Giovanna Freisinger
A quarta e última temporada de Barry responde às perguntas existenciais levantadas pela obra até então e leva a história, que parecia estar em uma rua sem saída, ao seu desfecho. Seus momentos finais a consolidam como uma das melhores produções de televisão dos anos recentes. Os fãs da série estão na torcida para que esse seja o ano em que ela finalmente conquiste o título de Melhor Série de Comédia no Emmy 2023, após três indicações nesta categoria, mas nenhuma vitória até então. O obstáculo é a concorrência pesadíssima da categoria, com Abbott Elementary, A Maravilhosa Sra. Maisel, Jury Duty, Only Murders in the Building, Ted Lasso, The Bear e Wandinha.
A premissa boba da série, sobre um assassino de aluguel que descobre uma paixão avassaladora pelo teatro, não deixa transparecer as profundidades que Bill Hader, protagonista e co-criador, é capaz de levar a narrativa nos anos seguintes. A conclusão assume um tom bem mais sombrio do que quando começou – sem clima nem para manter a música de abertura descontraída. Barry aproveita ao máximo a tragédia e a comédia de seu niilismo, orquestrando metodicamente os sentimentos infligidos na audiência para transitar, de um instante para outro, dos altos da sua natureza cômica à tensão e angústia consequentes da sua violência, sem parecer apática com o conteúdo nem comprometer seu ritmo impaciente.
Uma comédia ácida, com elementos de suspense, drama psicológico e crime, poderia facilmente se perder, mas a produção prova que revelar as nuances e contradições da vida e da condição humana, quando bem feito, pode criar algo que transcende as restrições dos gêneros narrativos. A série evoluiu ano após ano, com o estilo e o tom se tornando mais bem definidos e ambiciosos conforme progredia, caminhando em direção ao surrealismo, que acrescenta para uma experiência audiovisual ainda mais imersiva.
A temporada anterior introduziu a linguagem mais introspectiva que a série adotou em diante. Isso aconteceu quando Hader começou a dirigir mais do que apenas alguns episódios e começamos a ter contato com as montagens surreais e minimalistas que ele aperfeiçoa nesse novo ano – ele dirige a totalidade dos oito capítulos. Podemos observar o diretor pegando gosto pela prática, desenvolvendo e aperfeiçoando o seu estilo próprio por trás das câmeras. Com razão, já recebeu, por Barry, três indicações ao Emmy nas categorias de Melhor Direção em Série de Comédia e Melhor Roteiro em Série de Comédia. Esse ano, ele concorre novamente às duas categorias, ambas pelo episódio final da série, wow.
A liberdade tomada por Hader com as sequências experimentais é restrita ao seu comprometimento com os 30 minutos semanais. A quarta temporada pode ser considerada apressada, por vezes até atropelada, principalmente em consequência do divisivo salto temporal. No entanto, esse foi o melhor caminho para manter o passo da história e a resolução de todos os conflitos em um ritmo rápido que acompanha a urgência da narrativa. Barry é a estreia diretorial do ator e comediante e, agora que acabou, fica a ansiedade para ver o que ele planeja fazer em seguida.
Dessa vez, a performance de Bill Hader é mais brutal do que nunca, interpretando Barry como uma bomba relógio. Com sua entrega ao personagem, o ator se provou desde o primeiro momento, foi indicado ao Emmy como Melhor Ator em Série de Comédia por todas as temporadas e ganhou em 2018 e 2019. Agora, para fechar a série com um terceiro troféu em casa, concorre com Jason Segel (Shrinking), Martin Short (Only Murders in the Building), Jason Sudeikis (Ted Lasso) e Jeremy Allen White (The Bear).
