Estante do Persona – Agosto de 2023

 

Apoiado em sentimentalismo, O som do rugido da onça foi a leitura escolhida para o Clube do Livro de Agosto (Foto: Companhia das Letras/ Arte: Raíra Tieng0/ Texto de abertura: Jamily Rigonatto)

Voltando a rotina depois de uma pausa merecida, os integrantes do Clube do Livro do Persona repousaram os olhares para o vencedor do Prêmio Jabuti de Romance Literário em 2022, O som do rugido da onça, de Micheliny Verunschk. Adentrado em uma narrativa que devolve o protagonismo às verdadeiras vítimas da colonização, o texto caminha através da histórias das crianças indígenas Iñe-e e Juri. 

A escritora e historiadora já é figurinha marcada no universo literário nacional, e conquistou o Prêmio São Paulo de Literatura em 2015, com Nossa Teresa: vida e morte de uma santa suicida. Micheliny também foi duas vezes finalista do Prêmio Rio de Literatura e no último ano, com O som do rugido da onça, representou o Brasil no Prêmio Oceanos – uma das premiações literárias mais importantes dos países de língua portuguesa. 

Na obra escolhida da vez, somos levados de forma poética, mas avassaladora, a trágica história das crianças raptadas pelos exploradores Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius. Em um misto de medo, separação, saudade e vidas interrompidas, o foco se entrega completamente às faces da dor, enquanto as entrelinhas se envolvem com os mistérios da espiritualidade

A leitura das 168 páginas se desfaz em uma densidade quase versada e resta nos que a acompanham as milhares de incertezas sobre a construção de um país que se revela tão bem na ficção quanto o faria nos pedaços ocultados pela versão dos opressores. E para não perder o costume, o Estante do Persona de Agosto de 2022 deixa suas indicações dedicadas a todos os que optam por ver o mundo entre os múltiplos pontos de vista. 

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David Grossman gargalha até doer a barriga em A Vida Brinca Muito Comigo

O Persona também pode esboçar um riso frente ao pranto da vida graças a parceria com a editora Companhia das Letras (Foto: Companhia das Letras/Arte: Ana Cegatti)

Nathalia Tetzner

Sabe aquela pessoa que, quando está calma, os trovões de tempestade podem ser ouvidos ao longe? Que tem o prazer de encher os teus pulmões, mas também sufocá-los? Ela é a perfeita personificação da vida em seu estado mais bruto. Alguns a conhecem precocemente, outros, no tempo certo, e há ainda aqueles que preferem ignorar a sua face áspera e se resumem a dizer “ah, ela é brincalhona assim mesmo”. Na trama de A Vida Brinca Muito Comigo, de David Grossman, três gerações de mulheres procuram digerir as consequências do encontro fúnebre com a origem de tudo.

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No palimpsesto de Elvira Vigna, eles não conhecem Courbet

O livro Como se estivéssemos em palimpsesto de putas, leitura do Clube do Livro do Persona em Maio, publicado pela editora Companhia das Letras, não é sobre garotas de programa, mas sim sobre relações interpessoais e suas tensões (Foto: Companhia das Letras/ Arte: Bruno Alvarenga)

Enzo Caramori

“Nenhuma de nós de fato com uma existência separada. Só traços sobrepostos, confusos, não claros. Como se estivéssemos, todas nós, num palimpsesto.”

Em uma sala, num outro universo que não é, naquele momento, o Rio de Janeiro que estardalhaça do lado de fora, ela está furiosa. Em silêncio, mas nunca quieta. Cautelosamente desajeitada. Uísque caubói, também raivoso, em um copo plástico. Escuta um homem, que nem conhece direito, narrar seus encontros com putas. Mulheres sem nomes, pois são tantas que, no fim, se juntam até se tornarem um único ser com várias cabeças e braços. Rasura. Na verdade, são as estórias que se juntam incessantemente até formarem, gota a gota, gigantes estruturas, como aquelas pedras, em cavernas. Gota a gota. Rígidas. Estalagmites. Que prendem, nos espaços vazios e ocos, o que realmente se quer dizer. E não foi dito.

E é isso – o que não foi dito –  que mais pulsa na escrita visceral de Elvira Vigna no brutal Como se estivéssemos em palimpsesto de putas (2016), um de seus últimos livros publicados em vida. Em uma crueza avassaladora, que partilha de um humor blasé e de uma catártica raiva feminina, a autora não traz suas discussões necessariamente na superfície de seu enredo e no desenrolar de suas personagens, mas sim em uma psicologia que está atrás dos eventos narrativos – localizada no que realmente move os acontecimentos – criando uma dualidade acerca do que se diz mas, não necessariamente, é o que quer ser dito. Nessa narrativa, a única verdade está naquilo que é engolido pela língua e reside no escuro. Na ausência. No negativo.

