Sua Alegria Foi Cancelada, o álbum mais triste do mundo

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(Foto: Reprodução)

Rafael Cozaro

No dia cinco de julho deste ano, Sua Alegria Foi Cancelada, oitavo álbum de estúdio da Fresno, completa um ano desde o seu lançamento. O mais denso e maduro álbum da banda pode ser um susto para o ouvinte desavisado, que não acompanha os trabalhos lançados pelo grupo na última década. 

Diferente das primeiras obras, que traziam como temática recorrente na grande maioria de suas músicas o amor e suas desilusões, o novo álbum trata das mais diversas melancolias da alma, e deixa o amor em segundo plano. 

Quando começou, a Fresno trazia consigo todos os esteriótipos que o emo brasileiro carregava no final dos anos 2000 no Brasil. Tinha como protagonistas — tanto no palco, quanto nas composições — a dupla Lucas Silveira e Rodrigo Tavares, o Lennon e McCartney do emo nacional. As músicas pareciam seguir uma certa fórmula: eram duas vozes que conversavam e muitas vezes até discutiam entre si e letras que pareciam uma mistura de Engenheiros do Hawaii com The Ataris. E assim nascia o sucesso. 

Porém, a banda que havia ajudado a consolidar o emo no Brasil começou a ver a crista dessa onda baixar e acabou perdendo mais do que relevância e visibilidade na mídia. Em 2012, Rodrigo Tavares deixou a banda, buscando focar mais em projetos pessoais. Tavares já tinha seu projeto solo enquanto membro da banda, mas foi apenas com sua saída que assumiu de vez a identidade de Esteban Tavares, lançando seu primeiro álbum em 2013. 

Reencontro de Rodrigo Tavares com a Fresno, em 2014 (Foto: Reprodução)

A Fresno então precisou se reinventar. E assim a banda renasceu, dando início a um ciclo que começou nesse mesmo ano com o lançamento de Infinito e terminou apenas no ano passado, com o lançamento do último álbum. Com a saída do baixista, a Fresno entrou em uma fase em que o hardcore se tornava um elemento cada vez mais secundário nas canções e novas musicalidades começaram a ser exploradas. 

Os álbuns que vieram depois disso eram sempre acompanhados de arranjos de cordas, violinos e violas, orquestrados por Lucas Lima (sim, o marido da Sandy). O eu lírico olhava cada vez menos para seu umbigo e se voltava cada vez mais para o que fugia de seu alcance. E com uma mão a menos para as composições, a linha temática das músicas convergia cada vez mais com a linha de temas de interesse do vocalista, Lucas Silveira. 

Foi só em 2016, com A Sinfonia de Tudo Que Há, que a banda concluiu o que viria a ser descrito pelo próprio Lucas como “uma busca por ressignificação”, deixando de lado os elementos operísticos, pelo menos por hora, e dando início a um novo capítulo. 

Através da grande influência das ideias de seu vocalista, a banda deixou de ser um grupo que escrevia jingles de rádios e baladas românticas e se tornou a banda de rock de maior importância do Brasil atual, tendo seu posto consolidado com o seu trabalho mais importante (até agora): Sua Alegria Foi Cancelada

– O que é que eu vou fazer com essa tal tristeza? 

Nasceu então um novo álbum, de uma nova banda. Sua Alegria Foi Cancelada chega para cutucar feridas. A Fresno parece ter concluído sua busca por um espaço no mundo, e, tendo o achado, agora diz ao mundo o que pensa. Os mais de 20 anos de carreira dos que são considerados os últimos emos brasileiros da música fizeram com que a sensibilidade e entrosamento da banda pudessem alcançar um novo patamar dentro do movimento. A Fresno se tornou música para o “roqueiro de verdade”, que criticava as longas franjas e calças apertadas. 

Turnê de divulgação do álbum (Foto: Reprodução)

E de fato a alegria é cancelada. O principal tema do disco é a busca por esperança em tempos em que isso parece ser cada vez mais difícil. Como todo herói tem um vilão, a voz que canta no álbum parece ter como oponente a insegurança. É a ideia da constante exposição ao medo. Medo de ser incapaz, medo de cair, medo de falhar, medo de ser não ser real. A voz parece precisar de ajuda no começo, mas não a busca, como se ela não fosse uma opção. 

No single “Natureza Caos”, lançado antes do álbum, o refrão grita “Não se atreva a duvidar de nós”, e essa é a mensagem que ressoa por quase todos os 38 minutos do disco. Depois de que ensinar a lidar com a tristeza, a Fresno convoca os tristes a lutar contra a ela, com um grito de guerra que diz “We’ll Fight Together”

A confusão também se faz presente por todo o álbum. Tanto na sonoridade que por muitas vezes faz o uso de ruídos em meio as músicas, quanto nas letras, como é o caso em “De Verdade”, onde se canta “São sete da manhã / tão difícil de viver com a mente sã / e quando dou por mim / dormi no sofá / um filme que eu não consigo terminar”. 

Nesse momento do álbum temos uma retomada de um tema que a banda sempre trouxe, o eu. “De Verdade” marca o encerramento do que era até agora uma claustrofobia do eu lírico e começa um momento de autorreflexão. É o fica claro em “Eu cansei de tentar ser perfeito”. Quase que ironizando o ditado que diz que “tudo que sobe, desce”, nesse ponto quem chegou no mais escuro fundo do poço se levanta e começa sua escalada, finalmente entendendo o que fazer com toda a dor que carregou até aqui. 

Se fosse um filme, teríamos aqui o fim do segundo ato. Sem muito destaque, uma das músicas mais contidas do álbum traz o clímax. Não há mais como evitar, e aqui temos o confronto final. E esse confronto deixa marcas. Em um momento te completa introspecção, com plena consciência de todos os seus defeitos, ao fim da canção temos uma conclusão: “Eu sou de verdade”. 

E, por fim, esperança. Por sorte a última a morrer também se faz presente no álbum. Depois de expor suas aflições, a banda volta a falar daquilo que falava no começo de tudo, o amor. E é no amor que se encontra a esperança. Quase que como um Interstellar musical, o amor é quem vem para colocar uma luz no fim do túnel. 

Em “Cada Acidente”, de longe a música mais alegre entre as 10 que compõem o disco, a banda parece abrir as portas para esse sentimento que até o momento não havia dado as caras. A faixa é seguida por “Quando Eu Caí”, que faz uma própria versão da máxima de Alexander Supertramp, afirmando que a alegria só existe quando é compartilhada. É “Quando a Gira Girou”, de Zeca Pagodinho, com uma roupagem emo. 

– “Eu não tenho mais medo, eu me fiz canção.” 

Ironicamente, há um ano a Fresno aparecia para anunciar o caos, e, mais uma vez, a banda estava certa. Sua Alegria Foi Cancelada preparava aqueles que o ouviam para o pior, para a solidão e para o sentimento de desesperança. São tempos como de hoje em que uma obra assim mostra todas as suas camadas de sensibilidade. São esses tempos sombrios que fazem da Fresno uma das bandas mais importantes do rock nacional atual, que agrega novos fãs, as segue agradando os antigos, como o Lidio

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