Os Curtas do Oscar 2023

Em 2023, a entrega do troféu para as categorias de curta-metragem volta à transmissão ao vivo do Oscar (Arte: Ana Clara Abatte/Texto de abertura: Nathalia Tetzner)

Eles são rápidos, podem vir em diferentes cores, ritmos e formas. Alguns se debruçam sobre o drama, outros carregam o peso da história nos ombros e há ainda aqueles que são desenhados com os mais delicados traços. Todos são a escolha ideal para quem começou a assistir a lista de filmes indicados ao Oscar e sentiu que precisava descansar a vista após passar horas com os olhos vidrados em longas-metragens intermináveis. Sim, nós estamos falando deles, os curtas selecionados pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas para a 95ª edição da premiação.

Na disputa pela estatueta de Melhor Curta-Metragem Live Action, os lenços não são suficientes para enxugar as lágrimas do reencontro de dois irmãos e uma história de natal doce em meio ao amargo da guerra. Já na corrida pelo Melhor Documentário em Curta-Metragem, um bebê elefante órfão que nasceu como favorito ao prêmio divide espaço com uma loira estadunidense tão eloquente como a Hebe. Por fim, a estatueta de Melhor Curta-Metragem de Animação é arrastada de um lado para o outro com a sátira da vida sexual de uma jovem da década de 90 e a amizade improvável entre menino e animal. 

Se, no ano passado, a emissora ABC tomou a decisão infeliz de vetar a entrega das estatuetas das três categorias que dividem as 15 produções de menor duração, em 2023, a revolta do público e do Persona fez efeito e a cerimônia irá ao ar por completo. Repetindo o conteúdo informativo e imersivo do primeiro cineclube de curtas, a publicação está de volta com a estrutura pensada especialmente para os amantes da Sétima Arte. Dessa vez, com um ânimo especial pelo renascimento do Cinema e junto dos comentários apurados da Editoria, que não cansa de gabaritar os bolões dos principais eventos do meio, incluindo o Oscar 2023


Melhor Curta-Metragem Live Action

Um homem branco ruivo de barba tem cabelos de cor avermelhada, pele clara e uma barba espessa. Sua barba é composta por pelos grossos e longos que cobrem seu queixo e mandíbula. Ele está vestindo uma camisa verde xadrez e está sentado em uma mesa. A sua frente está um copo de leite e um prato branco.
Em uma entrevista ao Quartz, o linguista Anatoly Liberman diz que a versão original da expressão “Irish goodbye” vem do inglês, anteriormente “French leave”, como em “uma saída à francesa” (Foto: Floodlight Pictures)

An Irish Goodbye

Quão difícil é seguir em frente? Em An Irish Goodbye, muito! Além de apresentar uma história emocionante, o curta-metragem dirigido por Tom Berkeley e Ross White, consegue equilibrar habilmente o drama e o humor. Com uma história envolvente, o filme aborda a relação de dois irmãos que, após a morte da mãe, são obrigados a lidar com suas diferenças e o luto pela perda. Os momentos engraçados são bem-vindos e adicionam leveza à trama, sem minimizar o peso emocional da perda e do luto, enquanto a construção dos personagens também é um dos pontos fortes, bem exemplificada pela quase personificação de uma urna como integrante. A trilha sonora e a fotografia do filme também merecem destaque, adicionando ainda mais profundidade e emoção à narrativa.

Com uma interpretação excelente dos atores James Martin, Seamus O’Hara, Paddy Jenkins e Michelle Fairley, a obra foi nomeada ao Oscar 2023 de Melhor Curta-metragem em Live Action. Em adição a um roteiro rico que aborda questões universais sobre a vida e a morte, a maneira inteligente de explorar o tema mórbido e a realização de sonhos pela lista de desejos da mãe dos irmãos serve como um meio para uni-los em torno de um objetivo comum. Memorável, tocante e simples, seus 23 minutos são coesos e de certo um forte competidor à estatueta. – Henrique Marinhos


Cena do curta-metragem Ivalu. Na imagem está Pipaluk. Pipaluk é uma menina gronelandesa de cabelos e olhos escuros, ela usa duas tranças laterais e tem um franja caída na testa. A garota veste um casaco azul com gorro. A foto mostra seu rosto com feições assustadas e confusas.
Adaptação da graphic novel homônima de Morten Dürr e Lars Horneman, Ivalu é uma jornada acinzentada (Foto: M&M Productions)

Ivalu

Gravado na Groenlândia, Ivalu nos mostra os esforços de Pipaluk (Mila Heilmann Kreutzmann) para encontrar a irmã perdida que dá nome ao curta-metragem. Enquanto caminha em busca de respostas do desaparecimento da garota, somos levados a uma viagem intimista por seus pensamentos e passos solitários. Conforme o desenrolar, menos parece provável encontrar Ivalu e a protagonista é a única entre os familiares a cultivar a esperança. 

