Vitor Evangelista
A terceira temporada de O Método Kominsky, sucesso moderado da Netflix, recebeu a função de finalizar sua curta rodagem pela TV, além de lidar com a saída prematura de um dos protagonistas do elenco. Quando foi noticiado que o boa praça Alan Arkin não retornaria para o papel do pungente Norman, o seriado criado por Chuck Lorre pareceu ter recebido um golpe inesperado. Sem rodeios, é esclarecido que o vovô morreu e que seu melhor amigo, o cafajeste Sandy Kominsky, vai precisar lidar com o luto cru.
Longe de ser uma produção pretensiosa, The Kominsky Method sempre se prostrou como uma série extremamente falocêntrica. São os homens os protagonistas, os criadores, os produtores, as estrelas. Colocando a lupa em problemas da velhice a partir da visão cômica do homem-máquina das comédias de situação, as duas primeiras temporadas do show, com oito episódios cada, configuraram-se como um bate-volta dos atores principais, dando e recebendo insultos carinhosos.
Vencedora de dois grandes prêmios do Globo de Ouro em 2019, faltava um tempero que transformasse esse método em algo particular e singular. As curtas maratonas ao redor do lançamento eram sucintas o bastante para que, depois da exibição em um primeiro fim de semana, o espectador já esquecesse de sua existência até o ano seguinte. O que pode parecer estranho para quem vê listas de indicados das relevantes premiações da TV, e, entre grandes nomes (The Marvelous Mrs. Maisel, black-ish, Pen15 e Hacks), esteja também presente O Método Kominsky.
A explicação mais plausível é o mel de Chuck Lorre, um exímio trabalhador da rede americana, que tem passado décadas e mais décadas abastecendo a programação semanal de canais como a CBS com minas de ouro. Two and a Half Men rendeu um falatório por doze anos, assim como The Big Bang Theory (essa segunda ainda catapultou Jim Parsons, indicado ao Emmy 2020 por Hollywood, e Kaley Cuoco, presente na lista de Atriz em Comédia de 2021). Além desses dois fenômenos, Lorre tem em seu currículo: B Positive, Young Sheldon, Mom e Mike & Molly.
Fato é que a terceira temporada de O Método Kominsky, mais modesta e quieta que suas antecessoras, garantiu seis nomeações ao Emmy 2021. Em adição às menções em Casting e Mixagem de Som, os 6 episódios apareceram na lista principal de Melhor Série de Comédia. Sem qualquer chance de vitória, a lembrança se assemelha a um gesto de despedida. Sentimento que circula no final da série, cavando em temas de perdas, solidão e do que está por vir daqui para a frente.
A morte de Norman (Arkin) é a abertura do novo ano, e seu funeral se transforma, como o esperado, em um espelho doloroso para Sandy (Douglas) olhar para além das piadas autodepreciativas. Cabe a sua filha Mandy (a injustiçada Sarah Baker) e o namorido Martin (Paul Reiser) ficarem de olho no idoso. Michael Douglas está ainda mais à vontade no papel, já que ele interpreta uma pequena autoparódia, e essas derradeiras horas finais do show não representam desafio algum ao Homem-Formiga original da Marvel.
O intérprete submeteu The round toes, of the high shoes, o quarto episódio da temporada, como sua “fita” na categoria de Melhor Ator em Comédia. Nessa meia hora, Sandy lida com a chegada de Morgan Freeman na cena, que aparece para palestrar em sua turma do curso de atuação. No capítulo em questão, os dois veteranos tem uma troca calorosa e dinâmica, dominada com maestria pelas nuances de voz e gesticulação, fazendo valer a aparição de Freeman na lista de Melhor Ator Convidado em Comédia, interpretando uma versão menos séria de si mesmo.
A última das indicações grandes de O Método Kominsky repousa na figura do Melhor Ator Coadjuvante Paul Reiser e seu flatulento, mas fofinho, Martin, o também senhor de idade e futuro marido da filha de Sandy. O ano dois já se encarregou da intriga entre os velhos e a eterna “medição de pica” que no fim não deu em nada. Dessa vez, a direção, que passa pelas mãos do próprio Lorre, de Andy Tennant e de Beth McCarthy-Miller, se mostra mais preocupada em dar a sensação de conclusão para os diversos problemas de Sandy, e Martin passa de pedra no sapato para uma agradável companhia de cena.
Sua escolha de enviar You only give me your funny paper, episódio 2 da temporada, para os votantes da Academia, demonstra com primazia a vibração menos caótica do personagem, um dos únicos da série que se desprendem do olho do furacão e da porrada de diagnósticos médicos e bebidas de bar que povoam o roteiro. É óbvio que competir com Ted Lasso apequena ainda mais O Método Kominsky, mas, mais uma vez, só a lembrança bota um sorriso no rosto dos fãs que acompanharam essa festa da salsicha desde 2018.
Kathleen Turner retorna para o papel de Roz, mãe de Mindy e ex-esposa de Sandy, para além da pontinha que desempenhou na segunda temporada. Sarcástica, rápida no gatilho e a melhor parte do ano três, é uma lástima que seu nome não tenha sido chamado na hora de indicar as Melhores Atrizes Coadjuvantes de 2021. A pouca vergonha da inserção de intérpretes do Saturday Night Live, um show de esquetes, ao lado de atrizes de séries roteirizadas e contínuas, faz mais uma vítima. Bem, isso e o fato da campanha de O Método Kominsky, assim como sua narrativa ficcional, se voltar especialmente para os homens do elenco.
The Kominsky Method não economiza nas lágrimas e nas tragédias em seu terceiro e último ano. Chuck Lorre dá vazão ao talento dos homens velhos que decide privilegiar, mas o faz com uma afeição que reflete seu amor pelo meio televisivo. O capítulo final, The Fundamental Things Apply, ensaia trinta minutos de sonhos concretizados, de ficções abestalhadas e de um reconhecimento que muito provavelmente não se concretizará em 19 de setembro, mas só de ser assistido em tela, já justifica o papel fantasioso da Arte.