Como todo 2021 até agora, Maio foi um mês difícil. Dentro de casa, é impossível medir o tamanho da perda que foi o falecimento do brilhante Paulo Gustavo e das tantas vítimas da pandemia, ainda descontrolada no país. Partiu também a atriz Eva Wilma, face marcante da arte nacional, em decorrência de um câncer de ovário. Outra presença marcante e histórica do mês foi o centenário de Ruth de Souza, a primeira brasileira indicada a um prêmio internacional de cinema (Melhor Atriz em Veneza, por Sinhá Moça) e primeira atriz negra a atuar no Theatro Municipal.
Revelando o caráter frágil da manutenção da Arte no Brasil, a Suíça nos incluiu em um fundo para cineastas de países com democracia ameaçada, lado a lado com Sudão, Ucrânia, Irã, Iraque, Síria e Turquia. Enquanto o Governo tenta liquidar qualquer opinião que não concorde com a sua, o Cineclube Persona de Maio de 2021 segue na cruzada de defender a Arte e suas diversas manifestações. No texto abaixo, a Editoria e seus Colaboradores mergulharam no Cinema e na TV deste que é o último mês de elegibilidade para o Emmy, marcado para acontecer no meio de setembro.
Com fome do prêmio máximo das telinhas, a Netflix apostou em algumas frontes distintas. Halston retomou a parceria do streaming com Ryan Murphy, de praxe dando a Ewan McGregor o flamboyant necessário para elevar o drama histórico que entrelaça fama e Moda. Special finalizou sua sorridente trama, O Método Kominsky fechou as portas sem sua dupla dinâmica completa e Master of None deu um cavalo-de-pau e entregou uma trama diferente e ainda mais madura, com direito a subtítulo chique (Moments in Love) e um foco principal na personagem de Lena Waithe.
No Amazon Prime Video, Barry Jenkins se dedicou à The Underground Railroad, uma minissérie exorbitante, polida e bem cuidada, encabeçada por uma novata de ouro e um elenco de apoio que sustenta a trama violenta e poética. A HBO apostou em Mare of Easttown, seu programa semanal de domingo, que finalizou sua rodagem no fim do mês. Tem Kate Winslet, Jean Smart e a receita para ficar na boca do povo por um bom tempo. O suprassumo da TV ainda investiu em Oslo, telefilme com o charmoso Andrew Scott, também de olho no Emmy.
A parte 2 da temporada cinco de Lucifer finalmente foi disponibilizada, reafirmando o poder da Netflix em explodir em audiência suas franquias mais famosas. O gênero do true crime encontrou novidades em Os Filhos de Sam: Loucura e Conspiração e The Circle US ganhou uma nova leva de capítulos Castlevania continua impressionando no quarto ciclo, e o Volume 2 de Love, Death + Robots foi menor que o esperado, mas sem perder a acidez característica da antologia.
Na TV aberta dos Estados Unidos, This Is Us chutou a porta com o gancho que encerrou a quinta temporada, fazendo com que a audiência não pare de pensar em quem vai casar até 2022, data marcada para o retorno do sexto e último ano das crônicas da Família Pearson. Zoey e Sua Fantástica Playlist continua crescendo em audiência e falatório, carregada pelo talento de Jane Levy. O elenco de Friends se reuniu por quase duas horas, chorou o que tinha para chorar e deu adeus, ao lado dos mais diversos convidados, indo de Justin Bieber à BTS (vai entender).
Na parte de filmes, o Amazon Prime Video montou seu time de Vingadores do Rock em What Drives Us e reuniu Manu Gavassi e seus amigos em um drama nacional que transforma a quarentena em personagem principal. Dua Lipa levou a Nostalgia do Futuro para o Globoplay, Gia Coppola platinou o cabelo de Andrew Garfield e Michelle Pfeiffer jurou por Deus que o marido morto reencarnou em seu gato.
O sucesso do mês foi a Cruella de Emma Stone, espevitada e elétrica, um show de qualidades e de looks icônicos. A Netflix acertou com o dramático Monstro, e errou feio com o Frankenstein A Mulher na Janela (Amy Adams, pisque duas vezes se você não estiver bem, por favor). Na correria de Maio, sobrou tempo para Zack Snyder brincar com zumbis e Angelina Jolie fugir de fogo.
No Brasil, teve produção excelente (Onde Está Meu Coração) e teve o fim do infinito Big Brother Brasil 21. O Persona dá um geral em tudo que teve de mais impactante nos últimos trinta e um dias, revelando os destaques e as bombas, com espaço reservado para o enaltecimento da melhor figura que 2021 nos deu: volte sempre, Gil do Vigor.
Falecimento de Eva Wilma
Mês de maio, com todas suas notícias e acontecimentos, me pegou de surpresa numa noite tranquila de sábado. Começou com um tweet, uma frase simples que me disparou o coração e me colocou em estado de alerta: “a Vivinha não, por favor!”. Aquilo me gelou a espinha e me fez revirar a internet atrás de mais informações da minha tão amada e querida Eva Wilma, até que em um post de um ator muito próximo à ela, tive a confirmação, através de uma foto lindíssima dela e Carlos Zara, com uma legenda ainda mais bonita: “agora você irá reencontrar seu grande amor”. Foram minutos de silêncio.
Vivinha, como a chamavam carinhosamente, grande estrela, grande artista e uma inspiração como mulher, se foi. Fez sua viagem e então apagou-se a luz do palco iluminado de beleza e pura arte que foi sua vida. Tão forte em sua voz dócil, preciosa em suas emoções tão bem expressas em cenas memoráveis, dona de personagens inesquecíveis, reais e relevantes em todas as épocas. Se foi Eva Wilma e sua voz ecoou por todos os cantos, recitando o prólogo de Antígona, de surpresa, na plateia de uma peça de teatro, soando como um anjo de boas novas, trazendo esperança em cada palavra.
Eva foi uma mulher de muita coragem, de luta e resistência. Nunca se calou perante a repressão e deu voz a personagens que jamais poderiam ser silenciadas. Parte de sua obra em novelas pode ser assistida no Globoplay, enquanto outra parte, sonhamos um dia, termos acesso, pois são papéis primorosos e tocantes do início da década de 70. Deixo aqui duas sugestões especiais para relembrar a atriz: A Indomada, de 1997, com sua inesquecível, maldosa e repugnante Maria Altiva, genial em cada cena que dava vida, e em parceria com grandiosos atores como Claudio Marzo e Eliane Giardini; e Roda de Fogo, de 1986, na pele de Maura Garcez, uma guerrilheira destemida, que lutou contra a ditadura militar e não perdeu suas ganas de justiça. Assim como todos os artistas, Eva Wilma será eterna enquanto sua obra não for esquecida pelas novas gerações. Assistir a essas obras, reverberar suas histórias e transmiti-las aos que virão depois é uma forma de manter viva não apenas a atriz, mas também a grandiosa arte brasileira em sua forma mais memorável e acessível. Viva Eva Wilma, e viva a cultura brasileira. – Marina Ferreira
Falecimento de Paulo Gustavo
A arte de criar felicidade é uma verdadeira bênção que nos traz o alívio necessário para seguir em frente na caminhada implacável da vida. Mas o que fazer quando uma das fontes de alegria é cessada para dar lugar a uma dor sufocante que representa o sofrimento de centenas de milhares de brasileiros nos últimos 15 meses? Essa é a pergunta que nós fazemos depois de sentir o número de 450 mil mortos pela pandemia de coronavírus no Brasil, montante que agora, além de roubar a existência dos nossos familiares e amigos, também sugou para si um dos nomes mais importantes da Arte, do Cinema e do Teatro brasileiro contemporâneo.