Com uma fotografia azulada, Rasmus Heise cria frames angustiantes em que a busca parece permanentemente isolada na mente de Pipaluk. Misturando imagens do cenário glacial e as feições enigmáticas da personagem, o filme ganha um ar melancólico. Sem precisar de muitos diálogos, a narrativa tem sua força fixada no que se passa pela cabeça da menina e, principalmente, na construção de imagens. 

Ivalu, que concorre na categoria de Melhor Curta-Metragem Live Action no Oscar 2023, é sucinto, as conclusões não precisam de explicitação. Sob a direção de Anders Walter e Pipaluk K. Jørgensen, a história é um retrato nublado das dores silenciosas. Seja no corvo que voa despretensiosamente ou na mãe do mar, a produção desnuda as cores que mostram como o processo de desaparecer acontece muito antes da falta do corpo físico. – Jamily Rigonatto 


A foto mostra uma cena do curta em que várias das meninas do orfanato estão na janela. A janela é verde escuro, a parede é bege e as meninas estão usando roupas cinzas
“O destino opera de maneiras infinitas” (Foto: Disney+)

Le Pupille

“A pupila” ou “a criança” são os dois significados adotados para Le Pupille, do italiano. São, também, dois conceitos diretamente retratados no curta-metragem homônimo dirigido por Alice Rohrwacher. Ao narrar uma história de Natal um pouco diferente, Alice se dirige a um orfanato em guerra, localizado na Itália , e procura retratar, principalmente, a ingenuidade e doçura das garotinhas em meio ao caos e à escassez. E são elas que trazem a luz ao ambiente escuro e triste.

O curta italiano não conta com grandes momentos de clímax ou reviravoltas, apenas mostra a rotina vivida pelos moradores do pequeno orfanato nos dias que antecedem o feriado. Ao longo dos 40 minutos, são abordados assuntos mais profundos, como a criação baseada na crença católica, extremamente comum no país, e a rigidez em consequência do fanatismo religioso. Além disso, a diretora e co-escritora brinca com as ironias voltadas ao egoísmo e desperdício em tempos de escassez: uma senhora, a fim de ter suas preces ouvidas, doa um bolo feito com 70 ovos para as meninas, que, no final do curta live action indicado ao Oscar 2023, tem um destino completamente diferente. – Amábile Zioli


Cena do filme Night Ride. Na fotografia, há uma mulher branca, loira e com o cabelo preso. Ela está com uma expressão de surpresa, olhando diretamente para a câmera, boquiaberta. Ela usa um casaco verde militar e está dentro de um bondinho. Está de noite, há pouca luz na fotografia e os tons são frios.
Night Ride entrega o básico e nada mais (Foto: Premium Films)

Night Ride 

Em uma noite de inverno, Ebba (Sigrid Husjord) decide abrigar-se do frio da estação dentro de um bonde. A partir daí, uma viagem peculiar acontece. Nesse curta, o diretor Eirik Tveiten tem a desafiadora missão de contar uma história com momentos divertidos e tensos, incluindo episódios de transfobia e capacitismo, em apenas 15 minutos – e sem esquecer de um bom plot-twist, é claro. Não podemos dizer que ele fracassou, mas Night Ride entrega apenas o essencial, sem surpreender.

