Mirai e o amadurecimento infantil animado

(Foto: Reprodução)

Egberto Santana Nunes

É fato conhecido que o Oscar não liga para animações. A categoria mais previsível entregou a estatueta apenas para grandes estúdios americanos, desde sua criação, com raras exceções. E depois de dois anos sem o Ghibli, o Tio Sam olha para o outro lado e  indica o Japão, representando o belíssimo Mirai (Mirai of the Future, sem lançamento no Brasil ainda), do diretor Mamoro Hosuda, cujo currículo contém projetos muito bem recebidas tanto pelo grande público quanto pelo especializado, como Summer Wars, Wolf Children e The Girl Who Leapt Trough the Time. Porém, nunca tinha sido indicado pela academia.

Deixemos o problema do indústria com animações no molho, e tratemos um pouco do anime em questão. A trama se passa pelos olhos de uma criança de 4 anos, o pequeno Oota Kun, que reluta em aceitar a chegada da sua recém nascida irmã, Mirai (cujo significado em japonês é futuro). Com a sensação de ter tido o amor dos pais roubado, ele embarca numa viagem fantasiosa em seu jardim mágico, acompanhado de familiares de diferentes épocas da vida.

Apesar de ser um campo já explorado pelos animes, desde a questão da viagem no tempo até a imaginação das crianças – o próprio The Girl Who Leap Trough the Time do diretor e Meu Vizinho Totoro – Mirai tem um ponto autobiográfico. Hosuda pensou na visão que seu garoto de três anos poderia ter tido quando deu um olhar misterioso à sua irmã quando lhe foi apresentada. “Eu imaginei como ele ia aceitar o papel de irmão mais velho”, disse em entrevista ao site Indiewire.

E essa é a jornada de Kun pelo filme. Uma jornada de amadurecimento, um coming of age para os bebês. O fato de não sabermos nem os nomes dos parentes do garoto, apenas reconhecendo-os como pais e avós do menino, a recepção e identificação fica ainda mais genuína. Para uma família, a experiência é garantida pela vivência, para os adolescentes, a memória e a nostalgia traz o brilho no olhar com diversas situações certamente já passadas por muitos quando pequenos.

A família tradicional animada. (Foto: Reprodução)

Não só temos Kun crescendo internamente, como seu pai também encara desafios com o nascimento da filha. Com a esposa viajando a trabalho, ele tem que dividir o tempo de arquiteto com o cuidado da filha. Desajeitado e exibido no começo, ele acaba aprendendo de um jeito ou de outro, fazendo até com que o mimado Kun grite pelo seu nome ao invés da mãe.

Por conta da carga emocional de lidar com o companheiro atrapalhado e o filho clamando por atenção, a mãe entra em constante conflito e sempre acaba gritando com os dois (algo que ela detesta e a viagem nos mostra o porquê). As ações de Kun afetam o casal e os momentos de tela de cada um com o garoto são os mais emocionantes.

Antes de Kun chegar, era Yukko, o cachorrinho da família que recebia toda a atenção. (Foto: Reprodução)

Explorar a ideia de amadurecimento infantil pela via racional com certeza não ia empolgar nenhum estúdio nem garantir uma animação longa, então nada melhor que colocar um pouco de imaginação e fantasia na história. E como aqui não é nenhuma fanfic, a criança de 4 anos da história aprende sobre o cuidado com a família do seu jeito, não importa se tudo ali é imaginação ou um pedaço de um mudo que realmente existia. E é no crescimento de um protagonista ao seu próprio modo que se encontra a magia.

Hosuda trabalha diferentes modos de direção, desde cortes básicos entre os personagens até a famosa câmera de perspectiva que nos coloca no olhar do protagonista. A mudança de tempos é feita de modo criativo e inteligente, sempre conectando algo do quadro presente que conversa com o futuro ou passado. Em um arco específico, ele abusa do CGI mudando até mesmo os traços comuns do longa, em uma cena que é um pesadelo literal para qualquer criança: se perder dos pais em um grande ambiente.

Cada frame é detalhado e estudado, dando personalidade ao personagem, à casa, ao jardim. No caso do pai, um arquiteto, a câmera mostra diversos livros da área enquanto no seu notebook é possível ver um esquema de uma casa sendo estudada. O garoto vive com seus brinquedos, diversos pequenos trens, sempre bagunçados; e como o roteiro mostra no decorrer da trama, tudo aqui é uma escolha de texto, seja para os pequenos arcos ou desenvolvimento de personagem, tudo que é apresentado é dado como uma dica para mais para frente se completar.

Um quadro perfeito. (Foto: Reprodução)

E não tem como deixar de fora a personagem-título dessa obra. Mirai do futuro, como nosso protagonista prefere chamar sua irmã crescida, é a principal companheira nessa viagem fantásticas pela linhagem de Kun. A dinâmica entre os dois é perfeita, e é nessa hora – e nos gritos – que o trabalho de voz chama mais atenção. As relações e brincadeiras são próprias de uma criança de 4 anos e uma adolescente (a idade de Mirai não é especificada), dando ar de verossimilhança e coesão ao mundo, sem contar que conseguem arrancar diversos sorrisos e choros bobos da gente.

Apesar de todas as qualidades, Mirai no Mirai não vai levar o Oscar para casa. Animes são os grandes esnobados pela Academia desde a criação da categoria de animação longa, com apenas um vencedor, A Viagem de Chihiro, em 2001, que foi distribuído pela Disney nos Estados Unidos; estúdio esse que se consagra junto com a Pixar  como as grandes vencedoras quando o tema é animação. Isso se dá muito em conta por causa dos votantes. Eles quase nunca assistem os indicados e votam de acordo com o quê o seu filho mais foi ver no cinema naquele ano.

Dessa forma, animações estrangeiras ou com apelo mais adulto nunca ganham os holofotes dos votantes, por mais que o público especializado preste atenção nelas. O Annie Awards, conhecido como Oscar da Animação, entregou o prêmio de Melhor Animação Independente para Mirai – produzido pelo Studio Chizu, cujo dono é o próprio Hosuda.

Comparando com os indicados desse ano, o mais apostado é Homem Aranha no Aranhaverso, e com todos os seus méritos, é claro. Os Incríveis 2 e WiFi Ralph: Quebrando a internet são continuações (se não vi a primeira porque verei a segunda?)  e Ilha do Cachorros mistura uma crítica política com stop-motion e cachorros, formidável, porém nada atraente para os votantes. E se já demorou bastante para Oscar deixar de ser tão branco, ainda vai ter muito chão para deixar de ser tão ocidental nas animações.

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