum de estúdio, SOS. O projeto foi um dos últimos lançamentos de 2022 e está dominando 2023. Seu tema principal já é revelado em seu nome e em sua capa, inspirada em uma fotografia da Princesa Diana no ano de sua morte. Este disco clama por ajuda em meio a solidão e melancolia, muito bem guiados pelo R&B da artista.

Esses temas não são novos na discografia de SZA. Em Ctrl, de 2017, a cantora já explorava os altos e, principalmente, os baixos de um relacionamento. Mas, em SOS, as composições são mais dramáticas e tudo é intensificado, ao passo que as emoções são exploradas com mais profundidade. Tudo isso pode ser percebido em uma música do álbum, Kill Bill, onde a compositora se sente tão sozinha que cogita cometer um crime: “Talvez eu mate meu ex/Mas, eu ainda o amo/Prefiro estar na cadeia do que sozinha”. – Arthur Caires

Faixas Favoritas: Snooze, Gone Girl e Nobody Gets Me


Capa do álbum The Car. A imagem é uma pintura que imita uma fotografia tirada de um estacionamento na cobertura de um prédio.Todo feito de concreto, o estacionamento é amplo e possui grades e postes de luz vermelhos. Há apenas um carro branco e antigo estacionado. Ao fundo há dois prédios de concreto, com muitas janelas. Na parte inferior da imagem há parte da cobertura de outro prédio, colado ao estacionamento. Nessa outra cobertura há uma chaminé. A imagem está contida por uma moldura branca, como uma foto polaroid.
Quatro anos depois do último lançamento da banda, The Car soa como uma noite solitária na cidade grande (Foto: Domino Records)

Arctic Monkeys – The Car

Em The Car fica claro que não há interesse em refazer o que já foi feito. No sétimo álbum de Arctic Monkeys é consolidada uma nova fase, sendo essa contida, lúdica e cinematográfica, ficando cada vez mais distante das memórias de uma banda de indie rock. A sonoridade presente no disco poderia facilmente ser a trilha sonora de um filme de espionagem, que acompanha um detetive na sua crise de meia idade. É apresentada uma grande potência sonora, mas dessa vez acompanha letras mais simples, de Alex Turner. Tudo isso espelha o novo momento que o vocalista vive, e apesar de não parecer se importar com a expectativa dos apegados ao A.M, reflete sobre a incapacidade de ser como um dia já foi, e assim  reconhece que isso não é algo ruim.

Na produção, os meninos de Sheffield transparecem seu crescimento e amadurecimento em arranjos orquestrados e vigorosos. Além dos riffs dos anos 60, há influências do jazz e do blues, que acertam no tom mais triste e melancólico. Do início com There’d Better Be A Mirror Ball, ao fim com Perfect Sense, o LP de dez faixas é perfeito para ser escutado quando restam poucas sombras nas ruas, logo depois que o bar fecha. Como cantando na faixa Big IdeasDe verdade, foi emocionante”, mas agora é hora de seguir em frente. Para muitos o álbum não atingiu as expectativas e portanto divide opiniões. Mas o que pode ter sido um pequeno passo para os fãs de R U Mine, acaba sendo um grande salto para aqueles que estão abertos às novas propostas da banda. – Costanza Guerriero

Faixas Favoritas: There’d Better Be A Mirrorball, Body Paint, Perfect Sense


Capa do álbum The Forever Story. Nela vemos uma multidão de pessoas negras, incluindo jogadores de basquete, de futebol americano, presos, padres, dançarinas, mulheres, crianças e policiais (esses brancos). Ao centro, JID, um jovem negro, está sem camisa e de calça jeans. No seu corpo é possível notar várias tatuagens, além de um enorme cordão de prata. A foto é tirada em uma perspectiva 3D que atribui profundidade à imagem. JID está com a cabeça em direção à câmera, porém com os olhos fechados. Seus braços estão sobre sua cabeça.
A ambiciosa empreitada do rapper já nasce um clássico e um marco no cânone do hip-hop (Foto: Dreamville/Interscope)

JID – The Forever Story

Depois de despontar no mainstream graças a colaboração com Imagine Dragons na música tema de Arcane, o terceiro álbum de estúdio do rapper JID finca seu nome na nova safra do gênero. Apadrinhado pela gravadora de J Cole e tendo nomes como James Blake, BADBADNOTGOOD e Kaytranada na produção, The Forever Story é um sucessor espiritual de The Never Story, estreia do artista em 2017. Funcionando como uma “parte dois” de seu debut, o álbum é uma análise da vida e amadurecimento de JID pela ótica do próprio intérprete.

