Eduardo Taddeo é cada vez mais vivo e necessário em meio ao caos político-social

Na pele, já é marcado: “Caminhando no Vale das Lágrimas” (Foto: Reprodução)

Matheus Braga

“Cada RG no gueto tem uma marca de terror/O sobrenome herdado do escravizador/Nosso gene prova o pior crime de todos os tempos/Quando a escrava era estuprada pelo senhor de engenho” ; “Você só vai ter democracia representativa/Quando a política for dominada pela periferia/Até lá, vai continuar sendo massacrado”. É assim que canta Eduardo Taddeo em  uma das 29 faixas  de seu novo álbum Necrotério dos Vivos, lançado no dia 11 de março de 2020.

Em 24 de agosto de 1975, Carlos Eduardo Taddeo nascia em São Paulo, filho de uma mãe faxineira que teve mais 3 além dele. Morou no Glicério, bairro da região central da cidade de São Paulo, teve uma infância conturbada e viu a criminalidade, a prostituição e a discriminação de perto. Sem perspectiva, abandonou a escola na quinta série.

Em 1989, ele e seu amigo Dum Dum fundaram um dos maiores grupos do cenário do Rap Nacional, o Facção Central. Mas foi apenas no ano de 1995 que o grupo lançou seu primeiro disco, chamado Juventude de Atitude, que trouxe relatos sobre a realidade nas periferias em que viviam, de uma forma muito expressiva e agressiva, falando sobre abuso policial e racismo.

Ao lado da MTV,  eles lançaram o álbum Versos Sangrentos e o clipe da faixa Isso aqui é uma guerra, que retrata o crime na visão dos criminosos e como o Estado os levou a praticarem tais atos. A música contém versos fortes como: “É uma guerra onde só sobrevive quem atira/Quem enquadra mansão, quem trafica”; “Aqui é outro brasileiro transformado em monstro/Semi-analfabeto, armado e perigoso”. Logo após algumas exibições, o clipe foi censurado – sendo acusado de fazer apologia ao crime.

No ano de 2013, Eduardo comunicou sua saída do grupo e deu início a sua carreira solo no ano seguinte com o disco A Fantástica Fábrica de Cadáver. Depois de alguns singles e clipes, o ano de 2020 chegou e Eduardo lançou seu segundo álbum, Necrotério dos Vivos, em março, contendo exatamente 29 faixas separadas em dois CDs. Assim como sempre fez, ele trouxe em suas composições uma visão revolucionária, militando em diversos assuntos que muitos rappers acabam não colocando em suas letras.

Ele vai além de criticar o governo Bolsonaro, o racismo estrutural, a desigualdade social e a violência policial. Eduardo fala muito sobre feminicídio, LGBTfobia, religião, Estado, pedofilia, estupro, falta de incentivo à educação, infância, dependência química, democracia e outras frentes, prezando sempre a liberdade e o respeito.

Eduardo Taddeo no colo de sua mãe, Maria do Rosário Pereira, homenageada na faixa Mês de Maio (Foto: Reprodução)

Algumas músicas chamaram mais a atenção do público nesse novo álbum, como é o caso de Mês de Maio, em que ele faz uma homenagem à sua falecida mãe que se foi há mais de 20 anos. Ele cita muitas situações emocionantes que falam sobre como era a relação dos dois e como o estado influenciou em sua morte.

Outras faixas também se destacam muito em meio ao álbum. Senhor Candidato é uma delas, em que Eduardo faz  uma crítica narrativa sobre um candidato político branco e elitizado próximo de uma eleição, com muito sarcasmo,  ativismo e crítica. Ele é sutil em cada verso, mostrando sua visão em relação aos políticos não-progressistas, que são a grande maioria nos palanques eleitorais.

ABC do feminicídio, também, é uma música em que ele narra em primeira pessoa um casal que se envolve num começo feliz, mas, logo depois, surgem os primeiros sinais de um relacionamento abusivo – as discussões, agressões, e abusos sexuais. Abordando o tema da violência doméstica, que muitas  mulheres sofrem todos os dias em suas casas, passando por todas as etapas que podem levar a um feminicídio, Eduardo mostra como o machismo está enraizado na sociedade. 

A dualidade de Eduardo na capa de Necrotério dos Vivos (Foto: Reprodução)

A lágrima da rosa é outra faixa que aborda o machismo, mas de uma forma diferente – relata um estupro sofrido por uma mulher, desde de como a polícia aborda o caso de uma forma despreparada até os traumas que a mulher carrega, afetando sua vida num modo geral. Eduardo expõe mais uma para muitos a importância de apoiar o movimento feminista, levando essa informação principalmente para a periferia.

Já música Órfão envolve a infância e a dependência química, onde relata uma criança com pais dependentes químicos e como o abuso policial colabora para o Brasil ser o país que mais mata usuários no mundo. Trata também sobre como a luta de classes também influencia, já que na visão da sociedade o usuário pobre e negro é diferente do rico e branco e também julga como o Estado elitista empurra as pessoas desfavorecidas para esse caminho, sem perspectiva, sem apoio e enxergando as drogas como válvula de escape.

Um disco que se mostra extremamente necessário nesse conturbado momento sócio-político em que vivemos, com um governo que possui pensamentos  que flertam com o fascismo, negacionista, que mente sobre arte, ciência e meio-ambiente. Eduardo traz em suas letras, muita dor, revolta e representatividade, com a esperança de revolução nas periferias. É impressionante como em cada verso ele toca em pautas importantíssimas, de uma forma racional para os ouvintes, fazendo com que as mensagens cheguem em qualquer classe ou nível intelectual. 

A periferia estampada no coração (Foto: Paulo Kalvo)

Eduardo Taddeo compõe letras analíticas, com uma visão evoluída de aspectos sociais evidentes, mas camuflados pelo governo e a sociedade capitalista. Artisticamente ele tem muita perspicácia e coragem para  abordar e explicar  certos temas com vocabulário literário na sua plenitude. Tanto em suas músicas, palestras ou livros, ele levanta bandeiras para representar à todes da periferia. Ele é a voz dos excluídos e que cada vez mais tenhamos “Eduardos” vivos.

 

Deixe uma resposta