A protagonista, no entanto, chama atenção. Em um momento que parece ter originado de um lapso de coragem, acompanhar sua jornada dentro do veículo e observar o terror de qualquer pessoa que sofre da síndrome de impostor é interessante – mesmo sem ter nenhuma ideia de como proceder, Ebba segue no papel com uma confiança invejável. Além de Vegard Landsverk ter entregue uma fotografia bonita e natalina, o curta transmite uma mensagem essencial sobre ser a pessoa que se opõe à situações de injustiça e preconceito, mas que compara-se à uma crônica que se lê no jornal durante a manhã: ela te prende enquanto você toma café, mas até o fim do dia você já terá esquecido sobre o que era. – Clara Sganzerla


Cena do curta-metragem The Red Suitcase. Nela, há uma mulher branca, que veste uma burca preta da cabeça aos ombros e um casaco bege. Ela está com a mão esquerda no topo da cabeça, indicando que tirará a burca. Seus olhos estão lacrimejando e ela parece tensa. Ao fundo, paredes verdes de um banheiro.
Lembrando a simbologia de Ala Kachuu – Take and Run, indicado ao Oscar 2022, The Red Suitcase encontra sua singularidade nas críticas ao conservadorismo iraniano (Foto: Cynefilms)

The Red Suitcase

Em um aeroporto luxemburguês, qualquer relatividade de espaço se congela na introdução dos três elementos-combustíveis de The Red Suitcase: a protagonista Ariane, sua mala vermelha rodando as esteiras e o embalo implacável do tempo. Com apenas 16 anos, a garota recém-chegada do Irã transpira um medo familiar às mulheres consideradas “metade de um homem”, enquanto avalia o casamento arranjado que seu desembarque reserva. A partir daí, bastam poucas palavras trocadas ao celular com o pai, para que ela assuma o atrevimento de recriar os rumos primários do curta-metragem – afinal, admitir a liberdade mais precária é infinitamente melhor que sobreviver sufocada pelos véus do patriarcalismo. 

Atenta e sensitiva, Nawelle Evad lidera a primeira história de sua carreira, enfrentando costumes arcaicos, barreiras linguísticas e raízes culturais. Sob a direção e produção de Cyrus Neshvad, a tensão enlaça toda a estrutura narrativa e deixa o rosto da atriz desvendar o frenesi da fuga, assimilado, em grande parte, durante a passagem de secções do campo aéreo. O roteiro, dividido entre Neshvad e Guillaume Levil, eleva o poder interpretativo da protagonista justamente nessa escassez de diálogos, aproveitando uma ficção semelhante a relatos da própria imprensa mundial. The Red Suitcase, enfim, não caça os fantasmas do machismo, mas reforça quanta coragem ainda precisa guiar e sustentar a vida feminina. – Vitória Vulcano


Melhor Documentário em Curta-Metragem

Cena do documentário Como Cuidar de um Bebê Elefante. Nela, vemos Booman, um homem de meia idade hindu. Ele veste um moletom cinza, com o forro interno na cor laranja. Booman está abraçado na tromba de Raghu, um bebê elefante com uma marca de tinta vermelha tipicamente indiana na testa. Ao fundo, vemos algumas árvores
Um elefante comove muita gente (Foto: Netflix)

Como Cuidar de um Bebê Elefante (The Elephant Whisperers)

A Netflix vem transformando a parte documental do Oscar em um pequeno monopólio e esse ano não será diferente. Um de seus representantes na categoria de Melhor Documentário em Curta-Metragem, Como Cuidar de um Bebê Elefante, nasceu como favorito. Idealizado pela indiana Kartiki Gonsalves, o documentário conta a história do casal Bomman e Bellie, que vivem em Theppakadu, uma aldeia-santuário do sul da Índia, no momento em que eles precisam cuidar de Raghu, um bebê elefante órfão.

Não chega a ser inovador e muito menos revolucionário, mas The Elephant Whisperers se propõe a fazer o básico da melhor forma possível, e consegue. Por isso, o curta documental usa de sua força narrativa descomunal para criar uma história envolvente e extremamente tocante. Com pouquíssimos diálogos e uma fotografia excepcional, ele nos lembra programas do National Geographic e dessa forma, coloca o próprio ser humano como mais uma das espécies analisadas. A partir desse fio condutor, a obra trata de forma muito singela a relação do ser humano com a natureza e sobre como nós nos distanciamos da coexistência com ela. – Guilherme Veiga