Dono de um flow com uma cadência rítmica inconfundível – do qual o rapper alterou incríveis 148 vezes durante a produção – The Forever Story abusa de samples extremamente urbanos para relatar a infância em Atlanta e cria beats nada convencionais, mas ainda sim, extremamente acessíveis ao público. Com uma produção extremamente coesa e um storytelling invejável, JID discorre sobre família, negritude, a violência das metrópoles e a separação que a fama provoca entre o artista e a pessoa. Em um ano rico para o gênero, o rapper coloca para sempre o álbum como um dos melhores registros (senão, o melhor) do ano e do estilo. – Guilherme Veiga

Faixas Favoritas: Raydar, Surround Sound e Money


Kevin Parker está ainda mais psicodélico no novo álbum (Foto: Universal Music Australia)

Tame Impala – The Slow Rush B-Sides & Remixes

A já reconhecida e estonteante psicodelia de Kevin Parker, mas em versões completamente novas, definitivamente um dos presentes de 2022. Se a versão original, The Slow Rush  nos fez delirar em um vórtex de batidas eletrônicas, como nas músicas Is It True e Borderline, suas versões em remixes de artistas como Blood Orange e Lil Yachty parecem vir de outra dimensão.

The Slow Rush B-Sides & Remixes   traz também novas faixas como No Choice e The Boat I Row que mostram que a banda australiana iniciada em 2007 continua inovando e provavelmente assim deve ser por muito tempo, pois a mente de Parker parece ser uma fonte inesgotável de músicas criativas e eletrizantes e o sucesso já lhe rendeu vários prêmios. – Guilherme Dias Siqueira

Faixas Favoritas: The Boat I Row, No Choice e Is It True (Four Tet Remix)


Capa do álbum There and Back Again de Eric Nam. Na imagem, Eric Nam, um homem estadunidense com descendência sul-coreana de cabelos e olhos escuros, aparece curvado em direção a câmera, que a captura a partir do busto e para a qual ele olha diretamente. Nam veste uma jaqueta vermelha fechada adornada por botões dourados. Ele leva a mão direita aos cabelos. Ao fundo, o cenário é composto por um céu acinzentado e uma árvore que parece sofrer as consequências do inverno. Na parte inferior central, o título do álbum “There and Back Again” e o nome do artista “Eric Nam” estão escritos em letras brancas.
There and Back Again marca o retorno de Eric Nam três anos após a sua estreia com Before We Begin (Foto: The Eric Nam Company)

Eric Nam – There and Back Again

Dono de uma voz que parece ter sido criada justamente para acompanhar o mais leve toque de cordas em um violão, Eric Nam finalmente encontra o seu som em There and Back Again, o segundo álbum de estúdio da carreira. Cantando de modo que as letras soam como se derramassem exuberantemente os sentimentos de um coração partido, o artista estadunidense de descendência sul-coreana vai e volta no tema sem soar repetitivo.

E se isso for algo que eu nunca vou superar?/Conversando com meus amigos e todos dizendo: “Eu avisei” “. Brutal na mesma intensidade que permite as emoções transbordarem, o disco tem o sabor refrescante do drama misturado com a realidade nada racional, o colocando em destaque em uma indústria facilmente movida pela superficialidade. A caminho dos 10 anos de trajetória musical, Eric Nam lançou uma versão reimaginada de There and Back Again em 2023. – Nathalia Tetzner

Faixas Favoritas: I Don’t Know You Anymore, Lost On Me e What If


O discurso político e a música pop são um encontro dinâmico na experimentação da dupla (Foto: DEEWEE)

Charlotte Adigéry, Bolis Pupul – Topical Dancer

Que o performativo sempre pertenceu às pistas não é nenhuma novidade. Mas o mix social, teatral e cômico — vindo de um ímpeto nascido diretamente da proposta de artistas como Grace Jones e Prince — feito pela dupla Charlotte Adigéry e Bolis Pupul é algo definitivamente refrescante no cenário da música pop, que necessita, como nunca, de uma nova linguagem crítica. Envolto pelo gênero da música disco, Topical Dancer apunhala o ouvinte de estranheza. O sentimento prevalece nos graves e sintetizadores dançantes de canções como Esperanto ou Blenda, que ardilosamente mascaram, em uma primeira impressão, os comentários ácidos e irônicos da dupla acerca do racismo, xenofobia e misoginia vividos no cotidiano de qualquer minoria social frente o histórico de países como a Bélgica, que ainda recusam-se a olhar seu passado colonial com os devidos intuitos de reparação. 

