Estante do Persona – Fevereiro de 2022

Arte retangular de cor amarela. Ao centro há uma estante branca com três prateleiras. A primeira prateleira é dividida ao meio, a segunda prateleira é dividida em três e a terceira prateleira é dividida em três. Na parte superior lê-se em preto 'estante’, na primeira prateleira lê-se em preto 'do persona', à direita nessa prateleira está a logo do Persona, um olho com íris amarela. Na segunda prateleira, ao meio, está a capa do livro “Quarto de despejo”. Na terceira prateleira, à direita, está o troféu com a logo do persona. Na parte inferior lê-se em branco ‘fevereiro de 2022'.
Conversando com o Mês da Mulher, a quinta edição do Estante do Persona foi ambientada pela leitura do Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus (Foto: Reprodução/Arte: Vitor Tenca/Texto de Abertura: Vitória Lopes Gomez)

Fevereiro oficializou uma tradição do Clube do Livro: se no começo não passava de um mero acaso, cinco meses depois, os membros da Editoria não conseguiram mais negar que são as autoras que dominam nossas leituras em grupo. Com o Mês da Mulher em mente, a decisão pela obra da segunda rodada do ano não poderia ser diferente. A escolhida? Carolina Maria de Jesus e seu impactante Quarto de despejo.

Contemplando, também, o mês de aniversário da escritora, o Clube mergulhou em sua primeira história não-ficcional, e uma das produções mais doloridas lidas em conjunto até então. Publicado em 1960, o livro foi um achado do jornalista Audálio Dantas, que se deparou com Carolina e seus diários ao reportar o cotidiano da favela do Canindé, na cidade de São Paulo. Por sorte, Dantas reconheceu o poder daquela documentação e revelou ao mundo o simples, mas potente, dom da autora de contar sua história. Da vida de Carolina Maria de Jesus, nasceu Quarto de despejo: Diário de uma favelada.

No encontro único de Fevereiro, os membros do projeto literário do Persona se chocaram com os relatos crus e cruéis da obra. Também, exercitaram seu entendimento das vivências do outro, investigaram o título do trabalho, se impressionaram com a figura articulada e à frente de seu tempo que foi Carolina, além de discutirem o valor das narrativas não-ficcionais. De acordo, o Clube compreende que a importância de uma história verídica é documentar e fazer entender a realidade de quem escreve.

Depois de se surpreenderem com as similaridades das Pessoas normais com nosso mundo, os membros mergulharam na vida real, de fato. Firme e forte em suas leituras, renovadas no mês dedicado a Quarto de despejo, o Persona continua empenhado em expandir seu escopo de gêneros e obras. 

Nisso, o projeto aproveitou o gás dos encontros mensais e emplacou a renovação da colaboração com a Companhia das Letras: agora, o projeto ganha o crachá de Parceria Fixa. Enquanto os próximos conteúdos do mundo literário não chegam, o Estante do Persona segue com seus comentários e com as Dicas do Mês, de obras escritas exclusivamente por autoras, em homenagem ao Mês da Mulher.

Livro do Mês

Capa do livro Quarto de despejo: Diário de uma favelada. A capa é azul clara. No topo, vemos grafismos em branco, que aparentam imitar a silhueta das casas de uma favela. Ao centro, vemos a palavra “QUARTO” e, abaixo, “de DESPEJO”, em branco, uma letra sem serifa, estilizada. Logo abaixo, vemos as palavras “Diário de uma favelada”, em branco. Abaixo, vemos as palavras “CAROLINA MARIA DE JESUS”, em caixa alta, em uma fonte serifada e branca. Na parte inferior central, vemos o logo da editora Ática e, logo abaixo, as palavras “editora ática”, em caixa baixa e em branco.
Em sua segunda edição de 2022, o Estante do Persona adentra Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, e dá dicas de obras escritas por mulheres (Foto: Ática)

Carolina Maria de Jesus – Quarto de despejo (200 páginas, Ática)

Na favela do Canindé, na cidade de São Paulo, os diários de Carolina Maria de Jesus documentavam a realidade do local e de seus moradores. A coletânea desses relatos deu origem a Quarto de despejo. Como Audálio Dantas, o jornalista responsável por publicar os escritos, já antecipava quando trombou com Carolina, a obra não só destaca a potente capacidade da autora de colocar em palavras uma totalidade de vivências, mas mostra que a visão interna da situação serve melhor do que qualquer reportagem sobre o assunto.

