Jamily Rigonatto
Ceder a pressão social é fácil, quase um instinto do ser humano em busca de aceitação e, por vezes, sobrevivência. O ponto é que tudo pode ser desfigurado para que possamos caber nas caixas ditas como certas: roupas, cabelos e até mesmo os amores. Em Close, filme lançado em 2022 sob a direção de Lukas Dhont, os protagonistas figuram o ato de cortar os laços mais profundos como se fossem uma linha fina – rompem-se com facilidade, mas ficam as pontas esfarrapadas.
Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav de Waele) estão no início da adolescência e têm uma intimidade apaixonante construída, mas os olhos de terceiros tendem a ver as coisas sob lentes escuras, nubladas por estigmas. Os garotos se amam, sem rótulos definidos – não nos cabe força-los a mais enquadramentos –, é uma pena que em um mundo em que a masculinidade tóxica reina demonstrar ternura seja um sinal franco de vulnerabilidade. Assim, os toques, o cuidado e até o carinho se dissipam em tons cinzentos, movidos pelo desejo de se encaixar.
Os primeiros takes são ingênuos, leves e ensolarados. A câmera caminha em direção aos rostos dos meninos e podemos sentir o quanto aquela relação é especial. Eles têm 13 anos e estão começando um novo ano letivo na escola, ambiente em que as coisas começam a mudar. A aproximação dos meninos é julgada pelos colegas, termos homofóbicos são ditos e isso basta para que a distância ganhe casa e, cada vez mais, seja possível entender como nada continua igual.
O trabalho de fotografia comandado por Frank van den Eeden é primoroso, desde as luzes até a forma como os personagens e cenários são captados. Tudo é morfológico: habita a forma que a narrativa precisa. O enquadramento caminha com o afastamento dos protagonistas e, em certo momento, o foco deixa de repousar sobre suas faces para abrigar os elementos ao redor, conforme Léo e Rémi permitem a expansão desse mundo.
Apesar de não fazer afirmações, um dos cernes do enredo – escrito por Dhont em parceria com Angelo Tijssens – é a homofobia, a forma como a exclusão de pessoas que sequer lembrem o universo LGBTQIA+ é naturalizada e capaz de gerar desgastes e mudanças. O protagonista não precisa de muito para passar a se policiar sobre a forma com a qual trata o amigo, o medo é um soldado cruel e invade sem bater na porta.
Continuar a ver o filme é doloroso, uma experiência absolutamente devastadora com passe livre para fazer todos os sentimentos de alguém se desdobrarem. Nada precisa ser explícito ou violento para causar angústia, aqui os rumos da vida se mostram imprevisíveis e nada simplistas. Neste cenário sombrio e regado a lágrimas, a passagem dos dias ganha menos luz, paz e amor.
Acima de qualquer coisa, Close é sobre consequências e quebras. A narrativa explora em Léo e nos pais de Rémi, Sophie (Émilie Dequenne) e Peter (Kevin Janssens), o quanto os pedaços quebrados machucam. É possível ver no garoto a quebra da inocência e nos adultos os rumos perdidos a partir de uma ótica intimista e silenciosa. Afinal, os olhos são a janela para a alma e sobram para as palavras o plano secundário.
A dor transpassa os limites da imagem e ver isso é desesperador, caso houvesse a possibilidade de adentrar a tela e acolher aqueles sentimentos qualquer pessoa o faria. Charlie (Igor Van Diesel) acaba sendo o personagem que mais gera essa identificação no público e seu cuidado com o irmão é afetuoso na medida exata. É com ele que vemos Léo ter as únicas reações positivas verdadeiramente sinceras depois do episódio do melhor amigo, as risadas e corridas no campo aquecem um pouco dos tons frios assumidos pela produção.
O desenvolvimento emocionante não passou despercebido pelo Oscar 2023 e o filme concorre na categoria de Melhor Filme Internacional. A disputa conta com os títulos Nada de Novo no Front, Argentina, 1985, EO e A Menina Silenciosa. Além de estar cotado a estatueta da Academia, Close competiu ao Critics Choice Awards na mesma modalidade e apareceu como indicação ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro.
Exibido pela primeira vez no Festival de Cinema de Cannes em Maio de 2022, o longa-metragem agradou os críticos e arrebatou o Grand Prix. Na ocasião, os direitos de distribuição da obra para o Reino Unido, Irlanda, América Latina, Turquia e Índia foram adquiridos pelo serviço de streaming da MUBI. A narrativa também mexeu com os membros National Board of Review, que ofereceram à produção o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro.
Close é um retrato delicado e dilacerante de como as mudanças se instauram com uma força avassaladora. Sem precisar de apelo, a narrativa sangra em sua própria magnitude. Não é a intenção estabelecer culpados, mas mostrar os pequenos efeitos promovidos por atitudes aparentemente banais. Resta nas mãos de todos um cheque a assinar, mesmo quando isso é cruel e, sinceramente, injusto.
Talvez não tenhamos como mudar a estrutura, mas falar das dores proporcionadas por ela é um grande passo e a obra faz isso com excelência. O filme pode não ter um final feliz de conto de fadas, mas, ao contrário do que sua sinopse diz, é, sim, uma história de amor – já que esse sentimento faz parte de todo o enredo, seja na forma pura ou na que coleciona cicatrizes. Nem toda história de amor é feliz, mas só o fato de estar presente faz dele um dos grandes protagonistas. Assim, pode ser que amar nos deixe tão perto de sofrer quanto Close nos deixa próximos das quebras.