Cena do documentário em curta-metragem Como Se Mede um Ano. Em close up está o cineasta Jay Rosenblatt segurando sua filha Ele no colo. Do lado esquerdo Elle é uma criança branca, de um ano de idade. Ela possui cabelos curtos e loiros, encaracolados. Suas mãos estão próximas ao seu rosto, e as palmas estão abertas. Ela olha para o pai que está do lado direito da cena. O pai, Rosenblatt, é um homem branco de cabelos castanhos e grisalhos. Ele olha para sua filha Elle. Ao fundo há uma parede branca com chapiscados.
“What do you like most in life?” “Friends and family. And Hannah Montana” (Foto: HBO Documentary Films)

Como se Mede um Ano? (How do You Measure a Year)

How do You Measure a Year, ou Como se Mede um Ano?, é o documentário em curta-metragem filmado por Jay Rosenblatt, cineasta já conhecido pela nomeação ao Oscar de sua outra produção, When We Were Bullies, em 2022. O filme acompanha os aniversários de Elle, a filha do documentarista, que durante 17 aniversários responde às mesmas perguntas que o pai faz, mas sempre de uma maneira diferente. Durante a meia hora, é possível reconhecer os medos, as inseguranças, as descobertas e as mudanças que acontecem ao decorrer do crescimento da garota. É interessante notar como a cada ano que passa, as prioridades e o senso de percepção das vivências vai se alterando.

O curta concorre ao Oscar de Melhor Documentário em Curta-Metragem em 2023, o que pode causar certo estranhamento. O que ao público interessa os vídeos caseiros de um pai sobre sua filha? Bem, talvez o mesmo senso intimista da relação pai e filha, que já é uma temática nas premiações de Cinema do ano, como em Aftersun, da diretora Charlotte Wells. Em How do You Measure a Year, o que se comunica é a visão do pai sobre o amadurecimento de sua filha. Ao final, o curta faz com que Elle e todos aqueles que a assistiram reflitam sobre em qual momento da vida as coisas deixam de ser simples e se tornam intrincadas, além de girar em torno de uma premissa maior, a respeito do que é felicidade para cada um, em cada momento da vida. – Costanza Guerriero


Cena do curta-metragem Haulout. Na imagem está o biólogo Maxim Chakilev. Ele aparece andando do lado de fora de uma caverna formada por grandes rochas cinzas. Ao fundo, o céu está tomado por neblina
Colocando o meio ambiente e os efeitos climáticos em pauta, Haulout evoca a beleza e a perda (Foto: Rise and Shine Films)

Haulout

Haulout é um documentário da The New Yorker que acompanha o cientista Maxim Chakilev nos meses que passa anualmente em uma cabana no Ártico siberiano. Em busca de análises sobre a movimentação das morsas, o biólogo marinho se instala e observa os animais durante o período de migração, enquanto registra as alterações e consequências causadas pelas mudanças climáticas na vida da espécie. Dirigido e roteirizado por Evgenia Arbugaeva e Maxim Arbugaev, o curta-metragem abraça o pedido de socorro de quem, cada vez mais, perde seu espaço no planeta. 

Por ser o único humano presente nas filmagens, as poucas falas presentes são as gravações de voz de Chakilev sobre a presença dos animais. Entretanto, o filme não pode ser traduzido como monótono, já que a força da natureza cumpre o papel de uma personagem cheia de diálogos próprios. Envoltos pelos sons das ondas quebrando, das revoadas de pássaros e do chiado das morsas, somos levados em uma viagem tão fonética quanto imagética. 

As cenas, também filmadas pelos diretores, são impressionantes. Nadando por um mar sem gelo, milhares de morsas descansam na terra. A aglomeração resulta em diversos animais mortos ou fragilizados e, quando chega a hora de partir, os corpos dos espécimes que não sobreviveram ficam na areia da praia. Concorrendo ao Oscar de Melhor Documentário em Curta-Metragem, Haulout conta com sensibilidade suficiente para transmitir uma melancolia monumental. Entre os filhotes órfãos e a luta pela sobrevivência, a fortuna dos culpados continua intacta. – Jamily Rigonatto


 Fotografia em preto e branco exibida no documentário O Efeito Martha Mitchell. Na imagem, Martha Mitchell aparece rodeada de jornalistas com seus microfones e fotógrafos com suas máquinas. Mitchell é uma mulher branca de cabelos e olhos claros. Ela aparece a partir do busto, vestindo casaco, luvas, cachecol e óculos de sol enquanto carrega alguns cadernos na mão. A sua volta, o cenário é composto por homens engravatados.
The Martha Mitchell Effect coloca em evidência uma mulher tão carismática e polêmica quanto a nossa Hebe (Foto: Netflix)