Dona Hermínia, Valdo, Aníbal, e muitos outros personagens marcantes da comédia no Brasil foram embora junto de seu criador Paulo Gustavo, que nos deixou no dia 4 de maio de 2021, exatamente 15 anos depois de subir num palco pela primeira vez para encenar o seu maior sucesso. No início da sua carreira em 2006, estreando o espetáculo Minha Mãe É Uma Peça, ele era um jovem de 27 anos que perseguia o sonho incerto de ser artista no Brasil. Quando sua maior realização foi interrompida pelo agravamento da sua situação de saúde em decorrência da covid-19, Paulo Gustavo já tinha levado mais de dois milhões de pessoas aos teatros, 15 milhões aos cinemas, e mantinha a maior bilheteria da história do cinema brasileiro e a maior arrecadação de um filme de comédia transmitido no país.
Além de movimentar multidões em direção aos cinemas para assistirem suas personagens sempre cativantes e identificáveis explodindo seu talento, o artista também usou sua arte, visibilidade, admiração, popularidade e carinho do público em prol da população LGBTQIA+. Depois de bravamente lutar contra a doença – para qual já existe vacina, vale ressaltar -, resistindo pela vida enquanto internado num leito de UTI desde o dia 13 de março, o artista descansou, deixando sua arte, seu legado, seu público, seu esposo, seus dois filhos e tudo o que ainda existia pela frente. Ao contrário da comédia que protagonizou em sua vida toda, em seu último ato, Paulo Gustavo foi mais um personagem de uma enorme tragédia, representando de uma forma radicalmente triste e revoltosa o assalto ao nosso bem mais valioso que foi exponencialmente tomado de nós no último ano pela pandemia e pelo descaso do (des)governo brasileiro: a vida. – Raquel Dutra
Cinema
A Mulher na Janela (The Woman in the Window, Joe Wright)
Anos depois de sua concepção original, o thriller estrelado por Amy Adams (e último fantasma da Fox 2000 Pictures) chegou para apreciação do público. Amarrotado e socado de última hora no catálogo da Netflix, o filme passou por refilmagens, remendos no roteiro e ainda viu o autor da obra original se envolver em uma polêmica digna da ficção.
O resultado, como esperado, é uma desordem descomunal, um entra-e-sai de atores de alto calibre gritando uns com os outros por mais de duas horas. Nas mãos certas, Amy Adams teria suficiente material para a glória eterna da Academia, mas sob a tutela vergonhosa de Joe Wright, a ruiva cai no abismo do esquecimento.
O sucesso na plataforma de streaming apenas atesta como o público da Netflix não se importa com qualidade na hora de consumir qualquer suspense meia-boca com viradas de roteiro que seriam indignas até para a programação das tardes do SBT. – Vitor Evangelista
Me sinto bem com você (Matheus Souza)
Como diria aquela canção: “Que amor tão grande tem que ser vivido a todo instante”. Mas o que fazer quando um surpreso isolamento social faz com que estejamos distantes do nosso amor? Ou, ainda, nos obriga a permanecer presos dentro de casa com nosso parceiro enquanto o relacionamento passa por crises? O diretor, roteirista e ator Matheus Souza consegue responder essas perguntas e traduzir todas essas emoções perfeitamente com o novo produto nacional do Amazon Prime Video, Me sinto bem com você.
De maneira quase teatral, somos apresentados a 5 microcosmos diferentes que se ligam pela paixão, cumplicidade e a loucura de mentes que não aguentam mais ficar em casa. Matheus Souza mostra que o amor em tempos de quarentena pode se desdobrar de diversas formas, seja ele romântico ou não. Não mentiria se dissesse que, em algumas dessas histórias, você sentiria um estalo de “ei, eu já me senti assim antes”. Me sinto bem com você consegue destrinchar todo esse sentimento ora melancólico, ora radiante com naturalidade e isso que o torna extremamente instigante.
Um elenco de nomes bem conhecidos pelo público, incluindo a cantora e ex-BBB Manu Gavassi (que também faz parte da produção), permite uma narrativa dramática e sensível, mais sobre relações humanas do que sobre os efeitos da pandemia no convívio social. Toda a construção do roteiro possui um tom de aconchego, sem minimizar ou escandalizar um lado ou outro da situação. No final das contas, não é o acolhimento o principal fundamento de um relacionamento saudável? Me sinto bem com você nos mostra cirúrgica, mas gentilmente que sim. – Júlia Paes de Arruda
Aqueles Que Me Desejam a Morte (Those Who Wish Me Dead, Taylor Sheridan)
O retorno de Angelina Jolie ao Cinema de Ação merecia muito mais do que Aqueles Que Me Desejam a Morte pode oferecer. Aqui, a atriz disfarça os anos longe dos serviços de espionagem, planejamento de investigações e rotas de fuga na serena-porém-profundamente-traumatizada Hannah, uma bombeira florestal que tenta se recompor após falhar em uma operação e perder 4 jovens para um incêndio. No processo, cai no colo dela um menino com segredos valiosíssimos perseguido por assassinos, e a heroína engole as mágoas ao mesmo tempo em que enfrenta seus traumas cara-a-cara.
A sinopse engana e o filme não entrega nenhuma jornada profunda sobre superação ou reviravoltas grandiosas como se espera e como ele bem poderia. O roteiro de Michael Koryta, Charles Leavitt e do próprio diretor, Taylor Sheridan, é adaptado de um romance homônimo e trabalha muito bem com diferentes linhas narrativas, surpreendendo ao encontrá-las. Mas não consegue entregar material para que seus atores e suas atrizes (Nicholas Hoult, Tyler Perry, Aidan Gillen e a brilhante Mendina Senghore), decolem das cenas muito bem coreografadas de ação para explorar suas outras dimensões.
O que também prejudica o filme como um todo, já que seu tema inicial e aparentemente o central não tem resolução ou desenvolvimento, tirando as certezas que tínhamos sobre a trama sem colocar outras no lugar. Algo parecido com o que acontece com a própria Angelina. A veterana já não aparece nas nossas telas tanto quanto antes, e Aqueles Que Me Desejam a Morte parece esquecer completamente que um de seus nomes carrega um dos legados mais relevantes da indústria do Cinema. – Raquel Dutra
Army of the Dead: Invasão em Las Vegas (Army of the Dead, Zack Snyder)
Filmes de zumbi tem um espaço especial no coração do fã de terror, seja por bem ou por mal. Zack Snyder, a fonte dos clamores pelo Snyder Cut, guarda uma coleção de louros em casa por seu Madrugada dos Mortos, uma peça singular de 2004 que caminhou pelos tapetes de Cannes e premiações voltadas para o gênero. Reencontrando suas criaturas, o diretor surge na Netflix com Army of the Dead: Invasão em Las Vegas, que, apesar de contar com inovações pontuais para os mortos-vivos, não entrega absolutamente nada de chamativo para os personagens que ainda respiram.
Escalar Dave Bautista para o papel principal é mais que motivo para duvidar da carga dramática da trama, claro. Mesmo assim, o ator consegue surpreender e ser quase um pedaço de papelão com metralhadoras. A relação paterna que Snyder estabelece entre ele e sua filha é caótica e cansativa, não interessando o suficiente para causar algum pingo de sensibilidade. Inclusive, não é só entre os dois personagens que isso acontece – todas as interações entre o elenco são fracas. A única amizade com potencial é entre Dieter e Vanderohe, mas que não ganha a devida atenção e se perde entre os tiros e socos.