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6 diretoras para apreciar no Dia do Cinema Brasileiro

Para marcar a data em um ano tão simbólico como 2022, o Persona se juntou à ACI Faac para homenagear as mulheres que fizeram, fazem e farão a História do Cinema brasileiro. 

Entre tantos nomes importantes para o cinema nacional, selecionamos diretoras que contemplam as diversidades do Brasil de ontem, hoje e amanhã [Foto: Reprodução/Arte: Jho Brunhara (Persona) e Laís Yokota (ACI Faac)/Texto de Abertura: Letícia Ramalho (ACI Faac) e Vitória Lopes Gomez (Persona)]
Em um Brasil que ainda vende suas salas de cinema para blockbusters estadunidenses e faz de tudo menos proteger seu próprio Cinema – e seus próprios cineastas -, os artistas sempre impuseram resistência. A situação das mulheres na Sétima Arte ao redor do mundo, porém, não destoa tanto do que vemos hoje: a invisibilidade ainda as condena ao esquecimento e ao segundo lugar de profissionais homens – que cá entre nós, também não estão em um lugar muito melhor por aqui. Mas parando para pensar… de cabeça, quantas diretoras mulheres você consegue citar? No Dia do Cinema Brasileiro, tomamos esse momento para refletirmos: quem são as cineastas que construíram e continuam construindo a trajetória do Cinema no país?

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As Mulheres do Grammy 2022

Onde estamos depois de tantas mudanças para contemplar as mulheres no lugar de reconhecimento mais importante da Música mundial? Uma seleção de 12 nomes para entender o passado, o presente e o futuro das mulheres no Grammy

Arte retangular. O fundo é lilás. No lado esquerdo, existe uma foto de Nathy Peluso. Ela é uma jovem branca, de cabelos castanhos presos, e usa uma franjinha sobre a testa. Nathy veste uma blusinha branca de alças e uma jaqueta preta por cima. Do lado esquerdo dela, existe uma foto de Olivia Rodrigo. Ela é uma jovem de cabelos castanhos longos e usa um vestido lilás. Ao lado dela, existe uma foto de H.E.R.. Ela é uma jove negra, de cabelos longos ondulados e pretos, e usa um vestido cor de vinho e óculos transparentes roxos. Por fim, no lado direito da imagem, existe uma foto de Arooj Aftab. Ela é uma mulher paquistanesa, de cabelos escuros curtos, e está usando uma jaqueta prateada.
O Persona preparou uma seleção de 12 artistas que se destacaram nas indicações do Grammy 2022, que se revela com uma temporada complexa para o avanço das mulheres na Música (Foto: Reprodução/Arte: Jho Brunhara/Texto de abertura: Raquel Dutra)

Se a edição de 2022 da premiação mais importante da Música mundial apresenta um cenário interessante para as mulheres, é como o resultado árduo de uma longa caminhada. Em 2019, o Grammy inaugurou um marco para as artistas reconhecidas pela Academia de Gravação sediada na Califórnia: vindo de um controverso 2018, onde era possível contar nos dedos de uma mão as artistas consideradas para as 4 categorias principais da premiação, assim como as dos gêneros de mais destaque, como rap, rock, R&B e country, a premiação se envergonhou de seu conservadorismo e atraso em se adaptar ao novo ambiente musical. Para trabalhar a situação, a premiação mudou sua forma de reconhecer “o melhor da Música”, ampliando o número de indicados em suas categorias centrais (o chamado ‘Big 4’: Álbum do Ano, Gravação do Ano, Canção do Ano e Artista Revelação) e instaurando comitês específicos para acompanhar as nomeações nichadas.

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As mulheres de Amy Sherman-Palladino

Criadora de Gilmore Girls e The Marvelous Mrs. Maisel, Amy Sherman-Palladino deu um novo olhar para as mulheres na Comédia

Arte com fundo preto. Nela, estão 3 mulheres, com uma margem rosa em volta de suas silhuetas, simulando um recorte. À esquerda, está Lauren Graham, que interpreta Lorelai em Gilmore Girls. Ela é uma mulher branca, de cabelos castanhos lisos e compridos, ela veste uma camiseta branca e jaqueta preta. Ao centro, está a roteirista Amy Sherman-Palladino. Ela é uma mulher branca, de cabelos castanhos presos em coque baixo; ela usa um chapéu preto em sua cabeça, uma blusa com um terno preto e segura duas estatuetas do Emmy, uma em cada mão. À direita, está Rachel Brosnahan, que interpreta Midge Maisel. Ela é uma mulher branca, de cabelos castanhos claros curtos. Ela veste um chapéu no tom amarelo, óculos escuros e um vestido com listras claras.
Aos 56 anos, a roteirista já fez história como a primeira pessoa a levar o Emmy na categoria de Roteiro e Direção em Série de Comédia (Arte: Ana Clara Abbate)