Hoje desocupada, a favela se faz quase um personagem principal. Dentro da comunidade em que vive, Carolina descreve a fome – incessamente recorrente, a ponto de motivar cortes de trechos na primeira edição publicada -, as incertezas e as dores de uma vida de privações e precarizações, todas incorporadas naquele ambiente. Os “favelados” de Carolina Maria de Jesus não são pejorativos, são simplesmente os moradores daquele local, o mesmo que o dela, que vivem e convivem com as mesmas situações. Além do tema de Quarto de despejo: Diário de uma favelada, um relato impactante e brutal sobre o cotidiano na favela, a escrita da autora se destaca: apesar de simples e com um vocabulário próprio, a condução do livro mergulha o leitor na realidade, tornando-a ainda mais impactante.


Dicas do Mês

Capa do livro Meninos de Zinco, da escritora Svetlana Aleksiévitch. Na imagem colorida, vemos ao lado esquerdo um soldado soviético prestando continência com a mão direita levada à testa.Ele veste uma jaqueta militar de cor marrom, uma camiseta branca com listras azuis e uma ushanka de cor cinza, que se convencionou a chamar de chapéu russo. Ele é um homem branco de olhos azuis. À direita, está escrito na parte superior Da vencedora do prêmio nobel de literatura 2015, em fonte de cor branca. Abaixo, escrito svetlana aleksiévitch em fonte de cor branca e meninos de zinco, também em fonte de cor branca. Na parte inferior, está o logo da editora Companhia das Letras, também em fonte de cor branca. O fundo da imagem é um borrão embaçado, com predominância das cores azul e cinza.
Com tradução de Cecília Rosas, Meninos de Zinco retrata o horror da guerra através do olhar sempre humano de Svetlana Aleksiévitch (Foto: Companhia das Letras)

Svetlana Aleksiévitch – Meninos de Zinco (368 páginas, Companhia das Letras)

Entre 1979 e 1989, as tropas soviéticas se envolveram em uma guerra horripilante no Afeganistão; pouco depois, em 1991, a União Soviética declarou sua dissolução. Em Meninos de Zinco (1991), a jornalista Svetlana Aleksiévitch se debruça sobre o ocorrido, e tenta jogar luz aos motivos ocultos que fizeram jovens pegarem em armas e depois serem devolvidos às famílias em caixões de zinco lacrados. Nesse contexto bélico, pequenos momentos cotidianos ganham uma beleza inexplicável, transcritos nas páginas do livro em forma de verdade cortante. Todavia, a humilhação vivida pelos sobreviventes que retornaram à URSS é igualmente confusa, deixando em evidência os sentimentos intensificados que foram levados às últimas consequências durante o período.

Diferente do que ocorre em A Guerra Não Tem Rosto de Mulher (1985) – obra igualmente fantástica –, na qual Svetlana narra do ponto de vista de mulheres ex-combatentes na Segunda Guerra Mundial, aqui, a autora realmente cobre o conflito como uma repórter de guerra no Afeganistão, porém, seu estilo permanece inalterado quando decide não misturar sua própria voz narrativa com a das pessoas entrevistadas – as verdadeiras protagonistas dos livros. Além de entrevistas com combatentes soviéticos, a escritora vai atrás de vozes afegãs, estabelecendo um autêntico mosaico polifônico de histórias orais. A obra de Svetlana Aleksiévitch demorou para chegar ao Brasil, pois somente em 2016 a editora Companhia das Letras começou a publicá-la, um ano depois da autora ter recebido o Prêmio Nobel de Literatura.