O Efeito Martha Mitchell (The Martha Mitchell Effect)

Vestindo cores vibrantes, atraindo os olhares para penteados que criaram tendências e carregando um senso de humor apurado, Martha Mitchell é a figura mais excêntrica do Oscar 2023. A ex-esposa de John N. Mitchell, procurador-geral do governo estadunidense de Richard Nixon, fez história à frente do escândalo Watergate graças ao seu posicionamento franco acerca do envolvimento do alto escalão do partido republicano. Ainda que falecida em 1976, ela é retratada com vividez pelas diretoras Anne Alvergue e Debra McClutchy no curta-documentário indicado à premiação, O Efeito Martha Mitchell.

O título do filme original Netflix, faz alusão ao termo criado pelo psicólogo Brendan Maher em 1988. Segundo o pesquisador, o efeito Martha Mitchell acontece quando um paciente é erroneamente diagnosticado como delirante ou paranóico por atestar situações tidas como improváveis, mas que realmente está dizendo a verdade. A definição se une perfeitamente com a montagem de Alvergue, responsável por transformar a fotografia do arranjo de flores com a frase “Martha Was Right” (em tradução literal: “Martha Estava Certa”), presente no funeral da personalidade, na cena que arranca as lágrimas do público. 

Ao espectador brasileiro, os traços icônicos da socialite conservadora se assemelham a uma loira nacional que, mesmo sem ter sido desacreditada ao longo de uma investigação jornalística, também foi a frente de seu tempo e protagonizou a década de 70, Hebe. Com a composição de imagens de um tempo em que as cores ainda não adentravam o audiovisual por completo, gravações de arquivos históricos e fitas de áudio tiradas direto do esquema de espionagem de Nixon, O Efeito Martha Mitchell caminha na direção de um registro biográfico que sabe pontuar os momentos cruciais de sua personagem. – Nathalia Tetzner


O curta-metragem, de forma delicada e chocante, mostra o caminho que Richard “Mac” McKinney andou até chegar ao islamismo (Foto: The New Yorker)

Stranger at the Gate

Stranger at the Gate mostra os conflitos internos do ex-oficial da Marinha dos Estados Unidos, Richard “Mac” McKinney. Como consequência do tempo em que serviu às Forças Armadas, Mac adquiriu o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), e, ao voltar para a Muncie, a cidade em que vivia, acaba se deparando com rostos que foi ensinado a odiar. O homem começa a planejar um atentado à mesquita local, sentindo que essa ação colocaria fim em seu sofrimento. Em seus trinta minutos, o curta documental é tocante e exibe diversos pontos sobre o momento em que o protagonista vivia, além de explicitar a islamofobia presente no país. 

Por causa de seu plano, o veterano de guerra decidiu ir até o Islamic Center of Muncie (Centro Islâmico de Muncie) para entender qual seria a dimensão de seu ataque; e quem já estava na mesquita, refletia o que ele estava fazendo ali. “Talvez ele esteja procurando por uma solução, e, se você pode ser a solução para ele, para seus estresses, por que não ser bondoso com ele?”, disse Saber Bahrami, co-fundador do centro. Essa foi a primeira surpresa para Mac: a forma em que foi recebido transbordava paz, bondade e compaixão. O ex-oficial continuou visitando o lugar, e, após oito semanas, percebeu que todo ódio, raiva, e planos haviam saído de seu coração. “Ele estava abraçando as pessoas que queria enforcar”, contou Dana McKinney no documentário.