Vitória Silva

Cidade de Stars Hollow, fundada em 1779. Uma jovem mulher senta-se em uma mesa na cafeteria do Luke, após implorar para o mesmo por mais uma xícara de café, que ele responde com um olhar zangado – enquanto pega mais café para ela. Um cara flerta com ela e é rapidamente driblado por seu sarcasmo, e com a jogada de que ela está esperando alguém. Esse alguém entra pela porta, é a sua filha, Rory, chateada porque perdeu seu CD da Macy Gray e “precisa de cafeína”. E é essa mesma rotina que você vai observar pelos próximos 153 episódios de Gilmore Girls

Um dos grandes sucessos da Televisão norte-americana nos anos 2000, o seriado surgiu da curiosa mente de Amy Sherman-Palladino. Nascida no dia 17 de janeiro de 1966, em Los Angeles, filha do comediante Don Sherman e de Maybin Hewes, seus primeiros passos no meio artístico vieram – acredite ou não – por meio da dança. Treinada no balé clássico, e com possibilidade até de estrelar o musical Cats, a californiana não pensou duas vezes quando precisou largar sua carreira para integrar a equipe de roteiro da série Roseanne. A partir disso, começou a trilhar seus primeiros passos no que se tornaria uma longa caminhada na comédia.

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Minha força não é bruta: as mulheres da Semana de 22

Foto retangular de fundo cor gelo e textura. Na parte central superior lê-se “MULHERES NO CENTENÁRIO DA SEMANA DE ARTE MODERNA”. Centenário e as letras S e A estão em azul, o restante está em preto. Na parte inferior está a montagem de seis mulheres da semana de arte moderna, elas estão enfileiradas e as fotos estão em preto e branco. Todas as imagens são de busto. Da esquerda para a direita, as mulheres retratadas na imagem são: Patrícia Galvão, Guiomar Novaes, Regina Gomide Graz, Tarsila do Amaral, Zita Aida e Anita Mafaltti. No canto inferior direito está a logo do Persona com a cor da íris estilizada em azul.
Destaques femininos do Modernismo, da esquerda para a direita: Patrícia Galvão (Pagu), Guiomar Novaes, Regina Gomide Graz, Tarsila do Amaral, Zina Aita e Anita Malfatti (Foto: Reprodução/Arte: Ana Júlia Trevisan)

Ana Júlia Trevisan e Vitória Silva

Quando falamos na Semana de Arte Moderna de 1922, há um retrato muito nítido na memória brasileira sobre quem eram as figuras envolvidas nesse importante capítulo de nossa história. Nele estão presentes nomes como Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, e mais uma porção de personalidades masculinas. Ao se tratar da parcela feminina, o primeiro nome que deve surgir com certeza é a popular Tarsila do Amaral, mas ela sequer esteve presente no evento. Durante os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, a pintora se encontrava do outro lado do oceano, na cidade de Paris. 

Mas esse apagamento não se justifica pela ausência completa de mulheres entre as artistas, longe disso. Na década de 20, as mulheres brasileiras ainda não tinham conquistado o direito de votar, trabalhar sem a autorização do marido, ter conta bancária ou até mesmo a guarda dos filhos. Direitos esses que viriam, pelo menos, dez anos depois (e contando). Com um papel meramente restringindo a ser bela, recatada e do lar, quem imaginaria participar de um movimento artístico que impactaria não somente em esferas culturais como também políticas? Foram poucas que tiveram não somente a audácia, mas uma condição social e econômica para tal. 

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Yuni!

O drama adolescente da cineasta Kamila Andini é parte da seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e a aposta da Indonésia para representar o país no Oscar 2022 (Foto: Cercamon)

Raquel Dutra

O nome do novo filme de Kamila Andini é exclamado em muitos momentos dentro dos 90 minutos que o abrigam. Não é para menos, afinal, as reações à figura que o batiza: uma adolescente cheia de sonhos, perspicácia e incertezas que vive no interior conservador e religioso da Indonésia. Antes de chegar na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, Yuni gerou o mesmo sentimento no Festival de Toronto 2021, de onde saiu com uma recepção muito positiva e agraciada com Platform Prize, que reconhece filmes com “alto mérito artístico” e que também apresentam “uma forte visão de direção”.

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