Não é estranho afirmar que os livros da escritora ucraniana se complementam, pois uma informação deixada de lado ou não aprofundada em um deles – como o ideal soviético que fez com que os meninos de zinco fossem às guerras – é totalmente explorado em outros livros – como em O Fim do Homem Soviético (2013). Dentre as obras de Svetlana, tanto Meninos de Zinco quanto Vozes de Tchernóbil (1997) – adaptado na premiada série Chernobyl (2019), da HBO – profetizam a derrocada da União Soviética, e ajudam a entender a marca profunda e permanente deixada pela guerra. Bruno Andrade


Capa do livro Pequena coreografia do adeus. A imagem é composta por uma ilustração abstrata, que mostra duas figuras. A primeira está segurando a segunda, que cai para trás, mas é segurada pelos braços da primeira. As cores são em tons de rosa e laranja e os rostos das figuras são desenhados abstratamente com cinza. Ao redor da segunda figura, está o nome do livro, em caixa alta e preto, do lado direito da capa. Na linha inferior e ao centro, está o nome da autora, na mesma estilização do título do livro. Embaixo, em tamanho menor, está escrito “Autora de O peso do pássaro morto”. No canto inferior direito, está o selo da editora Companhia das Letras.
Como parte da parceria com a Companhia em 2021, o Persona teve acesso ao livro e ainda entrevistou a autora (Foto: Companhia das Letras)

Aline Bei – Pequena coreografia do adeus (264 páginas, Companhia das Letras)

Rodopiando entre o desafeto familiar e o senso de despertencimento, Júlia Terra não desiste de criar raízes e firmar seu papel nesse mundo tão ao avesso. Para tal, a aspirante a bailarina se mune das palavras de sua criadora, a talentosíssima Aline Bei. Seguindo o lançamento do aclamado e premiado O peso do pássaro morto, publicado de maneira independente, a escrita migra para uma casa editorial para dar vida a sua dança de despedida.

Em Pequena coreografia do adeus, lançamento do ano passado e um dos grandes destaques literários do momento, a trama segue os descompassos de Júlia, uma garota muito machucada pelas circunstâncias de sua infância, a falta de ligação emocional com a mãe e o rombo no peito causado pela ausência do pai. A fim de se libertar de todos esses galhos secos que poluem sua paisagem natural, Aline Bei e Júlia Terra se dão as mãos, passeando pelas dificuldades da vida, sempre unidas.

A escrita em forma de versos espaçados (e que calcificam a estética em adição ao fator narrativo da obra) imprime uma ótica muito particular para a visão de Bei, alguém à flor da juventude e com muitas histórias para contar. O amargo está na curta duração do livro, já que menos de trezentas páginas estão longe do suficiente para suprir a carência da Literatura enriquecedora dali. Como leitor, descobrir situações triviais sob esse olhar particular da autora é um deleite, um rastro de mel abaixo da colmeia. A esperança reside no que vem por aí: e que Aline Bei continue enxergando o mundo como só ela o faz. – Vitor Evangelista


Capa do livro Jovens Titãs: Ravena. A imagem é uma ilustração da super-heroína Ravena. Ela está com o rosto de perfil, virado para a esquerda, com o queixo apoiado em seus braços dobrados. Ravena é uma jovem branca, de cabelos roxos, lisos e curtos; ela usa um headphone em sua cabeça. Na parte superior, há a frase “Assim que começar a ler Jovens Titãs: Ravena, você não vai querer parar - Stephanie Garber, autora best-seller do New York Times pela série Caraval”, em fonte preta. Abaixo, está escrito “Autora da série Beautiful Creatures e best-seller do New York Times, Kami Garcia” em fonte roxa. Em cima do braço de Ravena, está escrito “Jovens Titãs Ravena” em fonte verde. E, ao lado, está escrito “Ilustrado por Gabriel Picolo”.
A coletânea já ganhou continuação com as obras Jovens Titãs: Mutano e Teen Titans: Beast Boy Loves Raven, esta última ainda não lançada no Brasil (Foto: Panini)

