Mariana Nicastro
A juventude é a fase da intensidade. De dramas, sensações, desejos e sonhos. Nela, as amizades são eternas, os amores são infinitos num dia, efêmeros no outro, e os problemas são o fim do mundo. É a fase da rebeldia e das descobertas. Há 15 anos, Skins (UK), ou Juventude à Flor da Pele, explorou tudo isso de forma intimista, sob perspectivas de distintos jovens ingleses que tinham uma coisa em comum: a consciência de que crescer não é fácil, mas que amizades, família e empatia tornam o processo menos cruel.
Skins (UK) é uma série britânica de drama adolescente lançada em 2007 no canal inglês E4. No Brasil, ela foi transmitida pela HBO, VH1, MTV e Multishow e, atualmente, se encontra disponível na Netflix. Criada por Bryan Elsley e seu filho Jamie Brittain, suas 7 temporadas apresentam três gerações de grupos de amigos. Cada um deles com características únicas, personalidades, desafios e problemas diários para lidar. O grupo de roteiristas para os episódios também era de jovens, e Elsey dizia que “é tudo sobre a escrita. […] Nosso objetivo é deixar nossa audiência saber que eles não estão sozinhos”.
Meu filho havia acabado de largar a faculdade, então ele se uniu ao time de roteiristas, junto de todos os membros do seu flat estudantil”, diz Elsey sobre o surgimento de Skins. Brittain sugeriu que o pai criasse uma série sobre adolescentes, mas uma que realmente significasse algo. Escrita e atuada, de fato, por jovens, diferentemente de outras produções do gênero. Assim, atendendo a seu pedido, o diretor encaminhou a ideia ao canal E4, que a abraçou e deu andamento ao projeto.
Por se tratar de uma obra escrita por e para jovens, lançada nos anos 2000, Skins rompia com qualquer conservadorismo ao tratar dos mais diversos assuntos sem pudor ou moderação. Problemas familiares, doenças mentais, sexualidade, questões de gênero, abusos de substâncias, bullying e até mesmo a morte e o luto eram evidenciados pelos personagens em tela, revelando atitudes destrutivas e situações delicadas – muito antes de Elite (2018) ou Euphoria (2019) surgirem.
Os temas da série nunca foram leves, mas contrastavam com seus personagens verdadeiros, cômicos, divertidos, imaturos e ingênuos. “Não me ocorreu que Skins era sombria, mas é claro que era. Eu assumi que se você está fazendo um drama, tem que incluir coisas obscuras, ainda que também tenha muita luz em Skins”, disse Jamie Brittain para o The Guardian.
Cada episódio é focado em um indivíduo do grupo principal de amigos, evidenciando seus problemas pessoais, desafios e paixões. Eles podiam ser desajustados, populares, novatos ou veteranos, mas todos tinham demônios próprios e histórias para contar. Essas narrativas e personalidades tão variadas muitas vezes rompiam com estereótipos da adolescência na TV, tornando inevitável a identificação com um ou mais deles, além da sensação de representação na trama.
Tudo começou com Tony (Nicholas Hoult), um garoto manipulador e popular que tenta ajudar seu melhor amigo Sid (Mike Bailey), cujos problemas de autoestima não permitem que ele perca a virgindade. Sid secretamente tem uma queda por Michelle (April Pearson), namorada de Tony, enquanto é o crush de Cassie (Hannah Murray), uma garota excêntrica que enfrenta distúrbios alimentares.
Completam o grupo: o carismático – e viciado nas mais diversas substâncias – Chris, a musicista Jal (Larissa Wilson), os melhores amigos Maxxie (Mitch Hewer) e Anwar (Dev Patel), e a irmã mais nova de Tony, Effy (Kaya Scodelario). Suas tramas funcionam isoladamente, mas também se entrelaçam e permitem interações agradáveis de acompanhar ao longo das duas primeiras temporadas, as quais são ocupadas pela primeira geração de personagens.
O grupo introduziu o formato e a essência da série, e seu elenco se tornou icônico e marcante, sendo por vezes lembrado como favorito pelos fãs. Mesmo assim, a série retornou em uma terceira e quarta temporadas, com novos enredos e personagens tão interessantes e envolventes quanto seus antecessores.