Agora, se tem algo que não podemos negar, é que os zumbis de Zack Snyder são maneiros para caramba. Mergulhando de vez na viagem da coisa, vemos uma relação afetiva entre o Alfa e sua Rainha grávida, uma organização tribal e hierárquica entre os errantes e até – pausa para respirar – um incrível tigre zumbi. Somos praticamente carregados para termos mais simpatia ao reino das criaturas do que a qualquer personagem humano da obra, que perdem todo o charme perto dos gritos revolucionários dos vilões. Zack Snyder, dessa vez, ficou devendo coesão, mas serviu diversão o suficiente para suas duas horas e meia de Army of the Dead. – Caroline Campos
Monstro (Monster, Anthony Mandler)
Todos são inocentes até que se prove ao contrário, é o que garante a lei americana. Mas quando o condenado é um garoto negro de 17 anos, essa ordem é mesmo aplicada? Esse é o questionamento abordado em Monster, longa de drama lançado na Netflix. O filme baseado no livro de Walter Dean Myers, escrito em 1999, nos conduz pelo julgamento de Steve Harmon, adolescente que foi acusado de um crime que alega não ter cometido.
Estrelado por Kelvin Harrison Jr., a obra conta com grandes nomes: John David Washington, protagonista do aclamado Tenet, e Jennifer Hudson, ganhadora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 2007, fazem parte do elenco rico e cheio de boa atuação. Já a produção e direção ficou na mão de Anthony Mandler, profissional por trás de videoclipes de estrelas musicais como Taylor Swift, Rihanna e Beyoncé.
E o que há de melhor e mais interessante no filme é a narrativa, que coloca o telespectador como juiz do crime. É que a história vai sendo contada aos poucos, intercalando os dias antes do ocorrido com o julgamento, e a verdade do que aconteceu naquela tarde de 12 de setembro só vem à tona nos minutos finais. Cabe a quem estiver assistindo decidir se acredita ou não nas palavras de defesa do protagonista. E se perguntar o que te levaria a acreditar que aquele garoto é, como foi chamado, um monstro. – Mariana Chagas
Cruella (Idem, Craig Gillespie)
A investida mais recente da Disney na passagem de animações para live-action não carece de estilo e visuais, mas perde força na construção de sua protagonista vilanesca. Nela, a vida de jovem Estella (Emma Stone) muda radicalmente depois que um terrível acidente a deixa sozinha nas ruas da Londres dos anos 60, podendo contar apenas com seus dois amigos, Jasper (Joel Fry) e Horace (Paul Walter Hauser) em sua busca de vingança na qual ela assume a temível personalidade de Cruella de Vil.
O prequel de 101 Dálmatas não tem medo de se afastar do material original, tanto no estilo quanto na caracterização de sua personagem titular. Emma Stone dá um show no papel da fashionista enlouquecida, dominando todas as cenas em que aparece. A estética punk rock londrina adotada por ela também ecoa na onerosa trilha sonora, que vem recheada dos grandes clássicos do pop e rock da época: The Doors, Blondie, The Clash e até mesmo Nina Simone fazem aparições memoráveis nessa história de origem.
No entanto, a estrutura do roteiro é bagunçada e pouco ousada, com uma reviravolta óbvia no segundo ato e outra insignificante no terceiro que complicam desnecessariamente as motivações de sua protagonista. O longa entretém, fazendo bom uso de sua estética e suas performances, certamente jogando seguro, mas por fim entregando uma obra sólida e bastante divertida. Porém, surge o questionamento: é possível que um dos maiores conglomerados de mídia do planeta produza uma obra realmente subversiva e rebelde, de espírito genuinamente punk? O tratamento dado a sua figurinista, Jenny Beavan (a grande estrela desse show), nos diz que não. – Gabriel Oliveira F. Arruda
French Exit (Idem, Azazel Jacobs)
O último feito de Michelle Pfeiffer finalmente chegou ao Brasil nos moldes daquelas dramédias charmosas que nos capturam pela abstração que oferecem. O trabalho de French Exit acontece a partir da socialite viúva Frances Price, que torrou a fortuna que recebeu de herança do marido e não vê motivos para continuar a vida sem o luxo que a cerca. Então, ela carrega o filho Malcolm (o indicado ao Oscar Lucas Hedges) para gastar o dinheiro que lhes resta numa temporada em Paris, onde outros personagens excêntricos passam a fazer parte da sua vida.
A maior graça de French Exit está em suas figuras e nas situações criadas por elas. O destaque, no entanto, vai de fato para Pfeiffer, que se sente completamente à vontade na pele da caótica Frances, e Hedges, que sendo o personagem mais contido, consegue também ser o mais hilário e compreensível do roteiro pitoresco de Patrick deWitt, nascido do romance escrito pelo mesmo. A direção de Azazel Jacobs trabalha com uma história que está em personagens descolados da nossa realidade, então, o nosso lugar é mais de divertir com suas esquisitices do que tomar parte em seus (poucos, porém profundos) sofrimentos. Mais comédia do que drama, quer construção mais bem-vinda? – Raquel Dutra
Oslo (Idem, Bartlett Sher)
Oslo é uma cidade da Noruega que foi palco de uma série de acordos entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). O novo filme da HBO trata o início e as negociações que levaram à assinatura do Acordo de Paz em setembro de 1993. Andrew Scott, com sua expressão facial de afobação, intermedia o contato entre os líderes nacionais. Ao seu lado temos Ruth Wilson, interpretando Mona. Uma mulher centrada, capaz de ganhar a confiança de ambos os lados. O casal de diplomatas usa de suas conexões pessoais para criarem uma mesa neutra e resolverem o conflito, de mais de quarenta anos, na base do diálogo.
Como todo filme de acontecimentos históricos, assistimos com a nuvem do spoiler pairando sob nossa cabeça. O conflito entre israelenses e palestinos passa por um de seus momentos mais violentos. Pensar nos ataques em Jerusalém e bombardeios em Gaza, que deixaram mais de 200 mortos, nos deixa aflitos com o caminhar do longa. As negociações avançam com dificuldades, mas com a promessa de um consenso final. Pouco sobre a burocracia da documentação é falado, a direção de Bartlett Sher foca na relação de seus personagens, construindo assim o diferencial de Oslo.
É observando os trâmites que vemos a imponência dos Estados Unidos nas discussões. O longa se encerra em sua glória: pelo telefone, ouvimos o choro dos oficiais da OLP, que não imaginavam viver tempo suficiente para aquele momento, esperamos um aperto de mão, mas a História não permite mentir. Antes de subirem os créditos, vemos a reação de extremistas israelenses que se opuseram, julgando como uma ameaça à segurança do país. Oslo é um drama que tenta humanizar seus agentes, e em momento algum pode ser categorizado como um documentário. – Ana Júlia Trevisan
Mainstream (Idem, Gia Coppola)
Sim, esse nome é mesmo familiar. Gia Coppola é neta de Francis Ford, sobrinha de Sofia e agora continua sua jornada como diretora de Cinema. Depois de trabalhar em Palo Alto quase dez anos e se aventurar por clipes musicais, Gia retorna com Mainstream. Depois de ter estreado em Veneza ano passado, a sátira chegou às locadoras digitais em maio.
A trama é doida, relacionando um maltrapilho e seduzente Andrew Garfield, loiro e esbelto, e a cultura do imediatismo online. Coppola escreve o roteiro ao lado de Tom Stuart, a partir de uma ideia dela própria, e orbita o ecossistema inconsistente de Mainstream com um elenco de jovens talentos.