Kami Garcia – Jovens Titãs: Ravena (192 páginas, Panini) 

Entre Vingadores e Liga da Justiça, se tem um grupo de super-heróis que também nunca deixa de ficar em alta é o dos Jovens Titãs. Com as inúmeras adaptações para as telinhas, agora foi a hora de reinventá-los nos quadrinhos, resgatando a história da sombria Ravena. Escrito por Kami Garcia, Jovens Titãs: Ravena se propõe a contar uma nova versão das origens da anti-heroína criada por Marv Wolfman. Aos 17 anos, Ravena Roth sofre um trágico acidente de carro, que acaba por tirar a vida de sua mãe, e também a sua memória. Com isso, ela vai morar com a tia em Nova Orleans, contando com a companhia de sua prima Max para recomeçar em meio ao conturbado Ensino Médio.

Compondo o selo DC Teens, a HQ assume um teor diretamente voltado ao público mais jovem, tratando sobre a descoberta dos poderes de Ravena, de uma forma menos sinistra da que estamos acostumados, ao mesmo tempo que ela tem que lidar com interesses amorosos e questões de sua adolescência. E a história não poderia ter saído das mãos de uma autora mais ideal que Kami Garcia, responsável pela saga Dezesseis Luas (Beautiful Creatures), ganhando ainda mais força com os traços do ilustrador brasileiro Gabriel Picolo, que ficou conhecido justamente por desenhar fanarts do grupo. Jovens Titãs: Ravena não cria nenhuma narrativa inovadora, mas faz o essencial ao trazer um olhar voltado para uma nova geração, originando uma história importante sobre laços familiares e força feminina. Além de ter a chance de poder recontar a trajetória de uma das heroínas mais interessantes do mundo dos quadrinhos. – Vitória Silva


Capa do livro A Esperança. Um fundo azul com símbolos circulares em um tom mais escuro, no centro da imagem um tordo branco - pássaro fictício do mundo de Jogos Vorazes - está voando. Na parte de cima da capa está o nome do livro em letras grandes brancas e na parte de baixo, a direita, está o nome Suzanne Collins também em branco.
Em 2021, a saga Jogos Vorazes ganhou um novo livro, A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes (Foto: Rocco)

Suzanne Collins – A Esperança (424 páginas, Rocco)

Quando o assunto é livros de ficção, as possibilidades são infinitas. Sagas de distopias com sociedades que espelham de forma fantasiosa aquilo que vivemos é o que não falta. A coleção de livros Jogos Vorazes acompanha a história da Katniss em sua jornada do Distrito escasso em que nasceu até os luxo da Capital e sua participação na revolução contra o sistema corrupto do país. O sucesso das obras desencadeou uma adaptação para o Cinema, de muita aclamação, e uma abertura para uma popularização dos livros de mesmo gênero.

Em A Esperança, Suzanne Collins explora o íntimo e as influências não só da protagonista como também de todos os envolvidos na jornada para derrubar Snow e a Capital, depois dos acontecimentos caóticos de Em Chamas, segundo livro da saga. A trama é ampliada para muito além dos Jogos Vorazes e as narrativas dos tributos, tocando em temas como política, abuso, manipulação e família. Katniss, a personagem principal, desenvolve habilidades para se tornar cada vez mais envolvida nas mudanças de seu país, passando por traumas, transformações e perdas, mas conquistando liberdade e, finalmente, esperança. – Marcela Zogheib


 Capa do livro Eu Sou Malala. No canto superior esquerdo da capa, vemos o logo da Companhia das Letras, em branco. Ao centro, por toda a extensão da capa, vemos Malala em frente a um fundo verde. Ela é uma mulher paquistanesa, de cabelos pretos lisos e olhos castanhos, com um hijabe rosa sob a cabeça. Ao centro, sob a foto dela, vemos as palavras “Eu sou Malala”, em uma fonte serifada em branco. Abaixo, vemos a frase “A HISTÓRIA DA GAROTA QUE DEFENDEU O DIREITO À EDUÇÃO E FOI BALEADA PELO TALIBÔ, em caixa alta, em branco, disposta em duas linhas. Abaixo, vemos a palavra “MALALA YOUSAFZAI” e, abaixo, “com CHRISTINA LAMB”, ambas frases em uma fonte serifada, em amarelo.
Além de discursos na ONU junto de lideranças globais, a ativista Malala Yousafzai venceu o Prêmio Nobel da Paz aos 17 anos (Foto: Companhia das Letras)

