KONGOS: a África do Sul no rock americano

Gabriel Chaves

Esse ano a banda KONGOS completou 10 anos do lançamento de seu primeiro álbum homônimo. De início, foi lançado na África do Sul, um dos países onde cresceram, pois segundo os próprios integrantes eles queriam primeiro testar a qualidade num mercado menor, antes de tentarem o sucesso nos Estados Unidos. Em entrevista, dizem que tinham medo de sofrer o que se vê em shows de talento na TV, onde a banda acredita de verdade ser boa, a família apoia, mas na verdade são horríveis, por isso a precaução do mercado menor.

O grupo é formado por quatro irmãos, sendo Johnny, Jesse, Daniel e Dylan Kongos, filhos do também cantor e compositor John Kongos, conhecido pela música “He’s Gonna Step on You Again”, que foi hit nos anos 70. A introdução dos garotos na música, quando crianças, foi dada pelo pai, naturalmente, e desde essa época eles já escolheram seus próprios instrumentos preferidos, que continuariam até a formação da banda.

Tendo apenas três álbuns, o primeiro é certamente o menos conhecido, até mesmo pelos fãs, devido principalmente ao fato de ter sido lançado apenas na África do Sul e também ser bem diferente dos sucessores em alguns aspectos. Apesar das diferenças, esse álbum já apresenta o estilo diferente da música e também algumas características peculiares que seguiriam no som da banda, como o uso recorrente do acordeão e as influências da música africana. Uma diferença notável entre o primeiro álbum e os outros dois é que nesse as músicas parecem ser mais equilibradas, sem os momentos de catarse no refrão por aumento de volume ou ritmo, ou a pegada mais agressiva. Os outros dois vão muito mais por esse caminho.

O aniversariante, ou primeiríssimo álbum

Sete anos depois do lançamento de Kongos, o segundo foi finalizado. Lunatic, nome dado em referência à letra de “I’m Only Joking”, estendeu o sucesso deles para os Estados Unidos e trouxe a música que até hoje faz mais sucesso que a própria banda: “Come With Me Now”. Ela foi apresentada pela primeira vez quando abriram um show do Linkin Park na África do Sul, e mesmo não tendo uma aceitação rápida pelo público, hoje é de longe a música mais conhecida; faz parte da trilha sonora de Os Mercenários 3, já foi música oficial do WWE e apareceu em séries e jogos.

Além de “Come with me now”, a participação deles no Lollapalooza em 2015 também aumentou muito a visibilidade do grupo, principalmente no Brasil, apesar de na época ainda não terem lançado o último álbum, Egomaniac, que só viria em 2016.

O estilo musical da banda é em grande parte influenciado pelo fato de terem crescido na África do Sul – apesar de parte da infância ter se passado também em Londres – como os próprios irmãos afirmam. Eles tentam misturar aspectos das músicas tradicionais sul-africanas com o rock americano, ao unirem a guitarra ao acordeão, por exemplo, que está fortemente presente nas músicas e as torna quase singulares. Além disso, algumas vezes o som da bateria remete a tambores, dando assim a impressão de que é uma música meio tribal. As próprias letras e o vocal de algumas fazem parecer uma espécie de ritual, como “Repeat after me” e “I’m only joking”, do terceiro e do segundo álbum, respectivamente.

Capa do segundo álbum e símbolo da banda

E essa ideia de misturar elementos de diferentes lugares e culturas na mesma música não se limita ao local onde cresceram. Recentemente em entrevista, Daniel disse que um futuro projeto contará com forte influência do tango, pois, segundo ele, todos os lugares que visitam e gostam acabam influenciando no que sentem e no que produzirão depois. Não à toa a banda declara abertamente seu amor pela Argentina, fazendo várias turnês no país e até incluindo ele numa música, “The world would run better”, em que a letra diz “Argentina é tão longe ao sul, eles deviam se mudar para mais perto de casa”.

Inclusive num show esse ano em São Paulo, em que eu estive presente, logo no começo o grupo pediu desculpas por estarem sem seus próprios equipamentos, pois tinham esquecido na Argentina, de onde tinham chegado naquele mesmo dia. Ao final do show eles demonstraram toda sua simpatia ao descer do palco e tirar fotos com os fãs, mas é válido mencionar que era um show pequeno e havia menos de 200 pessoas no local.

Eu e amigos com a banda (mais aquela luz errada que não veio ao caso no calor do momento)

Além da mistura de elementos, alguns temas em comum nas músicas também ajudam a criar um perfil para a banda. Fora o tema usual sobre amor ou romance, outros mais marcantes podem ser vistos com frequência, como críticas sociais e outras com temas mais reflexivos, como vazio existencial, sensação de não pertencimento. O primeiro álbum tem mais músicas que abordam esses temas, mas nele também já se podem ver os traços das críticas sociais que também seriam usados aqui e ali nos sucessores.

“Now I’m a million miles away
Thinking of what I’m trying to say
But nobody knows
And nobody cares”

No álbum Egomaniac há também um bom exemplo do aspecto mais triste e existencial, na música “If you could”, em que a letra leva a questionar os feitos da vida e a vontade de ser alguém diferente, de ser outra pessoa.

“If you could choose from a shelf
Would you take a new self?
But you know
Yeah you know that’s not how it works”

As críticas sociais aumentam depois, nos álbuns seguintes. As músicas “Repeat After Me”, “Autocorrect”, e “Sex on the radio” são alguns exemplos com críticas fortes a algumas características da sociedade atual, como a repetição como estratégia de convencimento de massa ou a tecnologia deixando as pessoas preguiçosas e sem noção de realidade. Em “Sex on the radio” a letra começa com “nós todos vivemos num show de talentos de TV, nos excitando com sexo na rádio”. Outro bom exemplo é esse trecho de “Autocorrect”:

I wanna get fucked up
And then hit undo
Get my head hooked up
To download some kung fu

I wanna be free
Of all responsibility
I want a TV
Right on my retina please

Como cada música é composta por um irmão, as letras e os ritmos podem sair bem diferentes em alguns casos, apesar de, como eles mesmos afirmam, todos os quatro terem o gosto musical bem parecido. Pode-se notar que muitas das letras têm um estilo mais calmo e reflexivo, talvez nostálgico, como algumas compostas por Jesse, que também é “culpado” de escrever aquelas que são consideradas “música chiclete”, enquanto outras são muito mais frenéticas e intensas, como as escritas por Johnny. A variedade de composição faz com que as músicas se diferenciem bastante, variando no estilo e abrangendo assim um público com gostos um pouco diferentes.

Em 2018, segundo Johnny, eles pretendem lançar um novo álbum, no qual trabalham durante todo o tempo livre, mas afirma também que não podem prometer nada. Apesar de a música mais famosa deles ser, até hoje, antiga em relação à Egomaniac, a banda continua crescendo e talvez ganhe mais espaço com a chegada de novas produções.

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