Barry desenvolveu uma marca registrada com a sua linguagem visual que prende o olhar do espectador na tela, mesmo diante de cenas violentas ou perturbadoras: uma câmera impessoal e observadora, que tende a enfatizar as reações dos personagens, independente do quão mirabolante os acontecimentos ao seu entorno sejam. Isso dá aos atores mais espaço para explorar suas performances. Grande parte do que eleva a série a algo realmente especial são as interpretações que eles entregam a essas figuras, contemplando as dualidades e conflitos internos de cada um.
Esse ano, Anthony Carrigan (NoHo Hank) e Henry Winkler (Gene Cousineau) disputam novamente o Emmy de Melhor Ator Coadjuvante em Série de Comédia. É a terceira indicação para ambos e Winkler levou o troféu em 2018 pela primeira temporada. Vale notar, contudo, a inexplicável insistência da Academia de Televisão em esnobar a contribuição de Sarah Goldberg (Sally Reed), desde 2019 sem a indicar, apesar de seu imenso talento e inegável impacto para o sucesso da série.
A quarta temporada chegou para subverter expectativas, reunindo todos os temas abordados nos anos anteriores da obra de maneira mais audaciosa e definitiva. Sua abordagem mais intensa não vai ser para todos, mas as decisões ousadas, performances estelares e habilidades técnicas fazem desse encerramento uma inegável jogada de mestre. Os primeiros episódios demoram um pouco para pegar no embalo, mas, quando as coisas começam a sair dos eixos, a produção te prende e não solta mais. Barry sempre foi boa em manter a audiência na beirada do sofá e, caminhando para a sua conclusão, domina isso em seu potencial máximo. Nunca se sabe qual o próximo passo de nenhum dos personagens.
A série rejeita as nossas tendências de simpatizar com anti-heróis. Em sua reta final, apresenta uma exploração angustiante dos danos causados por um homem violento. A essa altura, Barry já não é mais o protagonista. O drama se dá ao examinar todas as vidas que ele comprometeu, direta ou indiretamente. A escolha ousada de descentralizá-lo da narrativa tem um efeito em fazer a audiência enxergá-lo por quem ele é, assim como os outros personagens começam a fazer.
A angústia da história vem da vontade que o personagem expressa em mudar, mas nunca muda. No último episódio, ele enfim toma uma decisão que pode ser considerada uma mudança, mas já é tarde demais. Ele não é oferecido redenção, nem vingança: o roteiro não recompensa Barry de qualquer maneira. Há um argumento, desde a terceira temporada, de que o arrependimento, não importa o quão sincero, não têm valor algum sem mudanças de comportamento. O protagonista cruza todos os limites que traça para si mesmo. Ele sente culpa, mas, ainda assim, prefere cometer atos injustificáveis a sacrificar a vida que reivindica para si.
Barry se agarra a suas boas intenções – apesar de autocentradas – para não ter que admitir para si mesmo que tem controle sobre essas situações, e os danos que causa são uma escolha egoísta e calculada. Ele é definido por suas ações e, nesse sentido, é uma resposta a todos os anti-heróis. O trope é dominado por histórias de homens que fazem coisas terríveis, só para depois serem representados como vítimas mal compreendidas de más circunstâncias. É nesse ponto que Barry escolhe seguir por outro caminho e, fazendo isso, configura uma história anti-anti-heróis, que não deixa o seu protagonista, nem a audiência, escapar das duras consequências da realidade. A série finalmente responde a sua questão central: o remorso é o suficiente para a redenção? Claro que não.
O final, apesar de imprevisível, é anticlimático – de propósito. Em seus últimos momentos, a série compõe sua última piada, ao mesmo tempo que consegue sintetizar a sua mensagem, retornando os temas que expandiu nesta temporada para onde tudo começou: a indústria do teatro, cinema e televisão. Barry sempre usou a paixão do personagem pela atuação como sua metáfora central, para tratar das mentiras que contamos a nós mesmos. A tese da série é expressa, surpreendentemente, por Fuches (Stephen Root), quando ele compreende que ninguém se torna melhor do que é por negar a verdade.