Maya Hawke estende a vibe que emulou em Stranger Things, enquanto Nat Wolff é subaproveitado. A estrela, não tem jeito, é Garfield e seu influencer anti-tecnologia, embriagado pela fama. Falta foco e coesão em Mainstream, mas sobra virilidade e vivacidade. Que Gia continue atrás das câmeras (e que contrate Andrew Garfield em mais tons de loiro no futuro). – Vitor Evangelista
Studio 2054 (Idem, Liz Clare)
“Bem vindos a boate Future Nostalgia” é algo que todos nós gostaríamos de ter ouvido no ano de Dua Lipa. Infelizmente, a concretização do potencial dançante do segundo álbum da artista foi engolido pelo ano pandêmico, mas ela não deixou seu disco ser esquecido pelos clubes de dança. No auge das lives-espanta-tédio-da-pandemia, a princesa disco criou sua experiência virtual construindo sua própria boate com tudo o que imaginou para Future Nostalgia: muitas batidas, luzes neon e coreografias, entregando o que ela ambiciosamente prometeu no início de 2020 agora em Studio 2054..
O filme é o registo do show que Dua Lipa planejou e transmitiu universalmente em novembro do ano passado. Finalmente disponibilizado no Brasil pelo Globoplay, agora podemos assistir também o documentário Por Trás do Studio 2054, que mostra os bastidores da superprodução da artista, também no mesmo streaming. Dentre as participações de Elton John, Angèle, Kylie Minogue e FKA twigs, a vertiginosa tracklist de Future Nostalgia, os sucessos anteriores de Dua e recordes de vendas, o show faz jus ao sucesso estrondoso da artista – e também demonstra a razão do apelido que surgiu para ela nos últimos meses. – Raquel Dutra
What Drives Us (Idem, Dave Grohl)
Dave Grohl resolveu fuxicar a lista de contatos do celular e selecionou um elenco de peso e muito som para compor seu mais novo documentário, What Drives Us. Pegando, literalmente, carona em Nomadland, o líder do Foo Fighters dedica os 88 minutos de tela no Amazon Prime Video para saudar as rodas que movimentaram as turnês explosivas de grandes bandas da história da Música. Todos os entrevistados confidenciam experiências similares, se unindo em torno do amor pelo rock e sendo guiados em conversas sensíveis com Grohl, que enlaça os relatos com intimidade, simpatia e um entendimento único do assunto.
Assim, podemos sentar em círculo e bater um papo com estrelas como Brian Johnson, Ringo Starr, Slash, Duff McKagan, Flea, The Edge, D.H. Peligro, Kira Roessler, St. Vincent, os meninos do Radkey, Steven Tyler e nomes ainda mais variados que reforçam o ponto de seu diretor: o rock não morreu, ele foi se transmutando. Não há espaço para saudosismo barato – mesmo que Flea ganhe um tempinho em cena para bater nessa tecla -, nem para roqueiros que se acham a última pedra preciosa dos anos 90. Nova e velha geração se unem para discorrer a ligação poderosa com os palcos, as situações inusitadas que dois meses em um carro com um bando de desconhecidos podem gerar e a relação tumultuada com a estrada.
Juntando tantas pessoas, era inevitável que alguns fossem apagados da narrativa e fizessem apenas pequenas pontas, mas o carinho de Dave Grohl por aqueles músicos é o que o firma como o condutor desse ônibus de loucos viajantes. O artista, inclusive, comprou novamente a primeira van em que entrou em turnê com o Foo Fighters, deixando aquele gostinho de nostalgia na boca do espectador – que também é forçado a assistir momentos de shows espetaculares e lembrar que ainda vive no Brasil e tais apresentações estão longe de voltarem a acontecer. What Drives Us é como o próprio Dave descreve: “uma carta de amor a cada músico que já entrou em uma velha van com seus amigos e deixou tudo para trás pela simples recompensa de tocar música”. – Caroline Campos
TV
Big Brother Brasil 21 (Rede Globo)
O Big dos Bigs! Desde seu início, essa foi a promessa da edição de 2021 do reality show mais comentado do Brasil. Aos modos do ano anterior, o Big Brother trouxe seu elenco diverso, misturando camarotes e pipocas na casa mais vigiada. Manu Gavassi – em 2020 – fez o programa parecer fácil ao lado da fama, assim, abrindo portas para que nomes como Karol Conká, Projota e Fiuk topassem os cem dias de desafio. A edição com mais jogadores negros da história eliminou seus participantes escurraçados com recordes de rejeição e consagrou vitoriosa a advogada branca.
De entretenimento a terror psicológico, o BBB 21 foi recheado de polêmicas, surpresas e desgostos. Lumena, que era uma das favoritas do Twitter, se envolveu com o lado errado da Força. Projota, que foi a grande surpresa das chamadas, logo conquistou o público com seu jeitinho fofoqueiro, mas foi questão de tempo para ele se enterrar no próprio jogo. Viih Tube, que já entrou cancelada, foi longe na casa graças a sua manipulação. Gilberto, que era apenas um pipoca, dominou o Brasiiiiil com sua cachorrada.
Contra a tortura da Mamacita Jaque Patombá, o G3 parecia ser a única solução. Sarah foi nossa espiã favorita, mas entregou o 1,5 milhão ao se declarar Miss Cloroquina e buscar apoio na bancada ruralista. Após o primeiro beijo entre dois homens na história do Big Brother, Lucas Koka desistiu do programa e assim iniciou a nova temporada no reality show. Foi nessa época que Juliette se tornou a namoradinha do Brasil. Conquistando uma avalanche de seguidores e criando uma milícia virtual de cactos, ficou claro que ela sairia milionária. – Ana Júlia Trevisan
A vitória de Juliette Freire (BBB 21, Rede Globo)
A revelação do nome da campeã do Big Brother Brasil 21 não foi uma surpresa para ninguém. Desde que entrou pela porta da casa mais vigiada do Brasil, Juliette Freire não saiu da boca do público, nem dos dedos de quem comentava o reality nas redes sociais. No início, por sua aparente tentativa em engatar um casal com o Fiuk; depois, por ser excluída da casa em função de pessoas arrogantes que se recusavam a entendê-la; mais tarde, por integrar o G4 (formado também por Gil, Sarah e Lucas), e por aí vai.
A narrativa da paraibana dentro do jogo se assemelhava muito com outras histórias já observadas em edições anteriores. Como, por exemplo, a de Marcela Mc Gowan, do BBB 20, a rainha das fadas sensatas, que iniciou a marcante revolta das mulheres da casa contra os homens, buscando, por muito tempo, que as pessoas da casa ouvissem a sua verdade. Uma das grandes favoritas no início a levar o prêmio, mas que acabou se perdendo (e também se revelando) com suas alianças dentro da casa. No entanto, Juliette ainda conseguiu se diferenciar de tudo isso, por ter sustentado um único aspecto durante toda a sua jornada: a honestidade. Mesmo sendo criticada e tendo seus defeitos apontados por seus colegas a todo momento, a maquiadora nunca deixou de manter sua essência, de honrar suas raízes, ser fiel a seus aliados e de cumprir com aquilo que acreditava. Poderia ter tentado se favorecer no jogo de diversas formas, comprando brigas e afins, mas assumiu sempre a postura de dialogar e mostrar seus posicionamentos, por mais excessivos que fossem às vezes.