Do elenco original, apenas Effy continua presente no segundo grupo. Não mais como a retraída garota da primeira temporada, agora ela é a líder rebelde no meio de um triângulo amoroso – afinal, séries teen adoram um triângulo amoroso. Nas outras pontas estão o desajustado Cook (Jack O’Connell) e Freddie (Luke Pasqualino, muito antes da sua participação em Sombra e Ossos), atormentado por transtornos familiares. Naomi (Lily Loveless) ganha destaque com sua busca por autoconhecimento, personalidade forte, e seu romance com Emily (Kathryn Prescott), que é um dos pontos principais da temporada.
Além delas, Thomas (Merveille Lukeba), Pandora (Lisa Backwell), Katie (Megan Prescott) e JJ (Ollie Barbieri) fazem parte da nova fase, com temáticas que alternam entre o trágico e o cômico. A instabilidade é uma constante. Todos estão sujeitos a falhas e acertos, e os jovens permeiam entre a busca por diversão e amor, e as infelicidades no meio familiar, escolar ou emocional.
Skins aborda muitos distúrbios psicológicos e revela seus densos efeitos, assim como a recorrência às drogas e demais atitudes danosas à saúde. Muitos personagens enfrentam uma jornada semelhante a de Rue Bennet (Zendaya) em Euphoria, pois alguns chegam ao fundo do poço, ascendem, com a ajuda certa, e se encontram novamente. Outros têm destinos caóticos e funestos, partindo o coração do espectador com seus declínios desastrosos ou encontros com um acaso letal.
Definitivamente, seus temas podem ser pesados e desencadear gatilhos, por isso a série não é indicada para pessoas que se encontram vulneráveis. Ainda assim, ela consegue sempre contextualizar essas abordagens. Mesmo os momentos mais obscuros não existem sem motivo ou sem propósito, mantendo Skins firme à mensagem que deseja passar. Ainda que a faça de maneira fúnebre e exorbitante, seus personagens são humanos, lidam com altos e baixos, e buscam desenvolvimento, redenção e crescimento.
Prudente, Skins sabia misturar e equilibrar os arcos dramáticos de cada um dos jovens com suas boas doses de humor ácido e sarcástico. Essa característica também pode ser evidenciada na recente – e também inglesa – Sex Education, ainda que a produção original da Netflix aborde seus temas sensíveis com maior cautela e leveza, pendendo mais para o humor do que para o drama.
Essa diferença, contudo, não torna a criação de Elsley e Brittain inferior, e sequer diminui a importância de sua abordagem. Muito pelo contrário, Skins é extremamente intensa e reproduz toda a fragilidade, urgência e complexidade dessa fase da vida que é a adolescência. Ela explora as camadas de cada indivíduo, suas qualidades, defeitos, fraquezas e virtudes, permitindo que o telespectador adentre pensamentos e perspectivas de forma sensível. Sua representação é instável, oscilante e profunda, assim como a vivência da juventude, reforçando, assim, a identidade e o espírito da série.
A produção ainda conduz uma imersão em uma Inglaterra dos anos 2000 e, mesmo para quem não era adolescente, de fato, em 2007, a série transmite a sensação de nostalgia. Seja nas relações entre os amigos e suas rotinas – em um período menos dominado pela tecnologia -, nos figurinos, músicas, ou nas enérgicas cenas de festas. Até as naturais e espontâneas interações banais entre os personagens transbordam as telas e permitem identificação e afinidade do público.
Trabalhar com jovens têm seus desafios e exige normas específicas. Uma grande crítica feita, não apenas a esta série, como a outras criações da época, é a falta de cuidado e proteção a adolescentes, assim como ao uso de suas imagens. Afinal, a identificação dos telespectadores também se dá pela representatividade, aceitação, e pelo rompimento de padrões estéticos, tão presentes nas ficções. April Pearson, que interpretou Michelle nas primeiras temporadas, e Laya Lewis, que deu vida a Liv nas últimas, declararam recentemente a pressão para que o elenco feminino se encaixasse em um padrão de beleza – essa que envolvia dietas restritivas e coerção psicológica.
