Slowdive no Balaclava Fest: das demoras que valem a pena

Jovens tímidos da década de 90: Scott, Nick, Rachel, Chris e Neil
Jovens tímidos da década de 90: Scott, Nick, Rachel, Chris e Neil

Nilo Vieira

Após a estreia com Just For a Day (1991), o Slowdive levou dois anos para colocar a obra-prima Souvlaki (1993) na praça. Para os parâmetros atuais não parece muito tempo, mas muita coisa aconteceu nesse meio tempo: o relacionamento entre os vocalistas Neil Halstead e Rachel Goswell acabou, os parceiros de gravadora My Bloody Valentine quase levaram a Creation Records à falência com Loveless (1991) e a imprensa já esnobava o shoegaze – enquanto o grunge atingia seu ápice na América do Norte, o britpop começava a ganhar força na terra da rainha. Os resultados vieram catastróficos, com avaliações agressivas (“Slowdive? More like slow death!”, “Eu odeio o Slowdive mais que Hitler” e afins) e shows praticamente vazios.

A banda ainda lançou mais um disco naquela década, Pygmalion (1995), que levou a ideia de demora para a sonoridade do grupo de maneira quase extrema. As camadas de guitarras deram lugar a um minimalismo ambiental, com uma música de 10 minutos logo na abertura, “Rutti”. Novamente sem sucesso, o fim não tardou; o recomeço só veio em 2014, com uma turnê bastante elogiada. Com ideias do conjunto ecoando em praticamente toda banda rotulada como dream pop e/ou shoegaze posterior, crítica e fãs então reavaliaram a discografia (e importância) do Slowdive. A Pitchfork lançou um belo mini-documentário sobre Souvlaki, agora um clássico indiscutível, em 2015. No mesmo ano, a compilação Blue Day (1992) enfim foi relançada oficialmente, em uma disputada edição para o Record Store Day.

Conversas sobre um novo disco de inéditas aconteciam desde o momento em que a reunião fora oficializada, mas o produto mesmo só se materializou por completo neste mês de maio – o aguardado quarto LP, homônimo, saiu pela gravadora Dead Oceans no último dia 5. Dois meses antes, outro anúncio enfim derrubou outra delonga: era o cast do Balaclava Fest, confirmando que o público brasileiro enfim poderia vê-los ao vivo. Os ingressos já estavam escassos antes mesmo do line-up completo ser revelado, semanas depois.

Outras três bandas se apresentaram no último domingo (15) no Cine Joia da capital paulista. Tivemos o dream pop do Widowspeak, o indie slacker à la Pavement do Clearance e o post-rock do E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante, executado com energia notável. Shows simpáticos, sonoridades comuns. Ainda que a plateia tenha sido bem receptiva, não tinha jeito. O negócio do dia era mesmo ver Neil Halstead, Rachel Goswell, Christian Savill, Nick Chaplin e Simon Scott. Slowdive.

24 anos depois: ao vivo no Cine Joia (Foto: Balaclava/Divulgação)
24 anos depois: ao vivo no Cine Joia (Foto: Balaclava/Divulgação)

Talvez o local, com sua famigerada acústica inconstante e um palco bizarro (uma ode contra a meritocracia: quem chegar antes e pegar lugar na frente é abençoado com uma visão terrível do local, além de uma dor de pescoço do cão), não fosse o mais ideal para tal show. De início, os vocais de Rachel Goswell soavam baixos e um tanto embolados na equalização, o que pareceu irritar até a própria. Mas nem isso foi capaz de atrapalhar a experiência. Distante dos olhares para o sapato e a timidez típicos da cena shoegaze noventista, os cinco integrantes se mostravam animados por estarem ali. Goswell foi um espetáculo à parte neste aspecto: chegou falando “obrigada!” em pleno português, dançava com leveza singular e sorria, o tempo todo, para seus companheiros e fãs.

Sua execução vocal, assim como a de Halstead, foi irretocável, sem dever nada às performances em estúdio. As guitarras, espinha dorsal do Slowdive desde sempre, soavam gigantes e engrandeceram, em especial, as canções de Just For A Day – as melodias, que antes emanavam algo próximo a uma aura fantasmagórica frágil em um quarto abandonado, agora tomavam corpo e se impunham por todo o espaço. Já bateria e baixo forneceram maior groove para as músicas novas, bem melhor definidas que no disco. Os hits de Souvlaki? Cantados em uníssono, com sua potência emocional multiplicada. O momento mais bonito foi com a singela “Dagger” que, em questão de segundos, passou de uma canção tocada de maneira quieta por Neil Halstead a um hino melancólico, compartilhado por todos presentes.

Todos os membros tiveram espaço para brilhar sozinhos, mas a impressão que realmente marcou foi a do conjunto: ninguém ali parece ter envelhecido vinte anos, assim como sua arte. No fim, a banda tem demora até no próprio nome, mas o show de ontem fez jus mesmo à música homônima:

I hear your voice
But it can’t bring me back
I’m dreaming of all the things
I ever thought I had
I’m pushing down
I’m diving deep
Yeah slowdive to my dream
I’m feeling good, yeah
I’m feeling free

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