Omikron: o jogo de David Bowie

David Bowie como personagem de Omikron

David Bowie como personagem de Omikron

Matheus Fernandes

O artista britânico David Bowie é normalmente lembrado por sua lendária carreira musical, sua influencia na moda ou seus filmes. Poucos mencionam sua incursão no mundo dos jogos eletrônicos, com Omikron: The Nomad Soul, lançado em 1999 para Windows e Sega Dreamcast.

Ainda que a ideia pareça improvável, Bowie andava entusiasmado pelas possibilidades tecnológicas do meio. O artista declarou sua admiração por Lara Croft (Tomb Raider), e pela possibilidade de compor trilhas sonoras para além do cinema, onde já havia realizado “Cristiane F” e “Labirinto”. A participação de seu filho Duncan (Moon, Warcraft) contribuiu também.

A história do jogo se passa em uma cidade futurista, Omikron, com uma estética cyberpunk híbrida entre “Blade Runner” e “O Quinto Elemento”, repleta de carros que flutuam, construções gigantescas, placas em idiomas orientais e comerciais vaporwave de bebidas químicas. O player, em uma quebra da quarta parede, transfere sua alma para o corpo de um policial de nome estranho, Kay’l 669, que investiga uma série de assassinatos. Conforme a trama se desenrola, outros elementos começam a aparecer, como religiões ancestrais, um governo distópico, demônios e rebeldes digitais, em um grande plano para roubar a alma dos humanos que jogam o game.

O gameplay traz uma mistura incomum e pouco funcional de gêneros, alternando entre o Fighting, o Tiro em Primeira Pessoa e a exploração típica dos jogos de aventura do período, como Shenmue. Outro aspecto interessante é a possibilidade de reencarnar em pessoas diferentes a cada morte, assim como Bowie e suas Personas, dando sentido à alma nômade do título do jogo.

Os controles são extremamente anti-intuitivos, sendo mais difíceis que os próprios puzzles da história. Comandos simples, como se mover de um ponto a outro, tornam-se grandes dificuldades, principalmente em combinação com a câmera do jogo, que segue o estilo datado dos primeiros jogos 3D. Esses problemas já eram apontados nas críticas da época, mas 16 anos e 6 versões do Windows depois tornam a experiência do jogo quase insuportável para os menos persistentes.

David Bowie aparece interpretando dois personagens. O primeiro, Boz, é uma entidade digital revolucionária com uma aparência glitcheada e pele azul, que combate o governo do jogo. Na época, Bowie elogiava em entrevistas a capacidade transformadora da tecnologia, principalmente a internet. Seu outro personagem é o vocalista sem nome da banda “The Dreamers”, que realiza shows ilegais pela cidade. Sua esposa, Iman, aparece como um dos personagens possíveis de serem reencarnados.

O músico criou oito canções para a trilha sonora, em parceria com o produtor Reeves Gabriel. O processo de criação foi descrito pelo designer do jogo como um mês trancado em um apartamento cheio de notas e imagens do jogo, discutindo intensamente o universo da obra. Eventualmente, a trilha sonora saiu do ambiente virtual, onde inclusive era possível comprar o disco dentro do jogo e escutar em seu apartamento digital, e se tornou “Hours…”, o 21º álbum de estúdio do cantor.

O álbum, com clima de rock contemporâneo, teve recepção mista, seguindo o resto de sua obra nos anos 90, mas representa um caso inovador de um álbum de um grande artista saído de um jogo. “Hours…” foi também o primeiro grande álbum a ser disponibilizado pela internet, mostrando a atualidade do artista mesmo em aspectos pouco lembrados.

Além de Bowie, outro nome importante estava envolvido na criação do jogo: o francês David Cage, responsável pelo estúdio Quantic Dreams. Escritor e diretor de “Omikron”, posteriormente revolucionaria os jogos eletrônicos como forma narrativa com os aclamados “Fahrenheit” e “Heavy Rain”, jogos focados na história e nas decisões, em detrimento ao gameplay.

Mesmo que esse tenha sido o único envolvimento direto de Bowie em jogos, sua influência se estende a outras obras do gênero. A saga Metal Gear traz referências frequentes, em personagens como Major Tom (Codinome de Zero no terceiro jogo e personagem de “Space Oddity”) e o grupo “Diamond Dogs” em MGS 5, referência ao álbum de mesmo nome. O quinto jogo inclusive abre com uma de suas músicas, “The Man Who Sold the World”, na versão cover de Midge Ure.

Outros jogos trazem sua marca: “Alan Wake”, jogo de terror de 2010, tem “Space Oddity” em seus créditos de encerramento. “Labirinto”, game de aventura da Lucasarts lançado junto ao filme, traz sua imagem. A série “Final Fantasy” tem dezenas de personagens inspirados na aparência do cantor, isso sem falar nas inúmeras aparições de sua obra nos questionáveis jogos musicais como “Rock Band” e “Rocksmith”.

“Omikron” falhou como jogo, foi mal recebido pela crítica e teve suas versões para Playstation canceladas. Mesmo assim, traz uma nova face do músico, uma persona eletrônica que vive eternamente em uma realidade virtual, ainda que exclusiva para os mais fanáticos dispostos a jogar, ou na forma de uma curiosidade para os demais. Para quem se dispõe a aventurar, Omikron está disponível nas plataformas Steam e GOG.

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