Por esses e outros motivos, a vitória do BBB 21 não poderia ter sido de outra pessoa, sendo justo perder apenas para Gil do Vigor, que fez história no programa e continua escrevendo-a aqui fora. Juliette foi um fenômeno desde o primeiro minuto, fato que se reflete na onda crescente de seguidores em suas redes sociais. Essa conquista também teve grande apoio da equipe de marketing que ela contava (sem nem saber), mas não teria sido suficiente sem a sua honestidade dentro da casa, fosse assim Manu Gavassi teria levado o primeiro lugar do BBB anterior sem nem titubear. Entre seus erros e acertos, a paraibana trouxe uma força necessária em meio a pessoas que precisavam olhar para além do seu próprio umbigo e parar de se escorar em alternativas convenientes. E, dessa forma, construiu um lindo caminho de excluída do jogo para campeã. Agora, ela, de fato, nunca mais vai se sentir sozinha. – Vitória Silva
O 4º lugar de Gilberto Nogueira (BBB 21, Rede Globo)
“Quanto vale entrar para a história? Quanto vale não ser esquecido jamais?” Questionou Tiago Leifert na noite mais triste do BBB 21: a eliminação de Gil. O próprio apresentador adiantou antes de revelar o resultado do último paredão da edição: “quando eu der o resultado, alguém lá fora vai achar muito, muito, muito injusto”, enquanto o eliminado da vez segurava as mãos da libriana nascida sob o Sol da justiça Camilla de Lucas, que por sua vez, entrelaçava os dedos com a advogada-campeã Juliette. Mas para o maior sensitivo e conspirador da edição, o resultado logo ficou claro, e auxiliado pelo discurso elogioso de Leifert, Gil do Vigor soube que, pela primeira vez, seus sonhos premonitórios sobre seus paredões estavam corretos e caiu num choro emocionado. Porque como o apresentador pontuou, pensando em sua história dentro e fora do reality, ele “ganhou seu prêmio”.
Gilberto Nogueira foi quem viveu e se entregou de corpo e alma aqueles 100 dias junto do Brasil. A maior graça de ligar na Globo todos os dias por volta das 22h30 era assistir o respeito que o maior fã de BBB que já se viu conservava pelo público e pela oportunidade que lhe havia sido concedida. Num momento tão difícil e dolorido para o povo brasileiro, acompanhar Gil através da TV era, como ele mesmo fazia questão de definir, participar da realização de um sonho e a consumação de um processo lindo e dolorido de libertação e aceitação. Para nós, os espectadores, estar junto de Gil foi vislumbrar uma vibração que há tempos não acompanhamos de perto e enxergar a dor e a delícia de alguém corajoso o suficiente para assumir sua própria existência diante de todo o Brasil em toda a sua completude: nos surtos, erros, arrependimentos e celebrações.
A saída precoce e a impossibilidade de viver a tão merecida final do programa não apagaram seu brilho. Ao fim da noite do dia 2 de maio, Gil do Vigor era o protagonista das redes sociais, da programação da Globo e dos níveis de audiência da emissora. Desde então, segue um sucesso graças ao carinho que o público construiu pela sua autenticidade: de participante homem mais seguido da história do BBB, a aluno de pós-doutorado no exterior e expoente de mudança no tratamento que instituições religiosas reservam às pessoas LGBTQIA+, a existência de Gil do Vigor é muito maior do que a grandiosidade que ele trouxe para o programa que o revelou. – Raquel Dutra
Friends: The Reunion (Episódio Especial, HBO Max)
Friends é a grande série do século XX. Uma reunião, um revival, uma migalha dos astros para os fãs foi adiada por quase duas décadas desde que Monica e Chandler se despediram da moldura da porta e seguiram com suas vidas, longe do Central Perk mas perto dos amigos que tornaram-se família. Após os atrasos causados pela pandemia, o Especial de Friends chegou à plataforma da HBO Max, unindo a nostalgia, a homenagem e a publicidade massiva em quase duas horas de rodagem.
De fato, Friends: The Reunion tem um pouco de tudo: entre o esperado reencontro frente às câmeras no antigo cenário, passando por uma entrevista no sofá laranja e uma porrada de esquetes e entrevistas de famosos e anônimos, o diretor Ben Winston não tinha escolha se não condensar o máximo possível naquele momento que, como tudo indica, deve ser o primeiro e último que ressuscite a aura de Friends. Todavia, não há qualquer problematização ou ponto que leve a discussões sobre representatividade ou preconceitos dos anos 90, tornando a experiência de ‘reviver’ Friends por um dia apenas como um fator de extravaso e não de crescimento.
A sinceridade dos abraços e do choro cria a sensação de familiaridade e de amor, afinal, estamos cara-a-cara com as versões envelhecidas desses ícones da comédia, arquétipos do que significava ser adulto naquela época, que conseguiram traduzir para muita gente os percalços de ser solteiro e desempregado mas acompanhado, nunca abandonado. Se focasse apenas nisso, The Reunion concentraria o que de melhor Friends nos entregou por 10 temporadas: o riso fácil. As diversas intromissões de celebridades, como BTS e até Malala Yousafzai, quebram o clima e o ritmo, sem contar o carisma negativo de James Corden conduzindo a entrevista na fonte. No geral, o quase-filme é um torrencial de lágrimas por uma hora e quarenta e três minutos, mas poderia ser muito mais. Fica a felicidade de ter tido a chance de apreciar esse alinhamento das estrelas, mas, vinte e sete anos e um Reunion depois, já podemos parar de falar sobre Friends. – Vitor Evangelista
The Circle US (2ª temporada, Netflix)
Em tempos de Big Brother reinando na televisão brasileira, precisamos valorizar o reality show da Netflix. The Circle consegue, diferentemente do famoso programa da Rede Globo desde 2001, representar a sociedade da década de 2020. Não só pelas redes sociais totalmente construtora das nossas vidas atuais, mas também por mostrar como construímos relações no último ano apenas através de uma tela.
A segunda temporada, então, veio para mostrar um novo cenário da rede social ‘Circle’. Enquanto a estreia do reality show mostrou mais como se escondemos atrás de uma tela e isso nos afeta, River, Emily, Lance Bass (sim, do *NSYNC) e o grande vencedor, ou melhor vencedora, Trevor mostraram como um catfish pode ser seu maior aliado. Não porque você não queira evidenciar quem você realmente é, como anteriormente, mas sim porque é ele quem traz a melhor de suas qualidades.
River, assim, é o personagem que mais representou isso dentro do reality, se tornando quase como a personificação da mensagem dessa temporada. O escritor gay Lee conseguiu viver através da imagem do jovem amigo, aquilo que a sociedade norte-americana não o deixou viver durante sua juventude devido aos preconceitos. Mas, ainda assim, The Circle mostrou como pessoas verdadeiras, ingênuas e totalmente abertas, como Chloe, Courtney e Mitchell, podem ser o melhor de si mesmas. – Larissa Vieira
Mare of Easttown (Minissérie, HBO)
Que delícia é poder acompanhar um drama investigativo original, bem atuado e com total ciência de onde quer chegar e como fazê-lo. Se em teoria Mare of Easttown cumpre todos os requisitos para ser considerado um baita ‘programa de domingo’, na prática a coisa se eleva. Kate Winslet encarna um sotaque estadunidense da Pensilvânia, protagonizando o melhor papel de sua carreira. Sua detetive Mare é astuta, brutamontes, sensível e adoidada, tudo na mesma faceta, que a inglesa domina com astúcia. Ela viaja entre os humores da personagem com a facilidade que lhe garante elogios desde Titanic até o recente Steve Jobs, que voltou a indicá-la ao Oscar, e Mildred Pierce, quando ganhou seu primeiro Emmy.
Mas Winslet não está sozinha. Nessa cruzada sentimental e arisca de 7 longos capítulos, Jean Smart faz a contraparte ideal para que a sisuda Mare soe, de fato, real. Interpretando a mãe da protagonista, Smart é um deleite que só, com deixas até para comédia física, veja só. Evan Peters vive um detetive adulto e maduro na superfície, mas com suficiente espaço para desconstrução, longe dos arquétipos preguiçosos em que Ryan Murphy o prende por quase uma década. Ainda brilham Guy Pearce, charmoso e gostosão, Angourie Rice, em uma louvável representatividade queer que foge de qualquer facilitação narrativa e David Denman, ator conhecido pelo papel de noivo da Pam em The Office, e que agora tem a oportunidade de, finalmente, não dar vida a um babaca ficcional.