Em por seu próprio universo sonoro de referências, do funk dos anos 80 à música eletrônica do ínicio do século, faixas como It Hit Me, que se inicia dando espaço a um relato quase diarístico acerca de um episódio de assédio sexual, são amostras do tom da crítica de Adigéry e Pupul, que nega um didatismo que apenas postula o que é correto ou errado. Para além do conteúdo de suas canções, as percussões produzidas pelo duo também reverberam no contexto diaspórico tão estruturante do trabalho, em seu resgate de um rock que beira a David Byrne mas na carcaça de sons da música haitiana. No humor de HAHAem que a cantora alcança o máximo de sua experimentação e performance — mora a consciência social dançante em que Topical Dancer, a partir do poder de movimento dos corpos, finca suas mensagens para muito além da epiderme. – Enzo Caramori

Faixas Favoritas: It Hit Me, Making Sense Stop, HAHA


Capa do álbum Traumazine de Megan Thee Stallion. Na imagem, Megan, uma mulher negra de cabelos e olhos escuros, é fotografada a partir do busto e em três posições diferentes que se aglomeram. Uma das expressões parece gritar, outra parece estar com raiva e, por último, uma parece simular a indiferença. Stallion usa somente um colar metalizado. Ao fundo, o cenário é um papel de parede na cor preta.
Traumazine é o segundo álbum de estúdio de Megan Thee Stallion e sucede o aclamado Good News (Foto: 1501 Certified Entertainment)

Megan Thee Stallion – Traumazine

Depois de tocar por todos os rodeios de Houston com o viral Savage e ser presenteada com a voz de Beyoncé para o remix, Megan Thee Stallion também ganhou o olhar cuidadoso da gravadora Roc Nation de Jay-Z. Em 2022, a rapper texana entrou na justiça contra a sua distribuidora original, a 1501 Certified Entertainment, para conseguir rescindir um contrato por obra injusto que a manteve refém até o lançamento do disco Traumazine. Infelizmente, Stallion precisou enfrentar o sofrimento de mais um tribunal, refletido nas composições vulneráveis e que impactou a sua trajetória artística e pessoal: o crime cometido por Tory Lanez.

Repleto de versos cortantes rimados com a ajuda de um flow único e nunca tão voraz, o segundo álbum de estúdio da ‘hottie’ traz a Arte do freestyle, a intensidade de letras inspiradas e ainda deixa espaço para um house dançante tomar conta. Segundo o seu perfil para o The Cut, Traumazine seria “a substância química liberada no cérebro quando ele é forçado a lidar com emoções dolorosas causadas por eventos e experiências traumáticas”. Fazendo jus ao conceito, Megan Thee Stallion vem com sangue nos olhos e sede de vingança em uma produção que põe fim aos traumas e a consolida como uma das principais vozes da Música atual. – Nathalia Tetzner

Faixas Favoritas: Plan B, NDA e Her


Mergulhamos no íntimo de Baco em QVVJFA? (Foto: Roncca)

Baco Exu do Blues – QVVJFA? 

Quantas vezes você já foi amado? Essa é a pergunta que guia o terceiro álbum de estúdio de Baco Exu do Blues. Nesse projeto, o cantor  nos revela suas inseguranças e fracassos por meio de versos tão poéticos que nos fazem voar. Abrindo alas para abordar questões como objetificação do corpo negro, gordofobia, autoaceitação e a solidão do jovem preto, o rapper nos conquista pela coragem de mostrar-se tão frágil. Entre exaltar sua religiosidade e discutir como recebemos e damos afeto, mergulhamos no íntimo do cantor para não querer voltar. 

Formado por 12 faixas que trazem feats de peso como Gal Costa, Gloria Groove e Muse Maya, QVVFJA? consegue encontrar um equilíbrio entre o seu lado sexual explorado em Não tem Bacanal na Quarentena para músicas que mesclam, junto com lado erótico do álbum anterior, amor, medos e dúvidas. Com beats suaves, românticos e carregados no R&B, Baco retorna para o cenário brasileiro apostando em uma fórmula um pouco diferente, mas que, ainda sim, consegue prender nossa atenção. – Clara Sganzerla

Faixas Favoritas: 20 ligações, Samba In Paris, Mulheres Grandes e Lágrimas


Capa do disco Urucum, da cantora Karol Conká. Imagem quadrada e colorida. Nela, vemos a cabeça de Karol em foco. Ela olha diretamente para a câmera e tem parte de seu rosto coberto por uma placa de metal, que copia as silhuetas de sua boca e nariz. Karol é uma mulher negra, de olhos escuros, com cabelos trançados da cor vinho projetados para cima, simulando o formato de várias serpentes. O fundo da imagem é um vermelho vibrante.
Gravado inteiramente no estúdio de sua casa, Karol Conká finalizou Urucum em duas semanas (Foto: Sony Music Brasil)