Malala Yousafzai e Christina Lamb – Eu Sou Malala – A história da garota que defendeu o direito à educação e foi baleada pelo Talibã (360 páginas, Companhia das Letras)

Papai argumentava que a única coisa que sempre quis foi criar uma escola para ensinar as crianças. Não nos restava alternativa, a não ser o envolvimento em política e em campanhas pela educação”. Eu sou Malala – A história da garota que defendeu o direito à educação e foi baleada pelo Talibã é a autobiografia da ativista Malala Yousafzai, escrita em parceira com a jornalista Christina Lamb, e traça a trajetória dela desde o começo da sua luta, no Vale do Swat, no Paquistão. Luta essa que, como os depoimentos deixam claro, começou muito antes do atentado que a tornou um ícone de militância pelos direitos da educação para mulheres.

No livro, Malala relata seus dias de infância, adolescência e seu cotidiano, seu caminho no ativismo, junto de seu pai Ziaudin, e quando a situação do país começou a mudar, com a chegada do Talibã, até o atentado de 2012. Além de sua própria história, a obra fornece um panorama da vida no Vale, com suas belezas e desigualdades, e do contexto geopolítico local, assim como as tradições, culturas e crenças religiosas do povo patchun. Com o reconhecimento internacional por sua luta, Malala venceu o Prêmio Nobel da Paz, em 2014, se tornando a pessoa mais jovem a receber o reconhecimento. Eu Sou Malala é leitura obrigatória para todos que já ouviram o nome da ativista – e ainda não sabem que precisam conhecer mais sobre ela, pela voz da mesma. – Vitória Lopes Gomez


Uma tragicomédia em família. Imagem composta por uma ilustração em estilo quadrinho, delimitada por um balão quadrado. A ilustração parece ser feita por aquarela e nanquim, em tons de azul e preto. Nela, está a visão externa de uma janela azul aberta voltada para uma biblioteca interna. A parte de vidro da janela possui esquadrias e duas cortinas abertas pintadas em preto. Dentro da biblioteca está um homem adulto sentado em uma poltrona requintada com espaldar alto. O homem usa um óculos redondo, camiseta e calça listrada. Ele olha para baixo, com a cara séria, enquanto lê um livro de título Zelda. Suas pernas estão cruzadas. Ao fundo estão mobiliários antigos lotados de livros em suas estantes. As laterais da capa estão em tom que varia do branco ao palha, com exceção da lateral esquerda, na qual a ilustração vai até o limite da imagem. Na parte superior central pode-se ler o título do quadrinho em fonte preta não serifada e feita à mão. Na parte inferior, dentro do balão da ilustração, está o nome da autora, Alison Bechdel, na mesma fonte. Abaixo, já fora da ilustração, está o símbolo da editora Todavia, quatro círculos pretos que vão se diminuindo irregularmente entre si.
Referência da literatura LGBTQIA+ contemporânea, Fun Home ganhou adaptação em um musical da Broadway vencedor de cinco prêmios Tony em 2015, que conta com a primeira protagonista lésbica da história dos musicais (Foto: Todavia)

Alison Bechdel – Fun home: Uma tragicomédia em família (240 páginas, Todavia)

Em 1980, com 19 anos, Alison Bechdel se descobriu lésbica. Desde então, a cartunista norte-americana conhecida pelo Teste de Bechdel – critério de avaliação que mede a representatividade feminina no Cinema –, decidiu que seria uma “lésbica profissional”, orgulhosamente aberta sobre sua sexualidade. Durante 25 anos, ela publicou uma série de tirinhas, Dykes to Watch Out For (lançada no Brasil como O Essencial de Perigosas Sapatas, com tradução de Carol Bensimon), acompanhando o cotidiano de um grupo de amigas lésbicas dos Estados Unidos, em meio à transformações políticas e culturais: da epidemia de AIDS nos anos 90 até o recente conservadorismo das feministas radicais (as “radfems”) sobre a transexualidade.