Ao passo que as investigações progridem e a criação de Brad Ingelsby afunila a narrativa escrita pelo próprio, Julianne Nicholson se arrasta em cena, clamando para si a atenção que a resiliente Lori é obrigada a vestir. Mare of Easttown é tudo isso e muito mais pela direção precisa e nada oscilante de Craig Zobel, mestre em criar tensão e moldá-la de acordo com as expectativas de quem sintonizou na HBO pelos últimos sete domingos. Kate Winslet se recusou usar maquiagem, foi contra a edição que queria esconder sua barriga numa cena de sexo e bateu o pé quanto aos retoques no pôster: ela queria verdade e honestidade (e, ao fim do choroso Sacrament, percebemos que ela conseguiu). Unindo drama familiar de cidade pequena, crimes não-resolvidos e um elenco que é sinônimo de aclamação e bom trabalho, Mare of Easttown é a melhor minissérie de 2021. – Vitor Evangelista
Zoey e Sua Fantástica Playlist (Zoey’s Extraordinary Playlist, 2ª temporada, NBC)
Pode-se dizer que a segunda temporada de Zoey e Sua Fantástica Playlist era o que estávamos precisando para uma época tão turbulenta: um show que aquece o coração. Uma mistura de comédia, drama, números musicais de alta qualidade, novos personagens, participações especiais, uma história mais desenvolvida do que em sua primeira temporada, muito romance e uma escolha de repertório, como afirma o próprio título, fantástica. Se você está precisando de uma série para mexer com seu psicológico ao som de boas músicas, essa é a sua oportunidade.
Com apenas 13 episódios, a aposta musical da NBC em sua segunda parte possui um enfoque maior na vida pessoal, profissional e amorosa da protagonista. Acompanhamos Zoey em uma nova fase: a luta em continuar a viver depois de uma grande perda e a de entender que relacionamentos amorosos nem sempre são fáceis, mas que no fim, eles sempre valem a pena. Se você leu essas últimas linhas e pensou “será que eles finalmente vão revelar com quem a ruiva termina?”, fico feliz em lhe dizer que a resposta é sim, e sinceramente, não tinha como ser outro final.
Outro ponto positivo de Zoey são os personagens. Apesar de nos despedirmos de alguns, também temos a sorte de conhecer alguns novos, como o lindo vizinho australiano Aiden (Felix Mallard), Rose (Katie Findlay), amiga de infância de Max, o bombeiro e namorado de Mo, Perry (David St. Louis) e os novos funcionários da SPQR POINT: Mckenzie (Morgan Taylor Campbell) e George (Harvey Guillén). Zoey e Sua Fantástica Playlist é uma lição de empatia, respeito e muita qualidade vocal, com destaque a Mo (Alex Newell), que deu show de apresentação musical em todos os episódios. Em resumo, a nova aposta da NBC mais uma vez nos mostrou que veio para ficar. – Milena Pessi
Love, Death + Robots (Volume 2, Netflix)
A fórmula parece ser simples: amor + morte + robôs = sucesso! Mas, como todo elemento secreto, ele nunca é revelado – pelo menos não até agora. Uma pitada de animações que nos fazem perguntar “aquilo é uma pessoa de verdade ou apenas CGI?” é o que torna Love, Death + Robots único no vasto catálogo de séries da Netflix. A segunda temporada, lançada no dia 14 de maio, veio para matar a ansiedade dos fãs que esperavam há mais de 2 anos por uma continuação.
Infelizmente, nem mesmo os mais saudosistas podem admitir que esse Volume 2 foi um sucesso. A decepção vem logo de cara quando vemos míseros oito episódios em comparação com os 18 anteriores. Ainda por cima, o telespectador não fica com a sensação de dever cumprido após o término, visto que não existe aquele episódio, marcante o suficiente como a temporada anterior se especializou. O mais próximo que chegamos de um Zima Blue é uma analogia humanizada em O Gigante Acordado.
Independente dos erros, ainda assim Love, Death + Robots merece muitos elogios. Os gráficos e visuais singulares que cada episódio opta por adotar, a história mirabolante, a trama violenta ou sensível, todos esses são fatores que fazem o espectador assistir cada minuto sem pensar duas vezes, nos mantendo fantasiosos no universo ficcional que cada equipe desenvolve com maestria. A naturalidade que cria a humanidade em robôs é o resultado mágico que apenas essa série consegue formular. – Vitor Tenca
Castlevania (4ª temporada, Netflix)
Sangue e ação. Essas com certeza são as duas palavras que definem o desfecho de Castlevania. Não que os dois substantivos não estivessem presentes nas outras temporadas. Eu diria até que são características esperadas de uma animação sobre vampiros, baseada em um jogo de videogame focado em combate. E porque não abusar de algo que o estúdio Powerhouse Animation faz tão bem? De fato, há alguns deslizes quanto ao detalhamento dos personagens em alguns takes mais ativos, mas a alta qualidade de todo o restante, torna isso irrelevante. As cenas de ação dispensam comentários porque te deixam sem palavras, mas ainda assim, aqui vão mais alguns elogios: as trocas de soco, magia e cortes de espada são muito bem coreografadas, os ângulos pelos quais acompanhamos a luta são espetaculares e imersivos, e a movimentação fluida da animação só nos prende mais à tela.
Entretanto, é preciso dizer que, às vezes, as cenas de luta cansam um pouco. Mesmo que todas funcionem como um caminho para algum desfecho importante, há momentos em que você só se encontra tão ansioso para mais desenrolares da história que a ação parece um empecilho. O que não a desqualifica, apenas contribui como mais um elogio à história. História essa que, por mais que te deixe de boca aberta por vários minutos depois do plot twist ou te faça chorar com as cenas dramáticas, não é perfeita. A gente chega de uma terceira temporada que construiu ansiedade para o que a corte da Carmilla – com suas cinco rainhas inteligentes e astutas – faria com a humanidade. Mas encontra, já nos primeiros episódios, o declínio do arco. E o mesmo acontece com Isaac, destaque em reflexões e cenas da temporada passada, que nem aparece nos capítulos finais.
Castlevania é uma narrativa riquíssima na construção dos seus personagens onde todos têm sua dose de profundidade. E depois da emoção de terminar logo a temporada, o que fica é uma melancolia por perceber que muitos finais poderiam ter sido melhor trabalhados antes de ganhar um ponto que soou rápido e fácil. Isso me faz adicionar outra expressão à dupla inicial: Sangue, ação e quebra de expectativa. Sim, eu esperava desfechos mais grandiosos à simplicidade que foi entregue a alguns. Mas no fim, é um acalanto ver uma história tão embebida em poder e ambição, com personagens intrigantes, cruéis e traidores que te fazem torcer por seus planos terríveis, terminar com calma, perdão, diálogos amorosos e segundas chances merecidas, até mesmo aos vilões. – Lorrana Marino
Halston (Minissérie, Netflix)
Ame-as ou odeie-as, as criações de Ryan Murphy sempre chegam fazendo barulho na televisão. A mais recente é em dose dupla: além da assinatura do produtor, Halston se insere num cenário naturalmente polêmico na história da moda norte-americana ao trazer a história de Roy Halston, um dos estilistas mais influentes dos Estados Unidos da década de 70. Na tela ficcional da Netflix, ele é vivido brilhantemente pelo camaleão Ewan McGregor, que passa pela ascensão de uma infância difícil para se transformar num designer conceituado, antes de assistir a diluição de seu império, a perdição de seu próprio nome e a tragédia de sua morte precoce.