Karol Conká – Urucum

Karol Conká sempre foi conhecida por suas parcerias de peso com grandes produtores. Entre Nave, Tropkillaz e Boss in Drama, essas colaborações fazem da discografia da rapper um verdadeiro arco-íris sonoro, que sempre carrega, independente de qualquer distinção, sua essência artística. Sendo assim, para Urucum, RDD assina a produção executiva. Cabeça criativa do coletivo ÀTTØØXXÁ, Rafa Dias une seus poderosos graves aos sons típicos de Salvador para fazer desse um dos projetos mais musicalmente diversos e interessantes da cantora curitibana. Um resultado espetacular para um disco que nasce em um contexto extremamente delicado.

Após um BBB 21 com rejeição histórica, Conká usa Urucum como ambiente de terapia e reflexão. O seu penteado alucinante da capa, em referência à lenda da Medusa, petrifica a ela mesma, aludindo que o narcisismo que feriu aqueles ao seu redor – em plena rede nacional – também a consome por dentro. Desse modo, a rapper olha para dentro para que, assim, entregue seu próprio diagnóstico do mundo. Afinal, do que Karol Conká é culpada? Se fosse outra pessoa, com vivências opostas à sua, tomando as mesmas atitudes, ela sofreria o mesmo linchamento virtual? É a partir destes questionamentos que Karol brinca com a contraste e reencontra seu icônico deboche em um movimento deliberadamente televisionado de autocura. – Enrico Souto

Faixas Favoritas: Fuzuê, Cê Não Pode, Vejo o bem


Na capa está uma composição. Seu fundo é como se fosse uma ilha, onde o céu é rosa claro, aparece um sol bem amarelo brilhando ao fim do oceano azul. Existe uma ilha, com areia, na qual se encontram dois coqueiros e algumas flores rosas. Sobrevoando o céu estão dois golfinhos e, ao centro da composição, está um coração com braços e pernas. Ele possui um único olho e uma boca, que demonstra a expressão de tristeza.
Ao tratar da vulnerabilidade que pode soar familiar aos ouvidos, Bad Bunny deixa claro o propósito do coração triste na capa (Foto: Rimas)

 Bad Bunny – Un Verano Sin Ti

Vencedor do Melhor Álbum de Música Urbana no Grammy Latino, topo nas paradas da Billboard por mais de dez semanas consecutivas e somando mais de oito bilhões de reproduções no Spotify, não seria exagero dizer que Bad Bunny fez história ao lançar seu novo projeto. Utilizando do reggaeton, que tem suas raízes na música caribenha – lugar de onde o cantor veio, e distinguindo o álbum em parte A (alegre e solar) e B (tranquila e reflexiva), o cantor separa ao ouvinte o melhor de sua produção musical. Levando sua cultura e influências a um nível global, com participações de conterrâneos em suas canções, Bad Bunny entrega um trabalho completo. 

Em seu quarto e mais recente trabalho, Un Veterano Sin Ti, o cantor trabalha temas de maior vulnerabilidade, falando sobre sentimentos e a relação entre dor e entrega. Se a proposta de cantar e trabalhar temas como saudade e o encontro de um novo amor desde seu álbum de lançamento, X 100pre (2018), nesse álbum elas estão ainda mais escancaradas e ainda melhores trabalhadas. O ouro está ali, disponível aos que se propõe a adentrar essa jornada – Aryadne Xavier

Faixas Favoritas: Tarot, Otro Atardecer e Ojitos Lindos


Capa do álbum WE da banda Arcade Fire. Nela, temos um close em um olho. Porém, o olho em questão é composto somente da pupila e da íris, sem a parte branca.
Após as mudanças de ares dos álbuns anteriores, WE é a constatação de que em time que se está ganhando, não se mexe (Foto: Columbia Records)

Arcade Fire – WE

O Arcade Fire que nós queríamos e precisávamos está de volta. Com referência clara a obra distópica de mesmo nome do escritor russo Yevgeny Zamyatin, o sexto álbum de estúdio do grupo canadense retorna as origens da banda. Cinco anos após o divisivo Everything Now, WE é a amarração dos diferentes Arcade Fire que surgiram nesses quase 20 anos de estrada. O disco também marcou a saída de Will Butler (irmão do frontman Win) da banda.

