Em competição na seção Novos Diretores da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Antoine Chevrollier nos conduz, em alta velocidade, pelos caminhos poeirentos do amor e luto em La Pampa. Ao contrário de Close (2022) e O Segredo de Brokeback Mountain (2005), aqui, a protagonista é a juventude – imprudente, vulnerável e, tragicamente, exposta às crueldades do mundo. A combinação da direção de Fotografia de Benjamin Roux e a montagem de Lilian Corbeille nos deixam em estado de alerta constante, mesmo confortáveis em uma cadeira de cinema.
A Arte precisa sempre ser inovadora? Essa pergunta guiou a discussão de muitos fãs, especialistas e entusiastas de cultura pop ao escutarem Something To Give Each Other. Troye Sivan, em seu terceiro álbum de estúdio lançado em Outubro de 2023, nos leva a uma viagem dançante, eletrizante e intimista, que celebra a liberdade de expressão queer. Longe de ser inovador e revolucionário, o álbum é o que se propõe a ser: pop.
Os apartamentos de um subúrbio londrino são palco de opressão e violência. Dentro das paredes de um quarto azul, habita a tranquilidade e doçura de um romance púbere entre dois garotos: Ste (Scott Neal) e Jamie (Glen Berry). No mundo confortável de ambos, dedos passeiam através da pele e a câmera do longa de estreia da diretora Hettie MacDonald (Normal People) revela muito mais do que palavras conseguem. Delicada Atração (Beautiful Thing, no original) é um retrato cru de vivências homoafetivas, mas que não abandona o otimismo.
Desde sua estreia em 2004, The L Word estabeleceu-se como um marco na representação LBGTQIA+ na Televisão. A série, que durou até o ano de 2009, conta a história de um grupo de amigas lésbicas e bissexuais que vivem na cidade de Los Angeles. O seriado tem dramas quentes, provocativos e repleto de diálogos inteligentes e personagens ricamente desenhados.
Aclamada por alguns e odiada por outros, The L Word: Generation Q (no original)nasce como uma continuação do seriado icônico. A obra, lançada quase 15 anos após a primeira, retoma sua narrativa e retorna com personagens excepcionais como Bette Porter (Jennifer Beals), Alice Pieszecki (Leisha Hailey) e Shane McCutcheon (Katherine Moennig).
Mais um ciclo chega ao fim, um que foi forçado a terminar antes da hora. Nós sabemos que uma hora tudo vai acabar, mas é sempre mais triste quando precisamos nos despedir mais cedo. E assim, The Owl House – A Casa da Coruja, em português – se encerra, antes da hora e deixando saudades, mas mostrando como uma animação tem capacidade de tocar profundamente seu público.
Ambientada em uma visão extremamente colorida do ensino médio, Sex Education sempre ancorou sua narrativa em um ditado simples, mas poderoso: o sexo e toda a ansiedade que o envolve são fundamentais para o senso de identidade de cada adolescente. Ao abraçar sem pudores o potencial didático de sua premissa, cumprindo a promessa provocativa do título em cada um de seus episódios, a quarta e última temporada da série encerra organicamente o ciclo e enfatiza que seu espaço no topo foi conquistado desde o início, o que muitos já sabiam.
(Alerta de gatilho: O texto a seguir contém discussões sobre tópicos sensíveis abordados no filme, como homofobia, transfobia e ideações suicidas)
Iris Italo Marquezini
“A todas as garotas monstros” é a sensível dedicatória que abre a graphic novelNimona, vencedora de um Prêmio Eisner em 2016. Essa frase já de cara recepciona e prepara o leitor para o que vai vir: uma história feita para enaltecer pessoas enérgicas que definitivamente não se encaixam. Ao longo dos anos, cada vez mais pessoas foram descobrindo o quadrinho de ND Stevenson e se apaixonando pelo jeito frenético e violento da metamorfa mais pilantra dos últimos anos. A adaptação, lançada pela Netflix, fez a personagem cair no gosto popular de vez e com absoluta razão: é um filme fantástico e mágico em todos os aspectos.
“Você pensou que eu deitaria e morreria?/Oh não, eu não. Eu vou sobreviver/Enquanto eu souber como amar/Eu sei que permanecerei viva/Eu tenho minha vida toda para viver/Eu tenho meu amor todo para dar e/Eu vou sobreviver, eu vou sobreviver”
– I Will Survive (Gloria Gaynor)
O ser humano pode não nascer programado para certos comportamentos, mas os aprende tão cedo que pode sentir, em seu íntimo, que as coisas apenas são dessa maneira. O desejo de pertencer, resquício fundamental do desenvolvimento em grupos, é tão latente que se transforma em uma vontade dupla de ser aquilo que é aceitável ou ao menos parecer ser. Lançada ao mundo pela primeira vez há 130 anos, a revista Vogueimprime o que seu próprio nome diz. Registrando e, talvez, ajudando a ditar o que está em alta, a publicação estadunidense foi, por incontáveis vezes, inacessível a uma parcela da população, que podia apenas se projetar nela, como um sonho.
Tal projeção se via em uma sombra, refletindo aquilo que brilhava, mas o objetivo nunca foi copiar fielmente. Ao imitar as poses das modelos da Vogue em uma espécie de duelo, o grupo que participava das balls se apropriou daqueles movimentos, criando algo único. O Voguingse tornou algo muito além da revista, mesmo que seus nomes ainda possam ser assimilados. Esse ato de reconstruir, verbo que sempre fez parte dessa cultura, foi o que reinventou e revolucionou o que é ser uma pessoa da comunidade LGBTQIA+ em sua época de fundação, trazendo identidade, força e conexão até o presente.
Vivemos em um país em que os ecos da homofobia, institucionalizada e articulada pelas principais ferramentas de poder, podem afetar até mesmo a relação de uma mãe e um filho na periferia da Baixada Santista. Um discurso que está socialmente arraigado de tal forma, que é capaz de levantar entre eles uma barreira quase intransigível, em nome de uma luta que opera contra seus próprios interesses. Pedágio, filme nacional que chegou aos cinemas em Novembro, assume todas as facetas desse fenômeno, através de uma trama que não poderia irromper de outra forma, que não em um humor tragicamente mordaz.
Por que estamos lutando por um pedaço de torta se a torta está podre?
– Alison Bechdel
O desastre de Chernobyl, a guerra Irã-Iraque e o corte mullet foram alguns episódios hediondos que fizeram dos anos 1980 um período inesquecível para o mundo. No entanto, o posto de maior atrocidade da década foi designado à Alison Bechdel, cartunista estadunidense que ousou ganhar as páginas dos jornais com tirinhas sobre uma ameaça maior do que qualquer explosão nuclear: lésbicas. Em uma singela homenagem, a editora Todavia publica uma coletânea, traduzida por Carol Bensimon, das principais histórias da série Perigosas Sapatas, cuja essência está em um grupo de amigas lésbicas praticando atos tenebrosos tais como trabalhar e lavar a louça. No fim, elas são perigosas para quem?