Raquel Dutra
Em setembro de 2015 o mundo conheceu Aylan Kurdi, um menino de 3 anos que fugiu com a família de uma cidade síria tomada pelo ISIS e morreu numa praia turística da Turquia. Sua situação foi capturada numa imagem que se tornou um símbolo da crise humanitária dos refugiados e fez com que a história da família de Aylan se tornasse internacionalmente conhecida. Mas, mesmo cinco anos depois do ‘despertar’ mundial para essa situação, pouco se sabe sobre os milhares de imigrantes que morrem às margens depois de deixarem seus países buscando condições mínimas de vida. E é exatamente esse ponto que O Pequeno Refugiado, longa exibido na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, busca abordar.
O drama escrito e dirigido por Batin Ghobadi (vencedor de um Urso de Cristal no festival de Berlim pelo curta Ask The Wind) imagina como teriam sido os últimos momentos de Aylan enquanto se escondia na cidade turca e planejava atravessar o mar com a família em direção à Grécia. Caminhando pelas vias tortuosas do realismo fantástico, o filme se inicia com o pequeno emergindo de seu próprio corpo e vagando incomunicavelmente pela cidade turca. Logo ele encontra Nebvar (Farshid Gavili), conhecido de sua família que já vive na cidade há mais tempo e que acaba de enterrar seu filho pequeno.
A história é construída a partir de algo parecido com um looping temporal, para demonstrar a universalidade da situação de Aylan naquele contexto de migração forçada como algo que se repete frequentemente. O menino se vê na praia, sem vida, procura pela sua família e encontra outros grupos de imigrantes, que também se arriscarão mar afora em jangadas precárias buscando atracar em uma terra segura.
É neste aspecto que mora a alma e a perdição do longa, que se faz entender depois de muito custo do espectador para juntar as peças do roteiro desalinhado. Alguns personagens surgem desnecessariamente, outras situações parecem desconexas da trama principal, ocorridos se confundem e no fim a obra parece indefinida. Talvez numa tentativa de gerar a mesma sensação de confusão e insegurança que acompanha aqueles grupos, O Pequeno Refugiado nos imerge em imagens grandiosas e silêncios solitários, mas as escolhas arriscadas de construção de narrativa comprometem a relação que poderia ser desenvolvida com o filme.
Visualmente, O Pequeno Refugiado enche os olhos. Fotografando o pequeno com planos grandiosos sob o céu estrelado e próximo aos barcos enormes atracados na praia, o filme cria um contraste de dimensões que ressaltam a pequenez e fragilidade de Aylan. Sem retratá-lo sob as caracterizações injustas de herói, forte e/ou sobrevivente, os olhos atentos do diretor de fotografia Morteza Najafi constroem uma observação importantíssima de ser destacada, ilustrando o menino e todas as crianças refugiadas que perdem o direito à vida como de fato são: seres que precisam de cuidados e segurança para além de apenas sobreviver.
É uma pena que o roteiro desajustado cause problemas a uma trama que é tão bem estruturada tecnicamente. Junto às imagens, a expressão perdida do pequeno despertam deixam-nos profundamente sensíveis ao que está por vir, que não faz jus às demais construções e não satisfazem nossas mentes que se encontram tão distantes daquela realidade. Mas em meio aos tropeços, a memória que O Pequeno Refugiado provoca de Aylan é constante e reacende nossa sensibilidade para com todos que padecem nesse cenário cruel que o longa reconstitui.