Adriana Calcanhotto viaja pelo mundo Errante

Capa do álbum Errante, de Adriana Calcanhotto. A foto da cantora em um modelo 3:4 está no centro da imagem, em volta vemos carimbos de vistos de vários países e na parte inferior o nome da artista e o nome do álbum grafado em letras características de documentos.
A capa do novo disco de Adriana Calcanhotto tem fotos de seus próprios vistos (Foto: Modern Recordings)

Guilherme Dias Siqueira

Viajar sem rumo, conhecer um novo lugar a cada mês, ser um cidadão do mundo. Com sete passaportes completos e dezenas de vistos, Adriana Calcanhotto nos traz uma experiência nômade no universo da Música Popular Brasileira em seu décimo terceiro álbum, Errante. Pode parecer contraditório, mas, apesar do título e da temática, se há algo que Calcanhotto sabe é onde quer chegar e, especialmente, de onde veio.

Errante foi concebido no olho do furacão que foi a pandemia de Covid-19, mais especificamente em 2021, sendo, segundo a própria compositora, o projeto com o tempo de produção mais longo de sua carreira. O isolamento transformou o pensamento da cantora sobre si mesma e sobre as escolhas que a levaram a errar; não no sentido de cometer erros, mas, na origem latina da palavra, de vaguear literal e metaforicamente.

A artista está no centro da imagem observando as cortinas brancas, está sorrindo, ela veste uma camisa branca e tem uma tatuagem de uma estrela de Davi no pulso direito
Adriana Calcanhotto se aventura por suas ancestralidades (Foto: Modern Recordings)

O contexto de celebração do fim da pandemia está muito presente nas faixas Levou para o Samba a Minha Fantasia e Era Isso o Amor?. A primeira tem algo de teatral com a harmonia da percussão somada ao som do violão que realça o frescor do último respiro de carnaval antes da pandemia. Já a segunda descreve um amor ardente que também nos faz entrar em combustão em termos de musicalidade e calor, já que suas pitadas de rock enunciam uma paixão cálida que apenas uma poeta como Calcanhotto poderia descrever antes da pandemia. 

Outros focos do álbum são identidade, pertencimento e história própria, pelo qual a  artista descreve seu ponto de partida da jornada, valorizando todas as suas ancestralidades, como sua ascendência judaica sefardita, recém-descoberta. O ritmo que desacelera ao “cruzar desertos” e acelera ao nos levar ao “mundo da lua” – onde habita uma mente tão criativa – traz conforto, porém, na insegurança da artista em se ver “impostora” em tudo que faz. 

Em um jardim, o clipe de Larga Tudo embala quem ouve em um samba reconfortante, que também remete às raízes da cantora, mas com um eu lírico que agora pede o desapego. Horário de Verão carrega um certo aconchego de uma lareira e um chá quente numa tarde fria, que gera grande contradição ao título. Talvez a ausência do excedente da luz do dia propiciada pela estação seja o que mais se encaixe nas notas delicadas da música, uma das mais sentimentais do disco.

A artista está flutuando numa piscina azul, de vestido, olhando fixamente para a câmera.
A cantora é influenciada por diversos ritmos e estilos musicais da América Latina (Foto: Modern Recordings)

Continuando no tópico de identidade, poucas vezes Adriana Calcanhotto foi tão pessoal quanto em Quem Te Disse?, na qual novamente ela referencia sua origem sefardita para falar de rejeição e do feminino. Todas as  características da canção são artifício para perguntar: “Quem te disse que o amor vê diferenças?”. Se com mais de 30 anos de carreira o etarismo poderia se tornar um um obstáculo, como  cita na composição – “mesmo se eu fosse moça” –, a música ainda flui em melancolia quando nos lembra que a sociedade inferioriza as mulheres e cria exigências artificiais que, mesmo cumpridas, nunca são suficientes.