Baseada no livro Simply Halston, de Steven Gaine, a minissérie flui das mãos de Sharr White (Genera+ion), ganha graça com Rebecca Dayan na pele da top model e designer de joias Elsa Peretti, e com Krysta Rodriguez e sua radiante Liza Minnelli. O drama nasce da personalidade instável e geniosa de Halston, que também encara vícios em drogas e um romance desequilibrado com Victor Hugo, interpretado por Gian Franco Rodriguez. Halston também ganha riqueza com a fotografia, que explora os cenários nova-iorquinos, as cores setentistas e luxuosas do lifestyle dos personagens, e com a trilha, que se joga nas pistas de dança de 1970.
Em cinco episódios estilosos repletos de altos e baixos narrativos e criativos, a produção guarda seu ápice no trabalho admirável de Ewan McGregor, que nos fazer esquecer que o ator um dia viveu a serenidade de Obi-Wan Kenobi em Star Wars antes de trazer vida à personalidade de Roy Halston. Quanto ao desempenho de Ryan Murphy, que ultimamente vem sendo questionado, Halston talvez não seja capaz de agradar completamente a crítica. Mas o carisma de seu elenco e a beleza de suas construções técnicas pode entreter muito bem o público, e de quebra, iluminar a importância do estilista costumeiramente apagada da história da moda estadunidense. – Raquel Dutra
This Is Us (5ª temporada, NBC)
Caminhando para sua última temporada, This Is Us viveu um ano conturbado; não só dentro da série, mas também na produção, que foi por algumas vezes adiada por conta da pandemia e encurtada, para evitar mais atrasos. Porém, além de se reinventarem por trás das câmeras, os Pearson tiveram que incluir máscaras, vacinas e a falta de contato da família para o enredo.
A 5ª temporada, então, caminhou, em grande parte, a partir da história do primeiro irmão, Kevin (Justin Hartley). O plot final do ano anterior trouxe um grande sonho do famoso ator de Hollywood, se tornar pai. Mas, o início do relacionamento com Madison (Caitlin Thompson) trouxe a tona umas das maiores características do primogênito: a inconsistência e a impulsividade; o astro deixou seu grande filme para acompanhar o nascimento de seus filhos, além disso, uma pequena ligação de sua namorada de infância fez com que ele reconsiderasse o casamento com a mulher que ele admira a família que construíram.
Além do primogênito, então, This Is Us entregou as respostas que faltavam para Randall entender sua origem. Não só suas raízes genealógicas, mas trouxe o seu entendimento sobre o racismo que viveu dentro da própria adorável família Pearson. Dentro de seu enredo, ainda, Tess (Eris Baker) viveu momentos conturbados em sua adolescência, ao conhecer seu parceiro não-binário Alex (Presley Alexander). Por fim, a temporada trouxe o maior choque para o relacionamento da irmã Pearson, Kate (Chrissy Metz), que nos últimos minutos do último episódio traz uma reviravolta enorme para sua vida consistente e perfeita com Toby (Chris Sullivan), deixando, assim, os fãs ansiosos para o que está por vir no futuro do último ano de This Is Us. – Larissa Vieira
Special (2ª temporada, Netflix)
A preciosa Special foi lançada em 2019, apostando em episódios curtíssimos e que ficcionalizavam a vida de seu criador, Ryan O’Connell, um homem gay com paralisia cerebral. A produção usava dessa representatividade muito bem-vinda para colocar na mídia pessoas com deficiência, seus amores, temores e suas rotinas, tirando o estigma preconceituoso que ronda essa comunidade no Cinema e na TV.
Para o segundo, e infelizmente último, ano da comédia, O’Connell consegue dobra a duração de seus capítulos, inserindo doses cavalares de humor e drama nas vivências de toda essa galera. Partindo das incertezas e das aventuras do protagonista, que divide o nome com o criador, até a amiga Kim (papel da hilária Punam Patel) e a doce mãe Karen, que encontra na atuação de Jessica Hecht sensibilidade e emoção. É uma pena que esse seja o fim prematuro de uma série, perdão o trocadilho, tão especial. – Vitor Evangelista
Os Filhos de Sam: Loucura e Conspiração (The Sons of Sam: A Descent Into Darkness, Minissérie, Netflix)
Entre 1976 e 1977, seis pessoas foram mortas e sete ficaram feridas em atentados a tiros de calibre .44 pelos bairros da cidade de Nova Iorque. A população ficou apavorada enquanto a polícia seguia para múltiplos becos sem saída na busca pelo assassino, que se comunicou com as autoridades e com a imprensa para se batizar de Filho de Sam. Foi através de uma multa de trânsito que, finalmente, chegaram em um nome: David Berkowitz, um jovem carteiro, ex-militar e vizinho amigável. Os gritos exigiam sangue, vingança e justiça para um dos mais notórios serial killers dos Estados Unidos, que, por sua vez, insistia na história de que uma entidade de seis mil anos possuiu o cachorro do seu vizinho e o obrigou a matar. Berkowitz foi preso, sentenciado à prisão perpétua, os agentes da polícia foram condecorados e a cidade dormia em paz. Viva! Bem… isso até ouvirem de Maury Terry.
Os Filhos de Sam: Loucura e Conspiração foi a nova aposta de true crime da Netflix para destrinchar não a história de David, mas, justamente, a investigação do jornalista Maury Terry na tentativa de provar que o carteiro não agiu sozinho. De início, os mais céticos não caem no papo de teoria da conspiração envolvendo cultos satânicos que a produção de Joshua Zeman tenta reforçar. No entanto, o trabalho de recuperação de documentos da minissérie e o esforço em reviver a pesquisa de Terry não deixam dúvidas: o Filho era, na verdade, Filhos. Terry se aprofundou no assunto; escreveu o livro The Ultimate Evil, que ligava a cientologia, a igreja O Processo, David Berkowitz e até Charles Manson em uma única rede satânica responsável por todos os assassinatos – e tudo isso é provado em tela, por vídeos, entrevistas, documentos e declarações.
Maury Terry, que ganhou uma narração em off de suas anotações por Paul Giamatti, dedicou a vida para convencer a justiça a reabrir o caso de Berkowitz e procurar pelos outros suspeitos. No caminho, o jornalista contou com a ajuda de policiais, vítimas, testemunhas e entrevistou duas vezes o assassino, que confirmou todas as suas teorias. Surpreendentemente, somos convencidos. As provas estavam lá. Joshua nos mostra todas as conexões, ignoradas na época pelo jogo político. Maury pode ter perdido a mão no processo, mas, no fim das contas, estava certo. E ganhou uma minissérie para reforçar seu legado. – Caroline Campos
Lucifer (Parte 2 da 5ª temporada, Netflix)
Por vezes profunda, outras vezes caricata, Lucifer é um dos maiores sucessos dos últimos anos na Netflix. Em maio, a adaptação televisiva do famoso anjo caído de Neil Gailman retornou para seu quinto ano na plataforma. Entre guerras celestiais, investigações policiais e brigas familiares, Lucifer repete a fórmula corriqueira de dramas procedurais sem deixar de divertir com sua própria irreverência.
Com a premissa da batalha pelo posto de Deus, que está se aposentando, a temporada se desenrola em conflitos eletrizantes e antagonismos previsíveis. Mesmo que a narrativa de irmão gêmeo do mal esteja extremamente saturada em Hollywood, Tom Ellis impressiona com sua construção de maneirismos e particularidades dos irmãos Lúcifer e Michael. Quem também chama a atenção é o estreante Dennis Haysbert, que se equilibra entre a rigidez e a benevolência em sua caracterização de Deus. Haysbert humaniza o Todo-Poderoso de forma extraordinária, ao mesmo tempo que eleva o personagem a seu próprio patamar.