Desenhando personagens brancas e negras, femmes e butches, magras e gordas, jovens e velhas, o olhar de Bechdel se manteve multidisciplinar. Ela estendia suas mãos em favor, puxando quem precisasse para fora de um armário empoeirado. Mas esse desejo revolucionário não foi nada inconsciente, pelo contrário, foi uma decisão tomada em reação à vida do pai, que morreu em sigilo dentro desse mesmo armário. Tema central da primeira HQ autobiográfica da autora, Fun Home (reeditada pela Todavia, com tradução de André Conti) revisita a memória controversa da figura paterna de Bechdel na infância, juventude e início da fase adulta.

Ambos compartilhavam o comportamento introvertido, a paixão pela Literatura e o queerness. Dentro do lar dissimulado – um palacete centenário ornado pelos mais requintados mobiliários, também espaço do negócio da família por três gerações, uma casa funerária (Fun‘eral’ Home) –, a presença do patriarca era de tirania, apatia e ausência. Sob o mesmo teto, as muitas semelhanças nunca foram suficientes para unir pai e filha, que permaneceram estranhos, um para o outro, até o fim. Numa observação sensível, porém honesta, dos frágeis laços afetivos forjados pelo ambiente familiar, Bechdel entende que o pai não era herói, nem nunca foi, mas compreende todas as idiossincrasias que fizeram dele a pessoa que era, e que, consequentemente, se refletiram na pessoa que ela mesma se tornou, encontrando, na Arte, sua própria maneira de perdoá-lo. – Ayra Mori


Capa do livro Coração de Tinta apresenta diversos quadrados de tamanhos variados, em que cada um exibe uma letra e uma ilustração que remete a um livro antigo. Como elemento central da imagem há um retângulo escrito em amarelo Cornelia Funke em cima, Coração de Tinta em bege no centro e Seguinte em amarelo e no canto inferior da foto. O fundo desses quadros é vermelho.
Os personagens dos livros são mais carismáticos dentro da ficção (Foto: Seguinte)

Cornelia Funke – Coração de Tinta (432 páginas, Seguinte)

As boas histórias sempre tiveram o poder de encantar os apreciadores da leitura. Mas, imagine a capacidade de dar vida aos personagens dos livros. Essa é justamente a habilidade peculiar de Mortimer Folchart, que há anos vive sozinho com sua filha, Meggie, após ter enviado por acidente sua esposa Teresa para dentro do livro Coração de Tinta. Desde então, Língua Encantada, como foi apelidado por aqueles que trouxe para o mundo real, nunca mais leu em voz alta. Esse cenário se perpetuou até que, durante uma noite chuvosa, personagens extraídos do Mundo de Tinta voltam com interesse nos poderes fantásticos de Mortimer.

A história pitoresca de Coração de Tinta, escrito pela alemã Cornelia Funke, em 2003, deu início à trilogia do Mundo de Tinta, que se desenrola com os personagens adentrando à fantasia do livro e enfrentando vilões terríveis. Além da narrativa apresentada, a obra de Funke encanta com sua apresentação estética repleta de ilustrações realizadas pela própria autora e com citações para iniciar os capítulos geralmente retiradas de grandes peças da literatura. Desse modo, a notoriedade de Coração de Tinta fez com que este fosse adaptado para o Cinema, em 2008, que reuniu atores como Brendan Fraser, Jennifer Connelly e Andy Serkis. – Gabriel Gatti