 Lovely é uma viagem ao exterior que a artista bem conhece e já conquistou. Desde 2006, quando ganhou o primeiro de seus cinco Grammys Latinos com o disco infantil Adriana Partimpim, ela vem sendo reconhecida como uma das grandes expoentes da música do Brasil para o mundo. A faixa mergulha em um ritmo de bossa nova sutil e discreto, que suavemente ajuda o ouvinte a viajar também no tempo em sua sonoridade tridimensional.

Adriana Calcanhotto mastiga uma margarida no clipe de Era Isso O Amor?
O estilo de vida nômade está no subtexto de todas as canções (Foto: Modern Recordings)

As melodias melancólicas que se inserem no projeto ecoam um tom triste de despedida e que, junto de Horário de Verão e Quem te Disse?, contrastam do resto do obra, que tem um soar mais alegre e positivo. A presença dessas canções, como Reticências, enriquecem o álbum de forma a nos preparar para o encerramento dessa viagem, assim como instauram seu propósito. A reflexão sobre o caminho percorrido por quem escolhe uma vida sem âncoras, descobre que “deixar a solidão sozinha e caminhar” é um ato de coragem libertador que revela que ser errante não é sinônimo de solidão. No entanto, ficar estacionado num mesmo lugar por muito tempo, sim.

Nômade finaliza sua jornada musical no lugar onde todo o espírito do álbum vive. Seu ritmo constrói a ideia de um balançar de passos, conquistando essa sensação com os mais variados instrumentos, desde o coquinho ao trombone. Como entoado pela sua autora, a “casa é corpo” porque é móvel, sendo a única coisa que todos temos e que todos carregamos. E por versos como esses, a obra de Adriana Calcanhotto fica mais rica a cada sílaba que ela profere, como se fosse algo involuntário, de sua própria natureza – tal como ser uma das maiores cantoras brasileiras vivas.

Se se sentir sozinho, Fale Comigo

Fale Comigo estreou no Festival de Sundance de 2023, onde foi adquirido pela A24 para ser distribuído nos Estados Unidos, e passou pelo Festival de Berlim (Foto: Diamond Films)

Vitória Gomez

Vivendo na linha tênue entre mainstream e marginal, o Cinema de Horror encontrou terreno fértil no público nos últimos anos. A A24 é um dos exemplos de produtora e distribuidora independente que, dando liberdade criativa para seus realizadores, lançou sucessos instigantes à audiência e à crítica, e pareceu reacender uma chama que sempre existiu no gênero, geralmente renegada ao lado B. Assim, a produtora assumiu um papel relevante em catapultar ao estrelato obras discretas sob o seu merecido selo de qualidade. Foi o caso de Fale Comigo: chegando aos cinemas mundiais já sob o título de “melhor terror de 2023”, o longa de estreia dos irmãos RackaRacka saiu da Austrália para ganhar o mundo mostrando tudo que o Horror sempre teve a oferecer.

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Racionais MC’s: o legado das ruas em um documentário

Fotografia retangular com o fundo branco. No centro estão os quatro membros do grupo Racionais Mc´s. Da esquerda para a direita tem-se Edi Rock, KL Jay, Mano Brown e Ice Blue. Todos usam calças, camisetas e jaquetas brancas, exceto Kl Jay que usa calça e camiseta preta. Os quatro homens são negros de estatura mediana, olham fixamente para frente com expressões sérias.
A valorização de uma estética única entre o grupo funciona como uma forte ferramenta no incentivo da autoestima da população negra (Foto: Jef Delgado)

Julie Anne Alves

Com mais de trinta anos de estrada, premiações internacionais e canções que salvaram gerações, o grupo de rap Racionais MC’s  foi contemplado com o documentário Racionais: Das Ruas de São Paulo pro Mundo, disponibilizado pela Netflix. Dirigido por Juliana Vicente, o longa estreou na plataforma em Novembro de 2022 como um dos mais acessados mundialmente, e conta, em pouco menos de duas horas, a história do quarteto a partir do olhar dos membros e de quem os acompanha ao longo dos anos. 

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