A série emociona na dualidade ríspida de Lúcifer e Deus e no romance afeito do diabo com a detetive Decker, enquanto passeia por enredos novelescos e fillers monótonos. Não é perfeita, e nem tenta ser: mais que um guilty pleasure, Lucifer é a prova que nem todo programa precisa de muito para funcionar. Com apenas oito episódios, a segunda parte da 5ª temporada entretém sem exagerar e ainda deixa o gostinho de quero mais. – Laís David
Onde Está Meu Coração (1ª temporada, Globoplay)
Desde o seu lançamento, o Globoplay vem investindo cada vez mais em produções originais. O nome da vez é Onde Está Meu Coração, de George Moura e Sergio Goldenberg. Protagonizada por Letícia Colin, a série retrata a história da médica Amanda, pertencente a uma família de classe média alta, e que se vicia em crack. Com o objetivo de trazer uma narrativa sobre a dependência dessa droga em uma camada da sociedade diferente da que estamos acostumados a observar, a obra acompanha o vício da doutora e todas as complicações que isso traz para a sua vida pessoal e a de seus familiares.
Além de contar com a direção impecável de Luísa Lima, com supervisão de José Luiz Villamarim, dono de obras como Amor de Mãe, Onde Está Meu Coração carrega um elenco de peso. Fábio Assunção interpreta o pai de Amanda, David, que também é um ex-alcoólatra. A história de seu personagem se encontra com sua vida pessoal em alguns aspectos, em que já passou por tratamento em função da dependência química, e isso se reflete na sua forte atuação, ao ver sua filha da ficção ser levada por um caminho semelhante. A atriz Mariana Lima, que interpreta sua esposa, também carrega um histórico de uso de drogas na vida real, e entrega tudo no desespero de uma mãe em salvar sua filha a qualquer custo.
Mesmo com algumas escolhas narrativas que desprezam um pouco o arco de personagens secundários, a série faz jus a história recorrente de diversas famílias que são atingidas e destruídas pela dependência química, sem exagerar na dose dramática. Letícia Colin atravessa todos os estágios da dependência e da árdua recuperação de forma avassaladora e necessária. A potência de Onde Está Meu Coração se fortalece com sua trilha sonora, composta por nomes como Frank Sinatra, Gal Costa e Nick Cave & The Bad Seeds. – Vitória Silva
O Método Kominsky (The Kominsky Method, 3ª temporada, Netflix)
A terceira e última temporada de O Método Kominsky já se inicia em tom de despedida. Alan Arkin, intérprete do velho e sarcástico amigo de Sandy Kominsky, não retornou à série, fazendo com que a personagem tivesse o caminho mais óbvio dentro do roteiro e do encaminhamento da produção. A família que ele deixou foi um apêndice inflamado, terminando sem final. A sitcom que acompanha um preparador de atores já em sua melhor idade, mistura tragédia e comédia para fazer suas abordagens. Em relação aos atores, Emily Osment volta para mais um ano de figuração de luxo. Já Nancy Travis faz falta durante os seis episódios.
Com o protagonista lidando com o luto, temos uma temporada bem menos pautada na comédia. A graça perde espaço para a dor, que se faz mais presente a cada episódio. A linha tênue entre a vida e a morte não leva o telespectador às lágrimas, mas causa um comovente desconforto. Com a participação mais recorrente da ex-esposa de Sandy, as tragédias seguem firmes até os últimos momentos da série.
Vemos ainda um Kominsky menos egoísta e mais centrado em sua filha. A produção repete um dos maiores acertos de sua primeira temporada, que são os episódios contínuos, como um grande filme. É no final que ele realiza seu grande sonho de participar de uma adaptação cinematográfica de sucesso. Dentro das telas, o Emmy veio para o protagonista e uma de suas alunas. Agora, nos resta esperar até setembro para ver se a vida irá imitar a arte, garantindo alguma estátua pelo fim de O Método Kominsky. – Ana Júlia Trevisan
Master of None Presents: Moments in Love (3ª temporada, Netflix)
A jornada de Master of None pela TV não foi simples. Depois da estreia em 2015, e a segunda temporada dois anos mais tarde, os elogios ao brilhante trabalho de Aziz Ansari e Alan Yang não foram poucos, rendendo dois Emmys de Roteiro e uma subida invejável à fama. Tudo mudou quando Ansari foi acusado de abuso, afastado dos holofotes e colocado na geladeira. E as proporções tomadas foram maiores do que em casos onde os denunciados são homens brancos. Tempos depois, novas informações vieram à luz, explicando a natureza do episódio de denúncia.
Fato é que o nome do comediante manchou qualquer obra e ele vinculada. Em meio aos anúncios de Maio de 2021, a Netflix deixou de fora a terceira temporada de Master of None, então lançada quatro anos após a despedida entre Dev e Francesca na triste Nova Iorque invernal, e inclusive soltando os episódios em um domingo, fora do habitual calendário que reserva grandes obras às sextas-feiras. Sem o personagem de Aziz no posto de protagonista, a nova (e menor) leva de capítulos colocou Denise, a brilhante Lena Waithe, como pivô da trama, reservando ao criador o posto de diretor e roteirista, com a própria Waithe coescrevendo os textos.
Denise e sua esposa Alicia, papel da expressiva Naomi Ackie, são o foco de Master of None Presents: Moments in Love, uma jornada dramática pela relação do casal, desde os momentos felizes na fazenda afastada do centro da Grande Maçã, até os percalços que mulheres negras e lésbicas enfrentam ao tentarem ter um bebê. A comédia fica no passado, com os episódios se estendendo entre vinte e cinquenta e tantos minutos, sem respiro para as habituais gargalhadas que eram sinônimo do seriado. Para dar cabo ao primoroso produto que nutriu até que lhe fosse tirada a oportunidade, Aziz Ansari inverte expectativas e oxigena o núcleo cômico de Master of None, mantendo a essência da busca pela felicidade e da autorrealização, dessa vez pela ótica dos trintões. – Vitor Evangelista
The Underground Railroad: Os Caminhos Para a Liberdade (Minissérie, Amazon Prime Video)
As palavras que eu conheço se mostram insuficientes para compreender The Underground Railroad: Os Caminhos Para a Liberdade. O novo lançamento do Amazon Prime Video é a primeira produção seriada do brilhante Barry Jenkins (Moonlight e Se a Rua Beale Falasse), que agora leva sua arte audiovisual para as telas do serviço de streaming, fazendo valer, mais uma vez, o clamor de seu trabalho. A obra da vez é adaptada de um premiado livro homônimo, baseado numa história real dos tempos pré-Guerra Civil nos Estados Unidos a partir de um olhar próximo que, como o próprio diretor pontuou, calibra a perspectiva da história da escravidão na América.
Mas é um erro tamanho assumir essa narrativa como monotemática. The Underground Railroad acompanha a jornada de Cora Randall (Thuso Mbedu, um talento absoluto encontrado por Jenkins) em busca de sua liberdade e autonomia, tanto em relação à sua condição de escrava, quanto às suas questões pessoais de identidade num tempo de apagamento da humanidade de seu povo. Os longos e vagarosos 10 episódios trabalham para não reduzir seus personagens (com destaque para as interpretações de Joel Edgerton, William Jackson Harper, Aaron Pierre e Sheila Atim), seus arcos, seus assuntos e seus debates. Muito pelo contrário, toda a dimensão das suas existências são abarcadas.
Assim, não é fácil acompanhar a história e a trama não busca simplificar seus caminhos em momento algum. Entre violências sufocantes e belezas ofegantes, a minissérie marca a identidade de seu criador, que bem sabe que existem coisas que alguns de nós jamais iremos compreender. Mas o que é o trabalho de um artista se não manejar as nossas percepções? Diálogos, ações, cenas, olhares, enquadramentos, sons e até canções… Nada está ali à toa. The Underground Railroad: Os Caminhos Para a Liberdade é um trabalho livre, e é um trabalho de Arte. – Raquel Dutra