Indicado ao Oscar de Melhor Documentário em Curta-Metragem, Stranger at the Gate é delicadamente forte. Construído por meio de depoimentos, as cenas, frases e comentários são chocantes, e conseguem mostrar os preconceitos sofridos por muçulmanos nos Estados Unidos. O curta traz diversas reflexões e pontos de vista, indo das vivências de um homem que viveu e foi influenciado por um ambiente islamofóbico por mais de vinte anos, até as de uma família de imigrantes refugiados, que conseguiu se estabilizar em um país novo; além de tratar assuntos como traumas e o perdão. – Laura Hirata Vale


Melhor Curta-Metragem de Animação

“Questione tudo, meu jovem, o mundo não é o que parece” (Foto: Lachlan Pendragon)

An Ostrich Told Me the World is Fake and I Think I Believe It

Se você procura por um stop-motion que combina Matrix, O Show de Truman, Don’’t Worry, Darling e comédia, An Ostrich Told Me the World is Fake and I Think I Believe It é a resposta. Em um formato metalinguístico que mescla a própria produção do curta com sua narrativa, o indicado ao Oscar de 2023 tem de especial seu humor: se um avestruz invadisse seu escritório e te dissesse que o mundo que você vive é mentira, você acreditaria? Nosso protagonista Neil não encontra outra opção além de assumir que sim.

A grande sacada do diretor Lachlan Pendragon é, apesar de não trazer nada de novo, ter referências clássicas bem executadas e uma fórmula que gostamos. Muito bem construído e inteligente, apreciamos das falhas do universo do protagonista, da maneira como fazemos parte do backstage, da quebra da quarta parede e, é claro, do avestruz. A peculiaridade de An Ostrich Told Me the World is Fake and I Think I Believe It o levou a ser homenageado em 2022 no Student Academy Awards e merece, com certeza, 11 minutos de sua atenção. – Clara Sganzerla


Em 2022, Ice Merchants venceu o prêmio de curta-metragem na Critic’s Week de Cannes (Foto: João Gonzalez)

Ice Merchants

Em uma casa no topo de uma montanha de neve, um garotinho se empurra para frente e para trás em um balanço, que pende sob as alturas. Ele, junto ao pai, vivem no topo e diariamente descem a altitude de paraquedas para venderem gelo aos moradores da cidade abaixo deles. Nessa rotina repetitiva e metódica, um dos curtas-metragens mais visualmente encantadores da categoria de Melhor Curta-Metragem de Animação mostra o impacto da ausência, mas conquista pelo poder do amor.

Dirigido e roteirizado pelo português João Gonzalez, Ice Merchants não carece de palavras para impactar. O dia a dia de pai e filho é notada por uma caneca amarela sem dono, mas o que prevalece e encanta é a relação de companheirismo e carinho entre os dois personagens, representadas através de uma animação cativante em tons pastéis. Como Gonzalez acredita, o curta é “um drama familiar sobre perda e conexão”, mais sensorial e físico do que palavras conseguem retratar. Sensivelmente, sem vozes, Ice Merchants fala alto. – Vitória Gomez


Cena do filme My Year of Dicks. Na imagem está Sarah, um homem e uma mulher. Sarah é uma jovem branca loira de olhos azuis. Ao seu lado esquerdo está um homem azul que representa a versão idealizada do garoto que gosta. Ao lado direito está uma mulher vermelha que representa o desejo
Apesar do nome controverso, My Year of Dicks é uma história fofa e engraçada sobre a imaginação e experimentação adolescente (Foto: Animation Showcase)

My Year of Dicks 

Inspirado no livro de Pamela Ribbon, Notes to Boys: And Other Things I Shouldn’t Share in Public, My Year of Dicks se debruça sobre as memórias da diretora Sara Gunnarsdóttir em um momento confuso da adolescência: a perda da virgindade. Contando um pouco de como foi a busca pelo garoto escolhido e as reviravoltas até o esperado momento, a animação se divide em 5 partes cheia de momentos constrangedores e cômicos. 

Com 15 anos, as expectativas da personagem sempre são mais altas do que o alcançável e a mistura do que a consciência dela diz e o que acontece na vida real proporciona momentos engraçados e um drama juvenil capaz de fazer qualquer pessoa lembrar de uma de suas fanfics veranis pessoais. O curta, que concorre na categoria de Melhor Curta-Metragem de Animação no Oscar 2023, se inclina à comédia, mas também conta com reflexões e temas muito relevantes, como o consentimento, a vergonha e o abismo proporcionado quando as coisas acontecem sem naturalidade.  