Pearson e Lewis também criticaram a ausência de instruções e acompanhamentos durante cenas de sexo com coreógrafos de intimidade, função essencial para que atores sintam-se seguros e confortáveis nas cenas gravadas. As declarações foram dadas durante o podcast de Pearson (Are you Michelle, from Skins?), em que ela diz que se sentia muito jovem e desprotegida. “O fato de que hoje em dia você tem um coordenador de intimidade, que é uma norma como parte de gravar cenas de nudez e cenas íntimas… Isso simplesmente não existia”, completa a atriz.
Desde 2018 essa profissão se tornou fundamental em cena. É um cargo essencialmente feminino e ganhou força após o movimento #MeToo, em que diversas mulheres do meio artístico relataram casos de abusos, assédios e desconfortos enquanto trabalhavam. Algumas ações tomadas por essas coordenadoras incluem esvaziar o set em cenas íntimas, garantir que atores e atrizes possam se despir com privacidade e receber orientações técnicas.
A terceira e última geração – que domina a quinta e sexta temporadas – é a menos querida pela maioria dos fãs. Ela apresenta forte subjetivismo, angústia e drama amoroso, sem trazer de volta nenhum personagem já existente no universo de Skins, tendo atores completamente novos. Aqui, destacam-se Mini (Freya Mavor), que rompe com o estereótipo da garota popular e mimada, e Alo (Will Merrick) e seu melhor amigo Rich, cujo visual punk contrasta com a doce e graciosa Grace (Jessica Sula), por quem ele se apaixona.
Há também a novata e controversa Franky (Dakota Blue Richards), o caótico Matty (Sebastian de Souza), Nick (Sean Teale) e a já citada Liv, interpretada por Lewis. A geração ainda apresentou o antagonista Luke, vivido por Joe Cole (Peaky Blinders). Por mais que a quinta temporada tenha um foco maior em discussões sobre sexualidade, conflitos entre amigos e família, e seja conhecida por ser mais tranquila e branda, sua sucessora conseguiu finalizar o legado de Skins com drama intenso. O casal Rich e Grace se consagrou como um dos mais sinceros e queridos da série, e o gosto amargo no fim se dá pelo desejo de um final feliz que não se estendeu a todos os amigos do grupo.
Os episódios especiais que marcam a sétima temporada da série, denominada Skins Redux, mostram o futuro de Effy, Cassie e Cook, e são intitulados “Fire”, “Pure” e “Rise”, respectivamente. De início, eles tiveram aproximadamente duas horas de duração cada um. Agora, adaptados ao formato da série, todos se encontram no catálogo da Netflix, divididos entre parte 1 e 2. Skins ganhou o público e também as críticas, estando entre as favoritas de muitos, até os dias atuais. Contudo, foi durante as primeiras temporadas que ela venceu o BAFTA de Melhor Série Dramática em 2008 e de Audiência, em 2009.
Diversas outras produções com foco no coming-of-age, assim como Skins, desabrocharam a fim de continuar gerando representatividade para jovens no meio audiovisual. São esses, filmes e séries que abordam desafios e vivências de jovens prestes a encararem a vida adulta, como Lady Bird (2017) e As Vantagens de Ser Invisível (2012) nos cinemas e, Atypical (2017), Young Royals (2021), Eu Nunca… (2020), Anne With an E (2017) e as já citadas Euphoria e Sex Education, além de muitas outras, que estão dominando os streamings.
Obras como essas ajudam jovens a crescerem conscientes de que não estão sozinhos e de que mais adolescentes enfrentam problemas similares aos seus. Skins também demonstra como as trajetórias humanas são marcadas por fases passageiras e que, por mais assustador que alguns momentos possam parecer, eles não duram para sempre. No final das contas, a mensagem da série inglesa, após seus 15 anos, mantém-se a mesma: a vida é feita de inconstâncias e montanhas-russas, não só de momentos alegres ou tristes, e sim da mistura entre ambos. É isso que permite as memórias inesquecíveis, mas também o amadurecimento.