3% é a primeira série 100% nacional da Netflix

(Foto: Reprodução)

Raphael Será

Em 2011, foi lançado no Youtube um piloto do que poderia ser a série 3% – hoje esse vídeo possui 260 mil visualizações. Os criadores, Daina Giannecchini, Dani Libardi e Jotagá Crema, todos alunos da USP, não imaginavam que um um projeto amador se tornasse algo grande: primeira série nacional da Netflix, e uma das poucas atrações do catálogo que se propõe a tratar do assunto da luta de classes – hoje mais importante do que nunca, e tratado como algo passado e refutável.

A segunda temporada da produção estreou em abril, com 18 episódios. A trama trata da dialética entre os “bem de vida” do Mar Alto e os encarecidos da cidade, que dependem de um teste realizado todo ano para ascender socialmente. Com um teor altamente apocalíptico, 3% tenta retratar fria e cruelmente a realidade de uma sociedade dividida basicamente em dois lados. Como definiu Cynthia Senek, são eles os que tem tudo e os que não tem nada. Senek entra como Glória nessa nova temporada, cheia de tecnologia e conspiração.

Cynthia Senek interpreta Glória (Foto: Reprodução)

Mais curta do que uma série convencional, mas não o bastante para ser considerada minissérie, ela conseguiu muitos feitos importantes. Foi rejeitada por 10 emissoras (inclusive pela Netflix, a princípio), e hoje pode ser vista em 190 países, com legendas em 20 idiomas diferentes. E, claro, o mais importante: é a primeira série totalmente brasileira da Netflix. Nada de parceria estrangeira, nada de adaptação. É nacional e ponto.

Com uma ambientação bem interessante (as cenas em que estão dentro do prédio realizando o teste foram gravados na Arena Corinthians), conseguem transmitir melhor a trama para os brasileiros – mesmo a maior parte do público sendo estrangeira (uma campanha de internacionalização que deu muito certo). Muitos cenários lembram lugares daqui, e pelas vozes originais serem em português, e não dubladas, você se sente mais representado. A trilha sonora remete a clássicos do cinema nacional que questionam o establishment, como Ó Paí, Ó (2007): as músicas tem um toque baiano experimental que deixa a série com um ar de suspense e drama ao mesmo tempo. É agonizante acompanhar as provas de seleção quando a trilha sonora consegue transpassar o nervosismo do personagem melhor que o próprio ator.

Gravada em São Paulo, a série usou a Arena Corinthians como cenário em grande parte da produção (Foto: Reprodução)

Tendo como âmago a desigualdade econômica e social, trata também de outros temas relevantes: preconceito, meritocracia e ética. O mais interessante é que 3% consegue tratar da injustiça e maldade humanas sem cair na categoria de ficção transgressiva, nicho popular em séries desse estilo – como Mr. Robot e True Detective, por vezes relegadas ao status de “cult”. Os esforços da produção em tornar os episódios acessíveis a muitas culturas diferentes em um site de streaming americano mostra que o intuito é fazer sucesso, e não atingir o blasé de “subestimada”.

A trama circunda questões sociais e trata constantemente do tema revolução. Existe uma divisão de indignados com o sistema imposto chamados de “A causa”. Quem assistiu a primeira temporada deve ter se irritado com o número de vezes que questões como “Você é da causa?” foram lançadas.

Sobre os personagens, é difícil se afirmar algo de caráter generalizante, é mais provável que se goste de alguns e odeie outros, você pode acabar criando um ranço pela Joana ou pelo Rafael que vai demorar pra acabar, talvez não pela atuação, mas pela idiossincrasia do personagem, mas é interessante como você cria expectativas que logo se quebram nos primeiros episódios, provavelmente você terá que ficar alternando em personagens favoritos pois é possível que toda vez que se afeiçoar á um, ele faça algo deplorável e morra, no pior dos casos os dois juntos.

Jotagá Crema, Dani Libardi, Daina Giannecchini e Pedro Aguilera na estreia da série, em 2016 (Foto: Pedro Saad/Netflix)

Talvez por inexperiência, talvez por opção, a série acaba sendo muito nonsense em certos momentos – querendo nos mostrar como a própria realidade pode não ser muito coerente. Certos personagens exigem atuações exageradas para demonstrar devoção a uma ideologia; outros, razoavelmente fracos na trama. Talvez o elenco barato e, de certa forma, virgem não fosse o maior empecilho se os atores fossem de um talento notável. Mesmo com esses problemas, a história prende pela ameaça iminente de revolução, e pela curiosidade que consegue cativar pelo tão falado “Mar Alto”.

Fato é que 3% fez uma microrrevolução. E quem sabe o que virá agora que existe uma série brasileira com boa avaliação na Netflix? Um provérbio pode servir bem a essa situação: “Você pode não gostar de Nirvana, mas Nirvana provavelmente influenciou a sua banda preferida”. 3% poderia ser mais bem feita em questões diversas, mas esses 97% de vontade de fazer algo novo e diferente com certeza está inspirando futuros cineastas pelo Brasil.

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