Era Uma Vez em… Hollywood, a nona e mais recente obra de Quentin Tarantino, está completando cinco anos de estreia. Com dez indicações ao Oscar 2020, o longa ganhou as estatuetas douradas de Melhor Direção de Arte, assinada por Barbara Ling, e de Melhor Ator Coadjuvante para Brad Pitt. O filme é uma envolvente viagem no tempo para uma idealizada e ensolarada Califórnia na década de 1960, onde o diretor utiliza calmamente o cotidiano para expressar seu amor pela Sétima Arte, retratando um cenário que respira Cinema.
Apostar em uma maior cadência depois do sucesso do primeiro filme, que foi inspirado no clássico Lady Snowblood, é um desafio. No entanto, Kill Bill – Volume 2mostra que essa foi uma escolha acertada ao encerrar a saga dando mais substância à protagonista. Quentin Tarantino nos surpreende ao diminuir a violência em tela, mostrando que o caminho que a personagem trilhava era em direção ao fim do ciclo sangrento em que ela vivia, mas que, paradoxalmente, exigia o sacrifício de mais alguns personagens.
“Você me disse que o medo sempre foi uma das minhas distrações favoritas. Essas loucuras minhas são das que você mais gosta, porque demonstram que ainda resta em mim algum resquício de infância. Não sou corajosa, mas em minha inconsciência jamais recuso o perigo, eu o busco para brincar com ele.”
– Silvina Ocampo
O final do ano se aproxima e o Clube do Livro não deixou a peteca cair. Se as relações humanas já permearam mais debates do que conseguimos contar em uma mão, a escolha do mês remexeu a abordagem do tema e desafiou os leitores do Persona. As convidadas, leitura selecionada para Outubro, tem as relações amorosas como ponto central da maioria de seus 44 contos de duração. O livro de Silvina Ocampo, porém, leva o absurdo a sério e o extrapola para explorar os tais relacionamentos.
Publicado no Brasil em 2022 pela Companhia das Letras, a coletânea de curtas histórias é tão surpreendente quanto é chocante. Ora sombria, ora cômica, Ocampo invade o costumeiro com o extraordinário e o inesperado. Na subjetividade de deixar seus pontos emaranhados em situações peculiares, escondidos sob o véu da interpretação de cada leitor, a escritora argentina rende material para teorias e debates através da lente do realismo mágico e da literatura fantástica, levando sua testemunha a apenas um passo de descobrir o que não pretende desvendar.
Assim como na obra, selecionada graças a parceria do Persona com a Companhia das Letras, Outubro talvez tenha sido o mês da antecipação no campo literário. Anunciada como convidada da Festa Literária Internacional de Paraty – tema garantido no próximo Estante -, a francesa Annie Ernaux recebeu o Nobel de Literatura pela “coragem e acuidade clínica com que descobre as raízes, os distanciamentos e as restrições coletivas da memória pessoal”. Uma das favoritas ao prêmio, Ernaux se tornou apenas a 17ª mulher a vencer a honraria, de 119 ganhadores desde 1901. Após a vitória, ela destacou que deve poder testemunhar “uma forma de equidade, justiça, em relação ao mundo”.
A mente por trás de Les Armoires Vides (1974), Os Anos (2008) e O Acontecimento (2000) – esse último, experienciado pelo Clube do Livro em Julho -, foi honrada pela forma com que mescla suas experiências de vida a temas de interesse coletivo, cunhado como “autosociobiografia”. Na primeira obra, por exemplo, a escritora reflete sobre classes sociais em uma inconstante França ao passo que narra seu próprio cotidiano no empreendimento da família no interior do país. A linguagem simples e direta, “cristalina”, de Ernaux também pode ser mencionada com um dos motivos do envolvimento arrebatador de seus textos.
Do âmbito global ao nacional, a antecipação se estendeu ao Prêmio Jabuti: um dos maiores reconhecimentos da Literatura e do mercado editorial brasileiro revelou seus finalistas na última semana do mês. Dentre os 10 concorrentes em cada categoria, divididas nos eixos de Literatura, Não Ficção, Produção Editorial e Inovação, a de Romance Literário se destacou. Com 8 dos 10 nomes que chegaram ao corte final sendo autoras mulheres, a lista dos 5 indicados ao troféu foi ainda mais positivo. Mas isso é tema para o próximo mês. Dentre as menções, Natalia Borges Polesso concorreu pela terceira vez (a segunda na categoria), agora com A extinção das abelhas. Andréa del Fuego, por A pediatra, e Aline Bei, por Pequena coreografia do adeus, ambas conhecidas do Persona,também integraram a lista.
Já na língua portuguesa como um todo, o Prêmio Camões 2022 laureou o ensaísta e poeta Silviano Santiago. Autor dos ensaios O entre-lugar do discurso latino-americano, O cosmopolitismo do pobre e As raízes e o labirinto da América Latina, o escritor mineiro levou seis vezes o Prêmio Jabuti e o prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras. Agora, soma o Camões a sua estante, pelo conjunto de sua obra. Dentre os cotados do Brasil, Portugal e países africanos de língua portuguesa, Santiago é o 14º brasileiro a fazer parte da curta lista de vencedores; em 2021, quem recebeu a honraria foi Paulina Chiziane, de Moçambique.
Entre reconhecimentos e antecipações, o Clube do Livro segue atento aos próximos destaques vindos do Jabuti e aos debates fundamentais suscitados na Flip 2022, que pautarão a Literatura pelos próximos meses. Enquanto isso, é a Editoria do Persona quem indica as leituras do final do ano.
Era uma vez um diretor consagrado e com promessa de aposentadoria. Em seu nono filme, esse mesmo diretor decide voltar ao fim da década de 60. O auge do movimento hippie e o declínio da Era de Ouro do cinema norte-americano. Quentin Tarantino não brinca em serviço e chega aqui em seu trabalho mais otimista, quase um sonho distante, de alguém que é apaixonado pela arte que produz.