Para além de um roteiro muito cativante, o formato da animação é um momento à parte. Produzida por 15 animadores, incluindo Gunnarsdóttir, as ilustrações trazem formatos diversos em concordância com cada um dos devaneios da protagonista. De um vampiro melodramático a um parque de diversões kawaii, as imagens tomam formas plurais e muito divertidas. Não dá para saber se todo mundo já teve um ano como o de Sarah, mas a conclusão com certeza é a mesma: o planejamento sempre perde para o acaso. – Jamily Rigonatto 


Cena do curta-metragem The Boy, the Mole, the Fox and the Horse. O cavalo, grande e branco, inclina sua cabeça para o menino, uma criança loira que veste um casaco marrom e uma calça azul, e ambos estão de lado, direcionados para a direita. O menino carrega uma pequena toupeira marrom na altura de seus olhos e ela veste um casaco azul. A raposa laranja está sentada de costas para a imagem, aos pés do menino. Os personagens estão em uma paisagem nevada e é noite.
O curta-metragem mostra que, em boa companhia, não é necessário ir tão longe para encontrar um lar (Foto: Peter Baynton)

The Boy, the Mole, the Fox and the Horse

O que você quer ser quando crescer?”, pergunta a toupeira ao menino pouco tempo depois de se conhecerem. “Gentil”, ele responde. E é na gentileza, na amizade, na coragem e na esperança que The Boy, the Mole, the Fox and the Horse se baseia. Na amizade improvável entre os quatro personagens do título, a adaptação da obra homônima do britânico Charlie Mackesy não se mostra apenas como uma história que estimula a reflexão e a discussão sobre a vulnerabilidade, mas também como uma verdadeira obra de arte.

Com traços que parecem incompletos e com um texto direto e sem floreios, é plausível afirmar que a beleza da animação, indicada como Melhor Curta-Metragem de Animação no Oscar 2023,  é etérea. Ao aliar simplicidade e funcionalidade, a direção de  Peter Baynton e do próprio autor é um ótimo exemplo de que não se precisa muito para fazer algo extraordinário. Ademais, a trilha sonora composta por Isobel Waller-Bridge é de uma delicadeza ímpar, e a sua sincronização não intrusiva é uma deslumbrante forma de fazer uso da música em produções cinematográficas. – Raquel Freire


A imagem é um frame do curta, ambientado em um porto de navios. Ao fundo, está a paisagem, com docas de madeira em primeiro plano e uma grande fábrica em segundo plano, cheia de janelas, lançando uma fumaça por uma chaminé. O céu da cena é bem azul, limpo, com poucas nuvens brancas. O marinheiro, personagem principal, aparece em enfoque na cena, que é um close em seu rosto. Ele usa um chapéu e um uniforme azul marinho, com uma camisa branca por baixo da farda do uniforme. Ele é um homem, branco, com poucos fios de cabelo na cabeça, que observa algo a sua frente com uma expressão de dúvida, enquanto segura um cigarro entre os dedos de sua mão.
Em um estudo de possibilidades, The Flying Sailor demonstra uma centelha de beleza e reflexão em um dos maiores desastres já registrados na história (Foto: National Film Board of Canada)

The Flying Sailor

Em uma manhã idêntica a todas as outras, um marinheiro caminha em um porto. Enquanto acende seu cigarro, ele observa a aproximação de dois grandes navios que acabam por colidir, gerando uma grande explosão, levando os carregamentos, o porto e o marujo observador aos ares. Esse é o princípio de The Flying Sailor, projeto roteirizado e dirigido por Amanda Forbis e Wendy Tilby, que concorre na categoria de Melhor Curta-Metragem de Animação no Oscar. Mesmo não sendo o favorito na corrida pela estatueta, o marinheiro voador constituiu uma experiência visual valiosa, mostrando um lado novo em uma história já conhecida. 

Baseado em uma história real, a nova criação da dupla de diretoras usa do fato como um pontapé inicial e mergulha em uma viagem surrealista, mostrando ao espectador a vida de um homem que, ao ser arremessado pela explosão, sobrevoou os céus. O estado de quase morte, no qual a percepção de passado, presente e futuro se mesclam, é visualmente estonteante – não necessita de uma única palavra ou descrição. A passagem da fase de ascensão para a queda, ditadas pelas composições de Luigi Allemano, prendem o olhar que segue ansioso os cortes, só descansando ao ver o resultado final. Os quase oito minutos de The Flying Sailor passam rápido, em uma viagem de cores e sons, que abre alas à imaginação. – Aryadne Xavier 

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