Dessa vez, a crítica do álbum cai sobre uma sociedade totalmente exposta e incerta. Dentre suas faixas com várias partes, a obra é dividida em duas metades: I e We. A primeira trata de ansiedade, medo, distanciamento e solidão. O contexto fica ainda mais evidente ao perceber que o álbum foi maturado durante a pandemia de covid-19, o que faz com que faixas como Age of Anxiety I batam mais forte. Já a segunda metade, fala do desejo de união tratando-o como distópico, como pode ser percebido em Unconditional II (Race and Religion), que, repetindo uma característica do Arcade Fire de trazer grandes nomes para sua produção, conta com a participação do lendário Peter Gabriel.

A banda une o indie rock com o synthpop como ninguém, fazendo da produção uma experiência catártica que é consciente ao guiar as emoções dos ouvintes através de suas faixas. Por essa razão, o disco nos lembra e lembra o próprio grupo o potencial que eles têm como coletivo e banda de arena, sendo extremamente performáticos, experimentais e sensoriais, da mesma forma que os garantiu sucesso. Por isso, WE nos traz de volta o Arcade Fire que não tem medo de ser Arcade Fire. – Guilherme Veiga

Faixas Favoritas: Age of Anxiety I, Age of Anxiety II (Rabbit Hole) e Unconditional II (Race and Religion)


Os californianos fazem as pazes com o passado e exalam Amor Ilimitado (Foto: Warner Records)

Red Hot Chili Peppers – Unlimited Love

Mais de uma década depois, o guitarrista John Frusciante retorna às origens californianas e quebra o silêncio de seis anos na fábrica dos Chili Peppers. O calouro Unlimited Love conquistou o primeiro lugar na Billboard 200 e atingiu a segunda estreia no topo desde o aclamado Stadium Arcadium (2006). O sucesso foi responsável por reacender o funk martelante de sua dinâmica original e alcançar o maior desejo dos fãs: trazer de volta o que faltava.

O disco é uma experiência gratificante, responsável por deixar aquele gostinho de quero mais A volta de Frusciante fez com que o quinteto californiano reencontrasse o dinamismo que supera o de bandas com metade de sua idade. Os Chili Peppers fazem as pazes com o passado e redescobrem sua química sonora de maneira intensa. A nostalgia do amor cura toda a saudade e acolhe com imensa familiaridade o som Ilimitado que apenas os californianos sabem produzir. – Leticia Stradiotto

Faixas Favoritas: She’s a Lover, Black Summer e Here Ever After


Capa do álbum autointitulado Wet Leg. Nela encontramos a imagem de duas mulheres brancas, de costas e abraçadas, entrelaçando um dos braços pela costa da outra. A mulher da esquerda da imagem é loira, veste uma camiseta azul marinho e uma saia xadrez nas cores cinza, branco e verde; com listras amarelas e azuis. A mulher da esquerda tem cabelos pretos que,à medida que vão chegando às pontas, vão ficando ruivos. Ela veste uma camisa branca e uma saia social na cor azul marinho clara.
Desde sua estreia, o grupo sempre figura nas listas de artista revelação, incluindo o Mercury Prize e dividindo espaço com Anitta na categoria Best New Artist do Grammy (Foto: Domino Recording)

Wet Leg – Wet Leg

O (indie) rock não morreu! Em um gênero de dominação masculina, principalmente de sua vertente britânica, é da estreia do duo feminino que ecoa a revitalização do estilo. Naturais da Ilha de Wright, pequeno reduto da contracultura inglesa no século passado, Rhian Tisdale e Hester Chambers confirmam toda a expectativa depositada pela indústria quando Chaise Longue, primeiro single do projeto, despontou ainda em 2021. Não à toa, Wet Leg logo caiu nas graças da crítica e, replicando os expoentes do indie no início do século XXI, vem conquistando o público através do boca a boca.

Fusionando o que de melhor foi criado na cultura fonográfica britânica, o autointitulado Wet Leg cria contrastes interessantíssimos, resultando nas enérgicas e cativantes Chaise Longue, Too Late Now e Wet Dream; que dividem espaço perfeitamente com passagens mais íntimas como Loving You e Piece of Shit. Por mais rico que pareça, o ouro do álbum é justamente não estar preocupado com essa imagem. 

A postura despreocupada do grupo ganha forma em um produto que apresenta ótimas letras ironicamente irreverentes e recheadas de originalidade. Mesmo dentro da fórmula guitarra, baixo e bateria do garage rock, ele consegue passear e experimentar dentro dessa vertente. O resultado é um registro de um duo que não quer rebuscar conceitos ou ousar em questão de complexidade, mas somente fazer Música pela Música. – Guilherme Veiga

Faixas Favoritas: Wet Dream, Chaise Longue e Oh No

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