Capa do livro Luxúria, de Raven Leilani. A imagem mostra, ao centro, uma fotografia em close da parte de baixo do rosto de uma mulher negra, com foco para os seus lábios, que estão entreabertos e pintados com batom vermelho alaranjado. Ao redor da foto, existe uma moldura branca. Na linha inferior da capa, está escrito o nome do livro em fonte de caixa alta e branco. Embaixo, está o nome da autora, na mesma estilização, porém em vermelho alaranjado. Depois, existe o selo da editora Companhia das Letras, na mesma cor. Na linha superior da capa, em cima da fotografia, existe uma citação atribuída a Zadie Smith, que diz “Um livro tenso, afiado e engraçado sobre ser jovem, brutal e brilhante.”
O livro esteve nas listas de melhores do ano do The New York Times, The Guardian e também do Persona (Foto: Companhia das Letras)

Raven Leilani – Luxúria (232 páginas, Companhia das Letras)

Para a seleção especial da nossa Estante que se dedica a indicar o trabalho de escritoras, um nome em especial não poderia deixar de ser mencionado. Em sua estrondosa estreia de 2021, Raven Leilani permitiu-se influenciar por duas das obras culturais mais importantes no que diz respeito a encarar o recorte de gênero na atualidade. Para o seu primeiro livro, a jovem escritora nova-iorquina encontra a comédia ácida de Fleabag e a criatividade crítica de I May Destroy You sob o título de Luxúria.

O romance se dedica à história de Edie, que, em seus vinte e poucos anos, tenta viver em uma Nova Iorque inóspita aos jovens de classe baixa e especialmente hostil às mulheres negras. Entre os altos e baixos de sua vida perfeitamente comum à juventude do século 21, ela cai nas teias de um relacionamento aberto com um casal branco e, ao mesmo tempo, parte de sua vida começa (mais uma vez) a desmoronar. A partir daí, Raven Leilani cria uma comédia dramática sagaz e ácida, que reflete sobre as expressões de poder das relações de gênero, classe e raça numa linguagem corajosamente singular para a Literatura contemporânea. – Raquel Dutra


Capa do livro As Meninas, de Lygia Fagundes Telles. No fundo, vemos várias linhas de cor rosa e branca. Em cima dessas linhas, vemos uma flor de diversas cores próxima do canto superior direito, uma flor azul embaixo dela e, perto do canto inferior direito, um galho com mais flores coloridas, com algumas folhas verdes ao redor. Próxima ao canto superior esquerdo, vemos o que parece ser uma mandala, de cor marrom, e uma flor rosa embaixo dela. A flor rosa está em cima de um retângulo branco. Dentro do retângulo branco, lê-se “Lygia Fagundes Telles” e o título da obra, “As Meninas”, seguido da editora responsável pela publicação, “Companhia das Letras”.
As meninas foi um livro bastante corajoso na época de seu lançamento, em 1973, pois descrevia uma sessão de tortura em um período que o assunto era proibido (Foto: Companhia das Letras)

Lygia Fagundes Telles – As meninas (304 páginas, Companhia das Letras) 

Em um pensionato de freiras na capital paulista, vivem três jovens universitárias bem diferentes: Lorena, Ana Clara e Lia. A partir dessa premissa, Lygia Fagundes Telles constrói uma narrativa intensa, de múltiplas vozes que dialogam em um fluxo de consciência vertiginoso. Ambientado na década de 1970, em plena ditadura militar, o livro consegue captar com precisão o espírito de profunda transformação política e comportamental que permeou a época. 

Um dos livros mais celebrados da autora, tanto pelo público quanto pela crítica especializada, é uma obra que conquista o leitor aos poucos, sem pressa. De início, as trocas súbitas da primeira pessoa para a terceira na narrativa podem causar certo estranhamento, mas, conforme a trama se desenrola, essas mudanças se provam fundamentais e demonstram o pleno domínio que Telles tem da própria escrita. É um mosaico cuidadoso de vidas muito diversas em uma das maiores metrópoles do país, com um final impactante que fica marcado na cabeça daqueles que o leem. – Caio Machado

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